Acórdão nº 1074/17.0T9LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução11 de Abril de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de instrução nº 1074/17.0T9LLE, que correm termos no Juízo de Instrução Criminal de Faro (Juiz 2), o Exmº Juiz de Instrução rejeitou o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente CC, com fundamento na sua inadmissibilidade legal.

Inconformado com essa decisão, recorreu o assistente, terminando a motivação do recurso com as seguintes (transcritas) conclusões: “I. O assistente apresentou o RAI em tudo idêntico a uma acusação formal, conforme demostrou e se tem por assente em 2 das alegações supra.

  1. O assistente teceu os comentários devidos de discordância com o Despacho de arquivamento, da interpretação dos factos e da subsunção desses ao direito, demonstrado 3 das alegações supra.

  2. O ofendido imputa ao arguido a prática dos crimes do despacho de arquivamento, conforme se lê supra em 2 e 3 das alegações supra.

  3. Ora, o artigo 287º, nº 3, do C. P. Penal, refere: “(…) o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, incompetência do juiz ou inadmissibilidade legal de instrução (…)”.

  4. Não se verificando nenhuma dessas exceções de admissão do RAI no caso dos autos, o RAI não podia ter sido rejeitado, como foi.

  5. O despacho de rejeição do RAI não se encontra sequer fundamentado.

  6. Cujos fundamentos de rejeição do RAI teriam que ter suporte na lei.

  7. A rejeição teria que se basear no conceito de inadmissibilidade legal.

  8. Ou seja, a rejeição do RAI só pode ter-se com base numa ilegalidade insanável que obste à persecução da instrução, e fundamentada.

  9. Nunca seria de rejeitar o RAI de forma genérica e sem fundamento.

    XI.O Despacho está, pois, viciado, por violação de lei.

  10. A haver alguma “falha” na acusação, ou acusar-se por crime diverso do Despacho do MP, tal não integra o conceito de inadmissibilidade legal de instrução; sempre haveria lugar à instrução pelos restantes crimes.

  11. Se o assistente não indicasse as disposições legais violadas poderia integrar o conceito de “inadmissibilidade legal de instrução”.

  12. Como vimos, não é o caso dos autos, a acusação tem as normas violadas.

  13. Tendo o assistente cumprido todos os requisitos legais próprios de uma acusação, não está na esfera do Juiz rejeitar o RAI, devendo admiti-lo.

  14. A lei não comina de rejeição do RAI por o assistente não referir todas as razões de discordância relativamente ao despacho de arquivamento.

  15. O juiz deve convidar o assistente a aperfeiçoar o RAI sempre que entenda existir “falta essencial a perseguir com a instrução”, referindo qual.

  16. A não concessão de prazo para completar o RAI, ou esclarecer dúvidas ao Juiz, constitui uma irregularidade que expressamente se suscita.

  17. E, se no RAI se qualificasse juridicamente factos como constituindo um crime diverso do apurado pelo MP, o debate instrutório serve para esclarecer as questões de pronunciar ou não, e porquê, dentro da lei.

  18. Pois no debate instrutório pode verifica-se alteração não substancial, não é por isso que se deixará de pronunciar o arguido ou arguidos.

  19. E se o juiz de julgamento pode modificar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, não se vislumbra por que razão o juiz de instrução não poderá, se for o caso, dispor desse poder, que é também seu dever.

  20. A jurisprudência e a doutrina não defendem a ideia que qualquer falha no RAI deve cominar rejeitá-lo, sendo possível sanar a questão.

  21. Não há omissão da “narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido” a que alude a lei artigo 287º do CP.

  22. Nada impõe ao assistente fazer previsões sobre “a probabilidade ou não de vir a ser condenado o arguido em julgamento”; ao assiste compete reclamar o seu direito, também processual, do que julga merecer tutela.

  23. O Douto Juiz de Instrução, ao rejeitar o RAI, faz uma interpretação errada da lei aplicável, ao interpretar o artigo 287º, nºs 2 e 3, do C. P. Penal, no sentido de que constitui inadmissibilidade legal da instrução qualquer falha no RAI sem convidar ao seu aperfeiçoamento e sem fundamentação; é inconstitucional por violação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva”.

    * O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância respondeu ao recurso, defendendo a improcedência total do mesmo.

    Também o arguido PM respondeu ao recurso, entendendo que deve ser negado provimento ao mesmo.

    Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, entendendo também que o recurso não merece provimento.

    Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

    Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

    II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso.

    No caso destes autos, e vistas as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, as questões a apreciar, e em muito breve resumo, são as seguintes: 1ª - Aferir da existência de motivo legal de rejeição da instrução, face ao requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente.

    1. - Saber se, perante o requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente, o Exmº Juiz de Instrução devia, ou não, convidar o assistente a “aperfeiçoar” tal requerimento, bem como saber se tal Juiz podia, ou não, rejeitar o referido requerimento por “inadmissibilidade legal”.

    2. - Determinar se a ausência do referido convite ao “aperfeiçoamento” configura, ou não, inconstitucionalidade (por violação do disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva).

    2 - A decisão recorrida.

    O despacho revidendo é do seguinte teor (na parte aqui relevante): “Veio o Assistente requerer a abertura de instrução, pugnando a pronúncia de PM pela verificação dos crimes previstos e punidos pelo art.º 180.º e 181.º, ambos agravados pelo art.º 184.º, bem como 365.º, n.ºs 1 e 2, todos do Cód. Penal.

    Cumpre apreciar.

    Prevê o art.º 287.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal: “O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas”.

    Por seu turno, o art.º 286.º, n.º 3, alíneas b) e c), do Cód. Proc. Penal, estabelece o seguinte: “A acusação contém, sob pena de nulidade: (…) b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; c) A indicação das disposições legais aplicáveis”.

    Vejamos.

    Dispõe o art.º 180, sob a epígrafe “difamação” do Cód. Penal: “1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

    2 - A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira.

    3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.

    4 - A boa-fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação”.

    O art.º 181.º, sob a epígrafe “injúria”, por sua vez, estabelece o seguinte: “1 - Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.

    2 - Tratando-se da imputação de factos, é correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo anterior”.

    O art.º 184.º, por sua vez, estabelece uma agravação das penas dos crimes de injúria e difamação, “se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade”.

    Por último, o art.º 365.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Penal, determina que: “1 - Quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

    2 - Se a conduta consistir na falsa imputação de contraordenação ou falta disciplinar, o agente é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.

    Pese embora o Assistente impute ao arguido a prática de crimes concretos, os factos constantes do requerimento em análise não são suficientes para concluir pela prática de qualquer crime.

    Vejamos.

    A respeito da factualidade objetiva em causa, apenas são elaboradas considerações descontextualizadas e acompanhadas de juízos conclusivos, por parte do...

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