Acórdão nº 800/19.8T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA DO PAÇO
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho que A... instaurou contra “Sorgal – Sociedade de Óleos e Rações, Lda.” e “Generali Seguros, S.A.”, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Nesta conformidade e em face de tudo o exposto, declara-se que A..., em 21/01/2019 sofreu um acidente de trabalho indemnizável e, em consequência, decide-se: 1.- Absolver SORGAL – SOCIEDADE DE ÓLEOS E RAÇÕES, S.A, de todos os pedidos contra a mesma formulados pelo autor A...; 2.- Condenar GENERALI SEGUROS, SA., a pagar ao autor A..., o capital de remição de uma pensão anual e obrigatoriamente remível de € 1.728,67, devida desde 02/09/2019, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde essa data e até integral pagamento, e da quantia de € 3.492,37 por indemnização por incapacidades temporárias, acrescida de juros legais contados desde 02/09/2019 até integral pagamento, absolvendo-a do demais pelo autor peticionado; 3.- Condenar A... e GENERALI SEGUROS, SA. no pagamento das custas, na proporção do decaimento, sendo a responsabilidade do primeiro de 54,30 % e da segunda 45,70%; 4.- Condenar GENERALI SEGUROS, SA., a reembolsar o ISS, IP da quantia de 1.376,91, acrescida de juros de mora, absolvendo-a do demais pelo ISS, IP peticionado; 5.- Condenar GENERALI SEGUROS, SA. e o ISS, IP, no pagamento das custas na proporção de 98% para a primeira e 2% para o segundo, quanto ao pedido de reembolso.

Registe e notifique.

Fixo ao pedido do Autor o valor de € 47.272,53 (artigo 120.º, n.º 1 do CPT e Portaria n.º 11/2000, de 13/01).

Fixo ao pedido do ISS, IP o valor de € 1.406,01.

Oportunamente proceda-se ao cálculo do capital de remição e, após, vão os autos ao Ministério Público a fim de verificar o cálculo e ordenar as diligencias necessárias à sua entrega, preferencialmente por transferência bancária (artigo 148.º, n.ºs 3 e 4 ex vi artigo 149.º e artigo 150.º, todos do CPT, artigo 76.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09 e Portaria n.º 11/2000, de 13/01).» Não se conformando com o decidido, veio a seguradora interpor recurso de apelação para esta Relação, formulando no final das suas alegações, as conclusões que, seguidamente, se transcrevem: «A. Tendo em conta a prova efetivamente produzida nos autos, em especial, o depoimento das testemunhas M… e J…, e o depoimento de parte do próprio Recorrido, nos termos expostos nas presentes alegações, donde resulta que a atuação do Recorrido não se tratou de qualquer comportamento “instintivo” e “automático” deverá ser eliminada do ponto 32 dos factos provados as referências a “de forma automática e instituída”, devendo o referido ponto passar a ter a seguinte redação: “32.- No dia 21/01/2019, o A. colocou a mão direita dentro da caixa, com o objetivo de retirar a crosta de produto que se acumulou na parede da caixa”; B. Ainda que assim não se entenda (o que não se admite e apenas se refere por cautela e dever de patrocínio), considerando que a matéria em causa (atuação “de forma automática e instituída”) se trata de matéria favorável ao próprio Recorrido e que, por isso, não podia ser objeto de confissão em sede de depoimento de parte, nem tendo sido produzida qualquer outra prova nesse sentido, antes pelo contrário, deverá ser eliminada do ponto 32 dos factos provados as referências a “de forma automática e instituída”, devendo o referido ponto passar a ter a seguinte redação: “32.- No dia 21/01/2019, o A. colocou a mão direita dentro da caixa, com o objetivo de retirar a crosta de produto que se acumulou na parede da caixa”; C. De acordo com o acima exposto, e em consequência, considerando a matéria provada nos pontos 25, 27, 30, 31, 37, 38, 39, 40 e 41 do elenco dos factos provados, com a alteração acima mencionada, deve a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, uma vez que se encontram reunidos todos os pressupostos previstos no artigo 14.º, n.º 1, alínea a) e b), da LAT que determinam a descaracterização do acidente por violação, por parte do Recorrido, e sem causa justificativa, de regras de segurança impostas pelo empregador, comportamento esse que foi também grosseiramente negligente..

D. Caso assim não se entenda (o que não se admite e apenas se refere por cautela e dever de patrocínio), sempre se dirá que aplicação da bonificação de 1,5 pelo simples facto de o sinistrado ter mais 50 anos de idade consubstancia uma diferenciação de tratamento manifestamente infundada, irrazoável e desprovida de qualquer fundamentação racional, que não poderá deixar de ser considerar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, e que deverá, assim, ser recusada.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser decretada a descaracterização do acidente nos termos da al. a) e b), do n.º 1, do artigo 14.º, da L.A.T, devendo, nesta conformidade, a Recorrente ser absolvida de todos os pedidos deduzidos pelo Recorrido, assim se fazendo Justiça!» Contra-alegou o sinistrado, propugnando pela improcedência do recurso.

A 1.ª instância admitiu o recurso com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

Tendo o processo subido à Relação, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de dever ser confirmada a sentença recorrida.

Não foi oferecida resposta.

O recurso foi mantido nos seus precisos termos.

Dispensaram-se os vistos legais, com a anuência dos Exmos. Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir.

*II. Objeto do Recurso É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

Em função destas premissas, as questões que se suscitam no recurso são as seguintes: 1.ª Impugnação da decisão de facto.

  1. Descaracterização do acidente.

  2. Inconstitucionalidade da bonificação do fator 1,5, em função da idade.

*III. Matéria de Facto O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: 1.- O A. é trabalhador permanente da 1ª R. tendo sido admitido ao serviço da 1ª R. Sorgal, SA, em 02/01/1995, tendo ficado desde essa data sob as suas ordens, direção e fiscalização e auferindo em contrapartida da prestação do seu trabalho uma retribuição mensal certa.

  1. - A 1ª R. Sorgal, SA. é uma empresa que se dedica à produção e comercialização de alimentos para animais e seus derivados.

  2. - A 1ª R. possui uma instalação fabril situada na Lamarosa, localidade do concelho de Torres Novas, onde o A. sempre pertenceu e onde sempre realizou o seu trabalho.

  3. - À data do acidente, o A. possuía a categoria profissional de “granulador” e auferia a retribuição mensal de € 644,24, acrescida de € 5,12/dia de subsídio de refeição, e de € 93,93/mês de outras remunerações certas e periódicas, numa remuneração anual ilíquida de 11.385,56 (644,24 x 14 + 5,12 x 22 x 11 + 93,93 x 12).

  4. - No dia 21/01/2019, pelas 18 horas, quando prestava trabalho e no seu horário, nas instalações da 1ª R. sitas na Lamarosa, o A. foi vítima de um acidente.

  5. - Com efeito, naquele dia e hora quando se encontrava a trabalhar no seu local de trabalho, o A. verificou que havia um corpo estranho no tapete rolante que transporta o grão da ração dos animais para dentro da caixa da eclusa, antes de entrar no secador.

  6. - De imediato tentou retirar esse corpo estranho (uma crosta formada pelo próprio produto), e, nessa ação, puxou logo a mão, mas a máquina cortou dois dedos (o 3º e o 4º) da sua mão direita.

  7. - O A. usava, o equipamento de proteção individual, designadamente máscara e luvas de proteção.

  8. - Imediatamente após o acidente, o A. pediu auxílio a dois colegas e foi transportado para o Hospital de Torres Novas e depois para o Hospital de S. José.

  9. - A 1ª R. Sorgal, SA, tinha a responsabilidade pelos acidentes de trabalho transferida para a 2ª R. Seguradoras Unidas, SA, atual Generali Seguros, SA., por um contrato de seguro de riscos emergentes de acidentes laborais titulado pela apólice uniforme nº 4008737.

  10. - O A. nasceu em 19/03/1956.

  11. - Aquando o referido em 5) a 7) o A. prestava o seu trabalho habitual e encontrava-se no seu posto de trabalho.

  12. - O A. não estava a fazer qualquer operação de manutenção ou de inspeção da máquina.

  13. - O A. liga a máquina diariamente e também diariamente verifica se a máquina está a funcionar bem, e caso detete alguma avaria chama o responsável pela manutenção das máquinas o qual tratará da sua reparação.

  14. - Existe nas instalações da R. um trabalhador encarregado da manutenção (de nome J…) a quem cabe fazer a respetiva manutenção das máquinas.

  15. - Como sequelas do acidente, o A. ficou a padecer de amputação pela interfalângica proximal do 3.º dedo da mão direita e amputação pela parte média da 2.ª falange do 4.º dedo da mão direita, com anquilose da interfalângica proximal, enquadradas no capítulo I, 8.5.3, al. c) e capítulo I, 8.5.4, al. c) da TNI, tendo ficado afetado com 21,69% de incapacidade permanente parcial.

  16. - Em resultado do acidente, esteve em situação de ITA de 22/01/2019 a 01/09/2019, data de alta.

  17. - O A. é destro.

  18. - O A. sempre foi uma pessoa ativa apesar da sua idade (62 anos à data do acidente, pois nasceu em 23/03/1956) para além de exercer a sua atividade profissional.

  19. - O A. sempre tratou da sua horta, agricultando, semeando e colhendo vegetais da terra para seu consumo próprio e da sua família, o que deixou de fazer, em resultado das sequelas.

  20. - Essas sequelas determinaram ao A. menos força na mão direita e destreza manual.

  21. - Em resultado do acidente, o A. envelheceu, deixou de ser a pessoa alegre e bem-disposta que sempre foi e...

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