Acórdão nº 572/21.6GHSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução27 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Sumário n.º 572/21.6GHSTC da Comarca de Setúbal Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém - Juiz 2, submetido a julgamento, foi o arguido AA condenado pela prática em 5.12.2021, com dolo direto (artigo 14.º, n.º 1 do CP), como autor material (artigo 26.º, 1.ª parte do CP), na forma consumada, de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de um ano de prisão, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, 40.º, 71.º e 42.º do CP.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões do arguido Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1.ª – O arguido discorda da pena aplicada, por a mesma não ter sido suspensa na sua execução; 2.ª - a Pena de prisão aplicada não foi suspensa em virtude de existir erro de julgamento, E, 3.ª - existir Insuficiência da matéria de facto – artigo 410.º/2-a) CPP 4.ª - o erro de julgamento resulta da Passagem constante do registo áudio do dia 6/12/2021, Ficheiro 20211206144649_3677267_3995004.wma, das declarações do arguido; 5.ª - o facto dado como provado que “O arguido anda nas feiras, que é o seu ganha pão, deslocando-se de automóvel” deve ser dado como não provado e em consequência ser dado como provado: “as feiras são o ganha pão do arguido” “desloca-se para as feiras no carro conduzido pela irmã, o filho e netos desta, por outros familiares ou terceiros” 6.ª - igualmente existe insuficiência da matéria de facto dada como provada quanto à situação pessoal do arguido – art.º410.º/2-a) e art.º370.ºCPP 7.ª - na última condenação transitada em julgado em 25/10/2021 foi o arguido condenado em cumulo jurídico na pena única de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução, sujeito a tratamento de desintoxicação alcoólica; 8.ª - o tribunal não apurou se tal medida está a ser cumprida 9.ª - em caso de verificação da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, deve o processo ser reenviado para apuramento da concreta questão da pena aplicada, in casu, solicitando relatório social, para conhecimento das efectivas condições pessoais do arguido e em especial do cumprimento da sentença transitada em julgado em 25 de Outubro de 2021, com regime de prova e obrigação de tratamento de desintoxicação alcoólica – art.º 410.º/2-b), artº 426.º e 370.º do CPP Caso assim não se entenda, 10.ª - a pena de prisão aplicada deveria ser declarada suspensa na sua execução por igual período de tempo para que o arguido possa cumprir o plano de tratamento de desintoxicação alcoólica, determinada no processo n.º400/21.2GHSTC (facto XVI dado como provado na sentença recorrida), 11.ª - o arguido já cumpriu pena de prisão efectiva em estabelecimento prisional e, não foi isso que o motivou ou auxiliou na interiorização ou cumprimento das regras e motivação para alteração do seu percurso de vida; 12.ª - a finalidade maior das penas, poderá ser cumprida permitindo-se que o arguido prossiga o tratamento de desintoxicação alcoólica.

    13.ª - apenas o relatório social permitiria ao Juiz a quo, querendo, apurar se o arguido estava a cumprir a obrigação de tratamento e, em caso afirmativo a quantas consultas já havia comparecido e qual a motivação e aceitação do mesmo a tal desintoxicação; 14.ª - a maior batalha deste arguido foi com certeza aceitar que precisava de ajuda para se tratar. O sistema judiciário deu-lha, tardiamente, (após várias condenações pelo mesmo tipo de ilícito), e ele aceitou mas, é agora necessário dar tempo para que seja possível aferir se tal medida é eficaz; 15.ª - não aceitar que o consumo de álcool é uma doença é mascarar a realidade, social, humana. Ninguém nasce dependente. Torna-se.

    16.ª - a condenação em pena de prisão efectiva é uma “machadada” na possibilidade de reabilitação de um ser humano, a quem se deu a mão (com uma sentença com obrigação de tratamento alcoólico) e se retira, abruptamente, apenas um mês após o início do tratamento, com uma condenação em pena de prisão efectiva; 17.ª - o sistema pode, e deve fazer mais, no percurso de salvar uma vida. Só com tempo é possível aquilatar do sucesso ou insucesso do percurso terapêutico.

    Caso assim não se entenda 18.ª - a pena de prisão deveria ter sido substituída por trabalho a favor da comunidade, consentida pelo arguido.

    E caso assim não se entenda, como último reduto, 19.ª - sempre a pena deveria ser cumprida em regime de permanência na habitação, na morada indicada no TIR, conforme consentimento prestado pelo arguido e que agora se junta.

    Termos em que, (…) Deve o presente recurso ser apreciado, merecendo provimento nos termos requeridos em conclusões, (…)”.

    2.2. Das contra-alegações do Ministério Público Motivou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição): “1 - Limitando-se a recorrente a dizer que considera incorrectamente julgada a factualidade dada como provada, por discordar da versão acolhida pelo Tribunal, para tal transcrevendo parcialmente as declarações do arguido, apreciando-as na generalidade, mas sem indicar as concretas provas e as concretas passagens em que funda a oposição e que impõem decisão diversa da recorrida, não cumpre minimamente as exigências legais de impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.

    2 - Não sendo caso de convidar a recorrente a aperfeiçoar as conclusões formuladas – até por se estar perante deficiências substanciais da própria motivação – não tendo cumprido os requisitos do artigo 412.º, n.º 4 do C.P.P., deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto pretendida.

    3 - Ao invés do sustentado, o Tribunal não deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objecto do processo, tal como este está enformado pela acusação e pela defesa, nem menosprezou qualquer prova produzida em audiência; pelo que não se verifica o invocado vício da decisão por insuficiência da matéria de facto provada.

    4 - Na decisão recorrida, não tinha que ser indagado se o arguido estava a cumprir o tratamento ao alcoolismo; sendo certo que, e uma vez que o assunto é trazido aos autos pela defesa, sempre se diga que resulta, aliás, dos autos, manifestamente o inverso do sustentado – basta ler o que consta do Auto de Notícia: no dia 05/12/2021, pelas 12:30 horas, na Travessa ..., Bairro ..., em ..., o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-PG com uma TAS de, pelo menos, 1,17 g/l, correspondente à TAS 1,28 g/l registada, deduzido o valor de erro máximo admissível, o que constitui contra-ordenação muito grave p. e p. pelo artigo 81.º, n.º 1 do Código da Estrada.

    5 - Não se mostra verificado o pressuposto material de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, isto é, a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, em que o Tribunal conclua que, atenta a sua personalidade, as condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respectivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [cfr. artigo 50.º, n.º 1 do C.P.].

    6 - O arguido foi condenado, por decisão transitada em julgado menos de dois meses antes da data da prática dos factos, em pena de prisão suspensa na sua execução, o que não o inibiu de quase imediatamente voltar a delinquir – designadamente, praticando novamente o mesmo crime por que tinha sido condenado.

    7 - É que, da matéria dada como provada, resulta, no essencial, que, no seu processo de desenvolvimento, o arguido não adquiriu práticas educativas consistentes, em particular ao nível de normas socialmente aceites – o arguido não tem residência certa, uma vez que habitualmente pernoita no seu automóvel, e ao seu modo de vida (venda em feiras, usando o automóvel).

    8 - No que respeita à conduta anterior e posterior aos factos em causa, é de salientar, por particularmente relevante, o seu passado criminal, que se retira do ponto I – A- XVI dos factos provados e do respectivo Certificado do Registo Criminal.

    9 - De facto, o arguido possui já um extenso passado criminal, por um variado número de crimes cometidos entre 1990 e 2021, mais concretamente, foi condenado por 16 vezes (15 das condenações respeitantes à condução de veículo automóvel): 1 por crime de cheque sem provisão, 1 por crime de condução sem habilitação legal, 11 por crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, 2 por crimes de proibições e interdições e um crime de desobediência.

    10 - Ponderando os factos numa perspectiva global, revela o arguido ter uma personalidade distanciada das regras de sã convivência em sociedade e do dever-ser jurídico-penal.

    11 - O facto de já ter cumprido penas de prisão efectivas e suspensas na sua execução deixa claro que não se deixa intimidar com penas de substituição do tipo daquela que agora pretende novamente beneficiar, só podendo concluir-se no sentido de que resulta definitivamente gorado o juízo de prognose favorável necessário ao suporte da aplicação da pretendida pena de substituição.

    12 - Pelo que, decidindo como decidiu, o Tribunal subsumiu correctamente os factos ao direito e não violou qualquer preceito legal.”.

    2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de ser julgada a improcedência total do recurso interposto pelo arguido.

    2.4. Da tramitação subsequente Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.

    Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 1. Objeto do recurso De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95...

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