Acórdão nº 868/11.5TABJA.E3 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução11 de Abril de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora
  1. No processo nº 868/11.5TABJA, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja (Ourique), foi proferida sentença a condenar o arguido AS como autor de um crime de difamação dos artigos 180.º, 182.º e 183.º do Código Penal e artigos 30.º e 31.º da Lei de Imprensa, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante global de 1.300,00€ (mil e trezentos euros).

    Foi ainda julgado o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e condenados os demandados AA e CM – SGPS, S.A., a pagar, solidariamente, ao demandante a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros), absolvendo-os do demais peticionado.

    Esta sentença foi proferida na sequência de anterior acórdão desta Relação, em que, conhecendo de anterior recurso interposto pelos (mesmos) ora recorrentes, se decidiu julgar improcedente o recurso (em matéria de facto e em matéria de direito) na parte relativa à matéria crime, confirmando-se a sentença nessa parte, e julgar procedentes os recursos dos demandados civis, anulando-se a sentença apenas na parte relativa ao pedido cível.

    Ordenou-se então que a (primeira) sentença fosse substituída por outra que suprisse a nulidade decorrente da falta de fundamentação (da matéria de facto referente à decisão cível) detectada, retirando-se todas as legais consequências (e sempre restritas à matéria cível).

    Novamente inconformados com o decidido, recorreram o arguido e a demandada cível, concluindo da forma seguinte: No recurso da sentença (consigna-se que se procedeu aqui apenas à transcrição das conclusões respeitantes ao recurso na parte cognoscível, desconsiderando-se as conclusões referentes a matéria crime já conhecida no recurso anterior e, como tal, transitada em julgado): “1. Em cumprimento com o ordenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi designado dia para a realização do julgamento para o dia 25 de junho de 2018 que, por impossibilidade da comparência do Arguido, foi dado sem efeito a data designada, tendo sido designado o dia 12 de julho de 2018.

  2. Acontece que, na audiência de 12 de julho de 2018, não compareceu o Assistente, nem o seu mandatário, nem tão pouco, este último, justificou a sua falta, pelo que, opera uma verdadeira desistência da acusação, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art. 330.º do CPP.

  3. O que significa que não tem o Ministério Público legitimidade para prosseguir, pois a existência de acusação particular constitui um pressuposto processual que condiciona a legitimidade do Ministério Público para também nessa parte acusar, permitindo assim a extinção do procedimento criminal.

  4. Deste modo, considerando a natureza particular do crime de difamação, a não oposição, por parte do Arguido, à desistência da acusação e as disposições conjugadas dos artigos 116.º n.º 2 ex vi art. 117.º, 180.º n.º 1, 183.º n.º 2 e 188.º do CP e 330.º n.º 2 2.ª parte do CPP, deverá considerar-se válida a desistência da acusação, e consequentemente declarar extinto o procedimento criminal.

  5. Devendo o procedimento criminal ser declarado extinto, e sendo certo que o pedido cível deduzido contra os Demandados tinha como fundamento, em obediência ao disposto no art. 71.º do CPP, a prática de um crime (no caso em apreço, o crime de difamação), é inequívoco que se verifica uma impossibilidade superveniente da lide, nos termos da al. e) do art. 277.º do CPC. (…) 29. Em relação ao ponto 42 da matéria considerada “provada” entende o Recorrente que o Tribunal a quo partiu da premissa errada ao considerar que a CM, S.A se encontra numa relação de grupo com a CM, SGPS, S.A. e que esta, por sua vez, detém o domínio total daquela.

  6. O pedido de indemnização cível foi deduzido contra o Arguido e Demandado CM, SGPS, como esta sendo, à data dos factos, a proprietária do Jornal “CM”.

  7. Todavia, à data dos factos, a CM, SGPS, S.A. tinha como objeto social “Gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas”, cfr. resulta da certidão permanente e AP.26/20060913 e, nesse sentido, enquanto sociedade gestora de participações sociais encontrava-se impedida de exercer diretamente uma atividade económica e, nesse sentido, não era, nem nunca foi, proprietária do Jornal “CM” nem de qualquer outra publicação.

  8. Na verdade, a 12.06.2013 – data em que foi deduzida a acusação particular – a sociedade proprietária do Jornal “CM” era a Presselivre – Imprensa Livre, S.A., conforme se pode atestar pela certidão permanente junta aos juntos, mais precisamente, a AP74/20141230.

  9. Mas mais, conforme se pode atestar pela certidão permanente junta aos presentes autos, a 13.09.2006, a sociedade IM – SGPS, S.A., sociedade anónima com o NIPC ----, alterou a sua firma para CM, SGPS, S.A, conforme a AP. 26/20060913. Posteriormente, em 05.11.2014, a CM, SGPS, S.A, deixou de ser uma sociedade gestora de participações sociais, alterando a sua denominação social e objeto social, passando a CM, S.A., conforme demonstra a respetiva AP. 72/20141105.

  10. Pelo que, a CM, SGPS, S.A. (conforme é referido pelo Tribunal a quo e conforme é dado como provado o facto 42 da sentença recorrida) já não existe, tendo alterado a sua denominação para CM, S.A.

  11. E nesse sentido, nunca se poderá concluir que a CM, SGPS, S.A detém a CM, S.A. e que estas têm uma relação de grupo, pois tal facto não corresponde à verdade.

  12. Face ao que foi exposto, é evidente que a referida Demandada não tem legitimidade para ser demandada por prejuízos alegadamente sofridos pelo Assistente, por: i) não ser a proprietária do Jornal “CM”; e ii) e por à data dos factos ser uma mera sociedade gestora de participações sociais.

  13. Sendo de concluir que o caso vertente configura uma das situações de ilegitimidade substantiva, que desde já se invoca para os devidos efeitos legais, verificando-se a ilegitimidade substantiva da Demandada CM, SGPS, S.A devia a mesma ter sido absolvida do pedido de indemnização cível e ter sido dado como não provado o facto provado 42. (…) 54. Mesmo que se considerasse que nos presentes autos o que se pretendia era intentar a ação contra a C SGPS, S.A (o que não se concede), enquanto sociedade gestora de participações sociais, e enquanto detentora da CM, S.A, sempre se diga que aquela, enquanto sociedade-mãe, não pode responder automaticamente relativamente às obrigações da sociedade-filha (CM, S.A.).

  14. A C. SGPS S.A é uma sociedade gestora de participações sociais que detém 100% a CM, S.A., sendo esta proprietária do Jornal “CM”.

  15. A relação entre sociedade-mãe e sociedade-filha é marcada pelo poder de direção da sociedade-mãe que encontra na sociedade-filha o correspetivo dever de obediência. Na verdade, segundo o entendimento de Manuel Januário da Costa Gomes, a responsabilidade da sociedade-mãe será acessória e subsidiária.

  16. Em bom rigor é o que dispõe o número 2 do art. 501.º do CSC que subordina a atuação da responsabilidade da sociedade diretora pelas dívidas da sociedade subordinada ao prévio decurso de trinta dias sobre a constituição em mora da sociedade subordinada.

  17. Por um lado, é de referir que o poder de direção da sociedade-mãe é referente à gestão e representação da sociedade-filha31 e não se deve confundir com o exercício de funções de administração, e, por outro, a responsabilidade da sociedade-mãe existe na medida da responsabilidade da sociedade-filha, ou seja, através do funcionamento do art. 501.º do CSC, nunca a sociedade-mãe será responsabilizada por mais do que a medida das obrigações da sociedade-filha.

  18. Neste sentido, só podemos concluir que nunca se pode responsabilizar automaticamente a sociedade-mãe sem responsabilizar, em primeiro lugar, a sociedade-filha.

  19. Mas mais. Nos termos do número 2, do artigo 29º da Lei da Imprensa, “no caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do diretor ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado.” 61. Nos termos da lei, a sociedade detentora do Jornal “CM”, só responde civilmente se a publicação da notícia seja feita com o conhecimento e sem oposição do diretor. Assim sendo, nos casos em que não tenha havido conhecimento ou possibilidade de oposição do diretor ou substituto legal, deixa de existir qualquer responsabilidade.

  20. Na verdade, não cabe à empresa proprietária da publicação, orientar, superintender nem determinar o conteúdo da revista ou a atuação dos seus jornalistas.

  21. Ora, como se disse, no caso concreto foi condenada uma entidade que, não é uma “empresa jornalística” nem é a proprietária do jornal “CM”.

  22. Trata-se de um facto público e notório que, uma sociedade gestora de participações sociais, não pode ter no seu objeto a edição e distribuição de jornais.

  23. Para além disso, a verdade é que, nos termos do artigo 483º do Código Civil, só responde civilmente “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.” 66. A condenação da C. S.G.P.S ao pagamento solidário da indemnização por um artigo publicado no jornal “CM” constitui uma violação do disposto nos artigos 29º da Lei da Imprensa, bem como dos artigos 483º, 487º e 496º todos do Código Civil e o artigo 501.º n.º 2 CSC.

  24. Tendo em conta o artigo 10º da CEDH a condenação do Recorrente no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €5.000,00, e pelo crime de difamação, corresponde a uma interferência na liberdade de expressão que: (i) Não era “necessária”, pois não estava em causa uma “necessidade social premente”; (ii) Não foi "proporcional ao objetivo legítimo prosseguido"; e (iii) Nem da Decisão objeto do recurso, resultam justificações "relevantes e suficiente" para a limitação aplicada.

  25. Na verdade, não estando em causa uma “ofensa gratuita” nem a revelação de circunstâncias falsas ou desprovidas de sustento factual, entende o Recorrente que a limitação...

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