Acórdão nº 402/10.4GCBNV-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução11 de Abril de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos presentes autos de inquérito, após requerimento da arguida L..., Lda.

em que invocou várias nulidades, proferiu-se despacho, no Juízo de Instrução Criminal de Santarém do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, do seguinte teor: «- Incidente Processual – I. Relatório: Por requerimento de folhas 1076 a 1085, dirigido a este Juízo de Instrução Criminal, a sociedade-arguida L…, Lda. veio arguir:

  1. A nulidade da notificação da acusação pública deduzida contra a ora Requerente, em 19.01.2015, por ter dado a conhecer à arguida um ato declarado nulo, por acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido nestes autos; b) A nulidade decorrente da falta de acusação, por esta ser nula, de acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido nestes autos; c) A nulidade insanável decorrente da omissão de distribuição do processo no Tribunal de Instrução Criminal, assim que o inquérito foi encerrado; d) A nulidade insanável decorrente da violação do prazo máximo de inquérito previsto pelo art. 276.º, n.ºs 1 e 3, alínea a), do Código de Processo Penal.

    Pugna para que sejam declaradas as nulidades arguidas e, consequentemente, seja declarada a extinção do procedimento criminal, do direito à ação penal e da perda de legitimidade do Ministério Público para o seu exercício, depois do dia 30.09.2013, ou do dia 02.09.2014; declarada a invalidade de todos os atos que foram praticados, nos autos, pelo Ministério Público, depois do dia 30.09.2013, ou do dia 02.09.2014; declarada a invalidade de todos os atos que foram praticados nos autos, pelo Ministério Público, a partir do momento em que entendeu encerrar o inquérito; e que seja determinada a devolução dos autos ao Ministério Público para prolação de acusação; ordenando-se a imediata distribuição do processo no Tribunal de Instrução Criminal, assim que seja proferida acusação nos autos e que seja notificada a acusação por esse Tribunal.

    * Cumpre apreciar e decidir.

    * II. Fundamentação: A arguida L…, Lda. não veio, até ao momento, requerer a abertura de instrução.

    Apresenta o requerimento sob análise, dirigido ao juiz de instrução criminal.

    É nessa sequência que os autos me são apresentados, configurando um verdadeiro incidente processual contraditório, relativamente ao qual o Ministério Público já se pronunciou.

    A arguida começa por reagir à notificação da acusação pública, que lhe foi feita, nos termos em que foi determinada pelo Ministério Público.

    Analisados os autos, verifica-se que, após ter sido proferido, num primeiro momento, despacho final de inquérito, o Tribunal da Relação de Évora decidiu: - Anular o despacho de acusação e todos os trâmites processuais que se lhe seguiram; - Anular as notificações do despacho de arquivamento feitas à L...,, Lda. numa morada que não é a sua sede, bem como todas as notificações efetuadas à defensora oficiosa que lhe foi nomeada; e - Ordenar a devolução do inquérito ao Ministério Público para que possa suprir as apontadas nulidades de omissão de constituição da L…, Lda. como arguida, de omissão do seu interrogatório nessa qualidade e de omissão de notificação à L, Lda. e ao seu advogado do despacho de arquivamento, seguindo-se os demais termos que de tais suprimentos possam advir.

    Verifica-se que o Ministério Público diligenciou, então, no sentido de cumprir o ordenado pelo Tribunal da Relação de Évora e, após isso, determinou a notificação do despacho final de inquérito que já havia sido anteriormente proferido.

    Trata-se, de facto, do mesmo despacho que havia sido anteriormente proferido.

    Entende-se que, desse modo, o Ministério Público optou por dar por integralmente reproduzido aquele despacho, renovando-o/repristinando-o, não obstante esse despacho ter sido anulado por efeito das apontadas nulidades de omissão de constituição da L…, Lda. como arguida, de omissão do seu interrogatório nessa qualidade e de omissão de notificação à L…, Lda. e ao seu advogado do despacho de arquivamento.

    Com efeito, o Tribunal da Relação de Évora anulou o despacho de acusação como consequência da declaração daquelas nulidades, ou seja, por efeito de arrastamento; não sendo, a acusação pública (v.g. a sua estrutura, o seu conteúdo), de acordo com aquele acórdão, a causa dessa nulidade.

    O Ministério Público - como se vê, não pretendendo alterar uma vírgula à posição que já havia sufragado - poderia ter copiado e colado o conteúdo do mesmo despacho no momento em que novamente teve que proferir despacho final de inquérito; mas, optou por remeter para aquele e determinar a sua notificação aos sujeitos processuais.

    Entendo que, entre uma e outra situação, não existe qualquer diferença processualmente relevante. Ambas as situações são legalmente admissíveis e significam exatamente o mesmo.

    Note-se, a este propósito, que “o processo não é constituído por peças estanques ou blindadas, designadamente quando se aprecia a aplicação de uma medida de coação. Nada obsta, pois, à fundamentação dos atos decisórios por remissão” (cfr., neste sentido, o ac. do TRC de 27.10.2010, proc. n.º 2654/08.8PBAVR.C1, disponível em www.dgsi.pt).

    A acusação pública existe, porquanto foi incorporada no despacho através do qual se faz remissão, pelo Ministério Público.

    Por conseguinte, não assiste razão à arguida.

    * A arguida L...,, Lda. afirma que “o Ministério Público continua a despachar no processo como se continuasse a ser titular do inquérito” (ponto 19.º do requerimento sob análise).

    A este propósito, importa sublinhar que o Ministério Público é o titular do inquérito, como decorre inequivocamente do disposto nos arts. 53.º, n.º2, alínea b), 263.º, n.º1, e 267.º, todos do Código de Processo Penal.

    Ao Juiz de instrução criminal compete a prática dos atos jurisdicionais previstos pelos arts. 268.º e 269.º do Código de Processo Penal.

    De facto, entendo que compete ao Ministério Público a decisão acerca da inexistência, nulidade ou irregularidade de atos respeitantes ao Inquérito (neste sentido, cfr. ac. do TRP de 26.02.2014, proc. n.º9585/11.5TDPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt, com cuja fundamentação se concorda: “Tem sido controvertida a questão de saber se, na fase do inquérito, a competência para declarar a nulidade dos atos inválidos é exclusiva do juiz de instrução criminal ou se também o Ministério Público pode efetuar tal declaração com os consequentes efeitos. O Cons. Maia Gonçalves entende que a declaração de nulidade que afete ato processual durante o inquérito deve ser feita pelo Ministério Público, salvo se o ato afetado for da competência do juiz de instrução, devendo em consequência, o nº 3 do art. 122º, do C. Processo Penal ser interpretado extensivamente. Para o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, na fase do inquérito, o Ministério Público e o juiz de instrução criminal têm ambos competência para declarar a nulidade ou irregularidade de um ato processual, competência que é restrita à ilegalidade dos atos da respetiva competência. Já o Prof. Germano Marques da Silva, distinguindo entre declaração de invalidade e repetição ou reparação do ato inválido, entende que aquela declaração e a fixação dos seus efeitos apenas pode ser declarada pelo juiz, enquanto a repetição ou reparação do ato inválido pode ser efetuada, oficiosamente ou a requerimento, pela autoridade judiciária competente para a direção da fase em que a invalidade ocorreu. No mesmo sentido se pronuncia João Conde Correia, para quem a declaração de nulidade tem carácter materialmente judicial, e porque na fase do inquérito compete ao juiz de instrução criminal praticar ou sindicar todos os atos que contendem com direitos, liberdades e garantias individuais, onde se inclui o conhecimento das nulidades. Também os Acs. da R. de Coimbra de 07.02.1996, CJ, XXI, I, 51, da R. do Porto de 30.05.2001, CJ, XXVI, III, 241, e de Évora de 02.07.1996, CJ, XXI, IV, 296, seguiram este entendimento. Inclinamo-nos para a posição defendida por Paulo Pinto de Albuquerque e que já deixámos expressa no Ac. desta Relação do Porto de 15.02.2012, proferido no Proc. nº 36/09.6TAVNH.P1 e disponível em www.dgsi.pt. Com efeito, tratando-se de ato respeitante ao inquérito, cuja direção cabe exclusivamente ao Mº Público (artº 219º da CRP), terá de ser este magistrado que decide se, nesta fase, um ato processual é ou não é inexistente, nulo ou irregular, e desse despacho caberá então reclamação para o respetivo superior hierárquico. A competência concorrente do Ministério Público e do juiz de instrução na fase de inquérito tem limites e eles resultam da estrutura acusatória do processo penal. “Esta estrutura implica uma separação orgânica e funcional entre as duas magistraturas que se verifica mesmo na fase de inquérito. Assim, durante o inquérito, o juiz de instrução só pode conhecer da ilegalidade de atos da sua competência (…). A competência do juiz de instrução não deve constituir oportunidade para ele se alçar em senhor do inquérito, o que aconteceria se o juiz se colocasse numa posição de sindicante permanente da atividade do Ministério Público (…). Portanto, o juiz de instrução não pode declarar, durante o inquérito a invalidade de atos processuais presididos pelo Ministério Público.

    ” Concedemos, porém, que tratando-se de nulidade sanável suscetível de afetar direitos, liberdades ou garantias de algum sujeito processual e de se integrar na previsão da al. d) do nº 2 do artº 120º do C.P.P., possa ser suscitada no prazo perentório previsto no nº 3 al. c) do mesmo preceito, sob pena de se considerar sanada.

    Ora, como resulta dos autos, o recorrente foi notificado pessoalmente da acusação em 06.07.2012, não tendo requerido a instrução quando o podia fazer, arguindo simultaneamente as invocadas nulidades. Não havendo lugar a instrução, como não houve, a nulidade invocada, porque de nulidade sanável se trata, deveria ter sido arguida, até cinco dias após o encerramento do inquérito (art. 120º, nº 3, c), do C. Processo...

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