Acórdão nº 2857/20.0T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 2857/20.0T8STR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]*****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2] I – RELATÓRIO 1.

P..., Lda., sociedade comercial que tem como objeto principal a prestação de serviços de contabilidade por contabilistas certificados, veio intentar ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra J..., contabilista certificado, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 7.265,60 (sete mil duzentos e sessenta e cinco euros e sessenta cêntimos) acrescida de juros de mora.

Em fundamento dessa pretensão, alegou, em síntese, que, em 01.05.2018, a Autora assumiu as funções inerentes à execução da contabilidade da sociedade F... S.A., sendo que esta sociedade, a partir de março de 2019, não procedeu ao pagamento dos montantes devidos por conta da prestação de tais serviços de contabilidade, encontrando-se presentemente em dívida o peticionado montante, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos e despesas de cobrança.

Mais invocou que a sociedade F... S.A. foi declarada insolvente, no âmbito do processo n.º …, tendo o Réu assumido a execução dos serviços de contabilidade desta sociedade sem previamente ter diligenciado em saber se estavam em dívida quaisquer montantes devidos por honorários e despesas decorrentes da prestação de serviços de contabilidade pela Autora, violando assim o disposto no artigo 74.º, n.ºs 2 e 3 do Estatuto e Código Deontológico dos Contabilistas, razão pela qual deve ser condenado ao pagamento da quantia que aquela sociedade devia à Autora.

  1. Regularmente citado o Réu contestou, por exceção perentória, invocando a inexistência do contrato e o facto de ter assumido a contabilidade de entidade jurídica diferente; por impugnação motivada, pedindo que a ação seja declarada totalmente improcedente, por não provada, com as demais consequências legais; e pedindo a intervenção principal provocada, ou subsidiariamente a intervenção acessória da Companhia de Seguros para a qual transferiu os riscos inerentes ao exercício da sua atividade profissional.

  2. Foi admitida a intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros que, regularmente citada, veio deduzir contestação, arguindo exceção perentória de exclusão da apólice, e defendendo-se, no mais, por impugnação.

  3. Tendo sido admitida a resposta da Autora às exceções deduzidas, foram as partes notificadas do entendimento do tribunal de que os autos continham já todos os elementos de facto para a decisão, podendo alegar por escrito, o que fizeram.

  4. Em 9 de fevereiro de 2022 foi proferida sentença que julgou a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu o Réu e a Interveniente do pedido.

  5. Inconformada, a Autora apelou, terminando a respetiva minuta com as seguintes conclusões (transcrição): «44.º Com a motivação anteriormente desenvolvida, pretende a ora Recorrente demonstrar que quer por questões legais, quer por questões de ordem factual, não foi a apreciação da factualidade demonstrada nem a sua subsunção à legislação e regulamentação vigente da forma mais assertiva pelo Tribunal "a quo", o que resultou na absolvição do Réu aqui recorrido de forma que não será de admitir, impondo-se a necessidade de alteração da Sentença proferida de forma a condenar o Réu pelos factos que lhe foram imputados, Isto porque, - 0 Réu exerceu as funções de contabilista certificado em nome e representação da "F..., S.A.", e não da massa insolvente, uma vez que atá à data o administrador de insolvência não tinha tomado as devidas providências necessárias relativamente aos elementos contabilísticos; - cfr. Alínea a) do n.° 2 artigo 110.° do C.I.R.E., - Pelo que, por todos esses argumentos, ao que acresce o facto de, considerando a Autora ora Recorrente que, relativamente aos contratos de mandato celebrados com a F... S.A., e no caso do contrato celebrado com o Réu ora recorrido e ainda que após a renúncia anterior da Autora, o mesmo foi validamente celebrado com o Sr. V...; - Acontece porém, que só na assembleia de credores de apreciação do relatório se deliberará sobre o encerramento ou manutenção da atividade do estabelecimento, a qual só se realizou em 12.02.2020, vindo o Réu a exercer as sua funções desde 17.01.2020; - O que resulta desprovido de qualquer dúvida, pois é ostensivo, é que o Réu praticou atos da sua profissão, ao abrigo do contrato celebrado com o Gerente V..., em representação, benefício e no exercício da sua atividade para a Sociedade F..., S.A.": - Não sendo admissível que o Tribunal "a quo", com base na questão da declaração de Insolvência em 16.12.2019, venha desresponsabilizar o Réu e desvincular o exercício das suas funções de um colega, vinculado às mesmas regras deontológicas e prestando ambos os seus serviços para a mesma entidade, até porque o Contabilista que venha a assumir as funções, estará vinculado a esses deveres perante o Colega anteriormente em exercício das mesmas, tudo conforme disposto na alínea a) e b) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 110.° do CIRE; - Sem conceder que, face ao silêncio da Administradora de Insolvência e por se tratar de situação em que existia verdadeira necessidade da prática de atos pelo mandatário, neste caso, pelo contabilista certificado, era urgente cumprir obrigações fiscais com vista a evitar prejuízos previsíveis para a Massa insolvente.

    Nestes termos, - Deverá ser concedido provimento ao presente Recuso de Apelação; - Deverá ser revogada totalmente a sentença recorrida e consequentemente; - Deverá ser considerada a prática dos serviços realizados pelo Réu ora Recorrido realizados em absoluta violação, culposa, das regras que regem o exercício da atividade dos Contabilistas Certificados, designadamente as fixadas no artigo 74.º do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados; - Deverá ser revogada a absolvição do Réu ora recorrente na obrigação de efetuar a Autora ora recorrente o pagamento do valor peticionado de € 7.265,60 (sete mil, duzentos e sessenta e cinco euros e sessenta cêntimos, sendo a referida decisão substituída numa que condene o Réu no pagamento daquela quantia, acrescida de juros à taxa legal em vigor até efetivo e integral pagamento».

  6. O Réu respondeu, pugnando pela improcedência da apelação, e juntando com as contra-alegações o acórdão n.º …, proferido pelo Conselho Disciplinar da Ordem dos Contabilistas Certificados em …, documento cuja junção aos autos foi admitida pela relatora, nos termos conjugados dos artigos 651.º e 425.º do Código de Processo Civil[3].

  7. Observados os vistos, cumpre decidir.

    *****II. O objeto do recurso.

    Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objeto do recurso se delimita pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

    Assim, no recurso em apreço, importa decidir se o facto de o Réu, contabilista certificado, ter praticado atos da sua profissão em representação de sociedade comercial, sem ter dado cumprimento à obrigação que sobre si impendia nos termos do artigo 74.º, n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, de previamente se certificar que esta empresa não era devedora daquela que antes lhe assegurava tais serviços de contabilidade, o faz ou não incorrer em responsabilidade pelo pagamento ao antecedente contabilista dos valores em dívida, sendo irrelevante que a essa data a empresa devedora já tivesse sido declarada insolvente.

    *****III – Fundamentos III.1. – De facto Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: «1. No âmbito da sua atividade profissional, a Autora prestou diversos serviços de contabilidade à sociedade F... S.A., os quais foram faturados por aquela a esta através das seguintes faturas: (i) Factura FA 2018/2324, emitida em 24.09.2018, com vencimento em 24.09.2018, no valor de € 590,40.

    (ii) Factura FA 2018/23445, emitida em 29.10.2018, com vencimento em 29.10.2018, no valor de € 897,90.

    (iii) Factura FA 2018/23608, emitida em 28.11.2018, com vencimento em 28.11.2018, no valor de € 959,40.

    (iv) Factura FA 2018/23790, emitida em 19.12.2018, com vencimento em 19.12.2018, no valor de € 1.020,90.

    (v) Factura FA 2019/23940, emitida em 31.01.2019, com vencimento em 31.01.2019, no valor de € 897,90.

    (vi) Factura FA 2019/24091, emitida em 22.02.2019, com vencimento em 22.02.2019, no valor de € 836,40.

    (vii) Factura FA 2019/24261, emitida em 28.03.2019, com vencimento em 28.03.2019, no valor de € 836,40.

    (viii)Factura FA 2019/24456, emitida em 26.04.2019, com vencimento em 26.04.2019, no valor de € 774,90.

    (ix) Factura FA 2019/24615, emitida em 27.05.2019, com vencimento em 27.05.2019, no valor de € 774,90.

  8. Por sentença datada de 16.12.2019, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo especial de insolvência que correu termos sob o n.º ... no Juízo de Comércio de … – J…, foi declarada a insolvência da sociedade F... S.A., tendo sido nomeada para o exercício das funções de administrador de insolvência a Dra. H....

  9. No âmbito do processo de insolvência acima referido, a Autora apresentou requerimento de verificação ulterior de créditos, mediante o qual peticionou que lhe fossem reconhecidos créditos sobre a sociedade insolvente F... S.A. na quantia global de € 8.182,18, emergente da prestação de serviços de contabilidade.

  10. Em 29.10.2020, foi proferida sentença no âmbito dos autos incidentais de verificação ulterior de créditos que correram termos sob o n.º ...-D pela qual foram reconhecidos os créditos reclamados pela aqui Autora mencionados no ponto 3. sobre a insolvente sociedade F... S.A..

  11. Em 17.01.2020, o Réu J... iniciou a...

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