Acórdão nº 2764/18.6T8STB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de ÉVORA I – RELATÓRIO Ação Embargos de execução e oposição à penhora.

Embargante/Executada A… Embargado/Exequente Banco BPI, S.A.

Fundamentos e pedido O exequente incumpriu o regime do PERSI, nomeadamente quanto ao conteúdo obrigatório da comunicação de integração, não contendo os elementos descritos no n.º 1 do artigo 7.º do Aviso do Banco de Portugal com o n.º 17/2012, ex vi do artigo 14.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 277/2012, de 25-10, bem como incumpriu o disposto no artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23-06, pelo que não possui um título executivo válido, devendo a execução ser extinta, levantada a penhora e condenado o exequente nos termos do artigo 866.º do CPC.

Contestação O embargado impugnou os factos alegados pela embargante e defendeu que deu cumprimento a todas as disposições aplicáveis.

Juntou diversas comunicações remetidas à embargante.

Contraditório A embargante alegou que não recebeu as cartas datadas de 05-01-2017, 06-01-2017 e 06-04-2017 juntas com a contestação do embargante.

Resposta O exequente alegou que todas as cartas foram enviadas para a morada disponibilizada pela embargante, considerando-se cumprida a notificação.

Saneador-Sentença Dispensada a audiência prévia foi proferido saneador sentença que decidiu do seguinte modo: «Em face de tudo o exposto, julgo os presentes embargos de executado parcialmente procedentes e, em consequência: a) Declaro verificada a excepção dilatória inominada de falta de condição objectiva de procedibilidade quanto ao contrato nº 2207566-165-002, determinando a extinção da execução nessa parte; b) Determino o prosseguimento da execução em relação ao contrato nº 2207566-165-003.» Recurso Apelou o embargado, pugnando pela revogação da sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «a) os empréstimos nºs 2207566-165-002 e 2207566-165-003, embora independentes, têm uma ligação intrínseca ao longo de todo o processo: proposta, decisão, contratação, hipoteca/garantia e data de vencimento das prestações, b) pelo que nestas circunstâncias os mutuários consideram a globalidade do valor prestacional mensal da totalidade dos empréstimos contratados em simultâneo, sendo pouco relevante o valor da prestação individualmente considerada de cada empréstimo, c) pois em bom rigor é isso que efetivamente interessa para efeitos de gestão de orçamento familiar, não descriminando o valor que tem que pagar mensalmente por cada um dos empréstimos, d) razão pela qual a falta de indicação do montante referente apenas ao empréstimo nº 2207566-165-002 na carta de 07.10.2016 constitui uma mera irregularidade, porque tem um reduzidíssimo impacto na informação que os mutuários necessitam.

e) No entender do recorrente, foi dado cumprimento ao PERSI em ambos os empréstimos nºs 2207566-165-002 e 2207566-165-003 porque, f) A embargante foi sobejamente alertada ao longo do tempo (conforme atestam as 24 cartas nos autos) para o facto de estar constantemente a incumprir as suas obrigações para com o embargado, g) Como também para o facto de que estava o embargante disponível para encetar negociações em busca de uma solução aceitável para ambas as partes, no sentido de evitar a resolução dos contratos e a subsequente execução judicial.

h) E se não houve acordo entre embargante e embargado, tal não se ficou a dever ao facto de na carta de integração de PERSI datada de 07.10.2016 não estar identificada “a data de vencimento das obrigações em mora, o montante total em dívida, com descrição detalhada dos montantes relativos ao capital, juros e encargos associados à mora”, i) Mas sim pela inércia da executada ora embargante.

j) É por isso que entendemos ser excessivo que, o simples facto da carta datada de 07.10.2016 não mencionar alguns elementos que figuram no diploma que regulamenta o PERSI, seja fundamento suficiente para largar a “bomba atómica” que alegadamente fere o crédito nº 2207566-165-002 com uma falta de condição objetiva de procedibilidade.

k) Acresce que, os “elementos em falta” naquela carta de 07.10.2016 não constituem valores fixos, e por isso têm para os mutuários um interesse e rigor bastante limitado, porque ao longo do intervalo de tempo em que decorre o procedimento PERSI, são várias as prestações que se vencem, em datas distintas, o que necessariamente impacta o valor da dívida subjacente.

l) Na decisão recorrida foi considerada assente que “3. A partir de Março de 2014 e até meados de 2016, ambos os contratos foram sendo sucessivamente integrados em PERSI e posteriormente extintos por regularização do pagamento.” m) Contudo, não obstante a mutuária ora embargante ter beneficiado da integração e extinção no PERSI durante mais de 2 anos, acompanhada por dezenas de cartas remetidas ao longo desse período, e oportunamente juntas aos autos (cartas onde também não constavam os elementos em falta na carta de 07.10.2016, n) Ainda assim, veio nos embargos que a decisão recorrida julgou procedentes, invocar o incumprimento do PERSI, por falta daqueles mesmos elementos que também não constavam das cartas anteriores e de cuja integração em PERSI beneficiou.

o) Esta conduta da mutuária configura um claro abuso de direito, dado que, p) se por um lado a mutuária beneficiou do regime de PERSI, ao sucessiva e repetidamente entrar em incumprimento e ser integrada em PERSI e, na pendência do procedimento regularizar esse mesmo incumprimento e beneficiar da extinção de PERSI, q) na petição dos embargos, veio acusar o embargado de vir “sonegando direitos conferidos pelo decreto-lei nº 227/2012, de 25 de outubro e Dec. Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, assim gerando causa impeditiva dos direitos que invoca, obstando à apreciação do mérito e determinando a improcedência do pedido, com consequentemente levantamento da penhora efetuada”.

r) Não obstante a mutuária/embargante ter criado no embargado, com tal comportamento de sucessivas integrações e exclusões no PERSI, a confiança de que para além de receber todas as cartas na sua morada, nada tinha a opor ao teor daquelas missivas, que compreendia toda a informação vertida nas cartas recebidas no âmbito de PERSI, informação que era reputada como suficiente para os necessários fins, e encetava as diligências necessárias para a regularização do incumprimento e a extinção de PERSI, s) Veio nos embargos alegar que “a instituição de crédito, aqui ré, não demonstra ter cumprido as disposições aplicáveis ao regime jurídico do PERSI nomeadamente quanto ao conteúdo obrigatório da comunicação de integração em PERSI, conforme imperativo legal que resulta do art.º 14º n.ºs 4 e 5 do Decreto-Lei n.º 227/2012, do n.º 1, al. a) e b) e n.º 2, ambos do art. 7.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 e ainda Anexo II deste Aviso”.

t) Atenta esta conduta, é entendimento do embargado que a embargante atua em manifesto abuso de direito, porquanto temos, então, a existência de uma situação objectiva de confiança, e o investimento de confiança do lado da pessoa a proteger, donde a neutralização desse direito (invocabilidade do incumprimento das disposições aplicáveis ao regime jurídico de PERSI, nomeadamente quanto ao conteúdo obrigatório da comunicação de integração em PERSI) que durante muito tempo se não exerceu, por o não exercente ter criado, pela própria conduta, uma expetativa legítima de que o mesmo não iria ser exercido (supressio).

u) A proibição do comportamento contraditório configura actualmente um instituto jurídico autonomizado, que se enquadra na proibição do abuso do direito (art. 334.º do CC), nessa medida sendo de conhecimento oficioso.

v) São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os...

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