Acórdão nº 1302/16.0T8SLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Abril de 2019
Magistrado Responsável | ALBERTINA PEDROSO |
Data da Resolução | 11 de Abril de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Processo n.º 1302/16.0T8SLV.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I – RELATÓRIO 1.
BB propôs a presente acção declarativa, com processo comum, contra Massa Insolvente da Sociedade “CC, Construção Civil, Lda., pedindo que se constitua sobre o prédio desta, identificado em 5.º da petição inicial, a favor do prédio da Autora identificado em 1.º, uma servidão para passagem a pé e de veículos motorizados, com o comprimento aproximado de 500 metros e a largura de três metros e se fixe indemnização à Ré correspondente ao prejuízo sofrido, pela constituição da servidão.
Em fundamento da sua pretensão invocou, em síntese, que ambas as partes são donas de prédios rústicos, sendo que o prédio da Ré confronta a poente com caminho público e o prédio da Autora confronta a poente com o prédio da Ré massa insolvente, não tendo qualquer acesso ou comunicação directa com a via pública, encontrando-se totalmente encravado, apenas conseguindo a autora aceder ao seu prédio desde a via pública atravessando o prédio da Ré, razão pela qual pede a constituição a favor do seu prédio da referida servidão de passagem a pé e de carro.
Mais alegou que o acesso desde a via pública ao seu prédio através da passagem pelo prédio da Ré é o que se mostra menos inconveniente e oneroso, bem como o mais oportuno em comparação com os prédios rústicos vizinhos, tendo em conta a distância entre o caminho público existente que confronta a poente com o prédio da Ré e o prédio da Autora.
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Regularmente citada, a Ré não contestou, tendo sido proferido despacho a declarar confessados os factos articulados pela Autora.
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A acção foi registada no sistema em 12.07.2016.
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Por apenso aos presentes autos correu termos incidente de habilitação de adquirente, findo o qual se declararam habilitados DD e marido EE, no lugar de Massa Insolvente – CC – Construção Civil, Lda, para prosseguirem nessa qualidade os posteriores termos da acção, mostrando-se registada a seu favor a aquisição do prédio rústico em 26.08.2016.
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Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.
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Inconformada, a A. apelou, finalizando as respectivas alegações, com as seguintes conclusões: «1- O R. não contestou a ação, pelo que deveria ter-se obedecido ao art.º 567.º, n.º 1 do Cód. de Proc. Civil, e dever-se-ia ter considerados confessados os factos articulados pela A.
2- Não se verificou nenhuma das exceções previstas no disposto no artigo 568.º do Cód. de Proc. Civil.
3- O tribunal considerou que o prédio da A. não possui qualquer comunicação direta com a via pública.
4- Os documentos que a A. juntou aos autos permitem concluir que a servidão peticionada é a que causa menor prejuízo.
5- Os artigos 13.º, 20.º, 22.º e 24.º da P.I. referem expressamente que o prédio da A. está completamente encravado e que o caminho menos oneroso será ou seria através do terreno da R.
6- A A. referiu no seu articulado que a passagem pelo terreno da R. era a menos onerosa dentre todas as opções.
7- A A. cumpriu todos os requisitos exigidos para a constituição de uma servidão de passagem.
8- Não tem razão o tribunal quando refere que não foi alegada factualidade donde se possa retirar que o prédio dos ora R.R. é aquele que sofre o menor prejuízo.
9- A A. referiu a extensão que a passagem teria, e juntou todos os documentos necessários que suportam tal conclusão.
10- O tribunal decidiu de forma contraditória, reproduzindo toda a factualidade carreada para os autos pela A. percebendo-se exatamente o contexto da situação, e 11-baseando-se nessas mesmas palavras conclui que a A. não alegou quaisquer factos concretos donde se pudesse extrair essa conclusão! 12- Palavras encadeadas em frases “como é o troço mais curto”, “mais cómodo”, causador de menores prejuízos para a constituição de passagem a pé e de carro é através do Prédio da R., constituem factualidade bastante para que o homem da diligência mediana conclua o que se quer fazer entender.
13- São expressões percetíveis e perfeitamente concretizadas, suportadas, aliás, por documentação.
14- A posição tomada pelo tribunal é de um rigor manifestamente exagerado, confuso e contraditório.
15- E afeta de uma forma incompreensível a aplicação da justiça material ao caso concreto.
16- O aludido caminho, agora pedido pela A. sempre existiu.
17- É pela referida passagem que o A. e os seus familiares e antes deles, os seus antecessores, passam a pé ou com veículos, motorizados e não motorizados até ao terreno ou fazendo o caminho inverso, até à via pública.
18- Sempre passaram pessoas, animais, veículos motorizados e não motorizados, há mais de 25 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de que tal caminho constitui uma servidão de passagem a favor do prédio do A.
19- Pelo que adquiriu a servidão ora em apreço por USUCAPIÃO 20- Prescrição aquisitiva que o A. expressamente invoca.
21- O conteúdo da servidão de passagem é o mero direito de passar pelo prédio onerado, continuando a propriedade a pertencer a este.
22- O proprietário do prédio dominante não goza de direito de propriedade sobre o local por onde está implantada a servidão; só pode dele retirar as utilidades correspondentes à passagem e não pode dispor desse terreno com exclusividade, de acordo com a definição de servidão prevista no art.º 1544.º do Cód. Civil.
23- Constituída uma servidão de passagem sobre um prédio (serviente), o seu proprietário continua a exercer sobre ele o direito de propriedade, embora limitado apenas pela utilidade que o proprietário do prédio dominante pode usufruir sobre, que, neste caso, é a passagem.
24- A passagem do A. pelo seu (do serviente) prédio na zona em que a servidão está implantada não prejudica nem impede as utilidades que o titular do prédio dominante pode tirar, ou seja, o direito de passar.
25- A doutrina e a Jurisprudência são unânimes, há longos anos, no seu entendimento quanto ao conteúdo do direito a servidão de passagem e quanto à impossibilidade legal de o titular do prédio dominante impedir, por seu lado, o exercício do direito de propriedade do titular do prédio serviente sobre o seu próprio prédio.
26- Veja-se a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-06-1998 in CJ/STJ, 1998, 2.º - 134, que no seu sumário refere o seguinte: I- Sendo titulares do direito de servidão de passagem os donos do prédio dominante podem passar através do prédio serviente, mas o caminho por onde passam pertence ao dono deste último prédio.
II- A existência de um portão [ou uma vedação] no início de um caminho de servidão não confere qualquer direito ao dono do prédio dominante, para o efeito de exigir que se mantenha fechado, abrindo-o apenas para dar passagem.
27- O art.º 1287.º do Cód. Civil faculta ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação, relativamente ao direito de constituir uma servidão de passagem sobre prédios determinados.
28- O art.º 1550.º, n.º 1 do Cód. Civil faculta aos proprietários dos prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, a possibilidade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos.
29- E, seguindo o mesmo código, o art.º 1553.º refere que a passagem deve ser concedida através do prédio ou prédios que sofram menor prejuízo, e pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados o que, no caso é o prédio do R.
30- A douta sentença violou, por má interpretação, o disposto nos artigos 566.º, 567.º n.º 1. e 568.º do Cód. do Proc. Civil, bem como o art.º 1553 .º; 1544.º; 1287.º; 1293.º; 1296.º; 1547.º; 1553.º; 1550.º; e 1565.º; todos do código civil, devendo ser Revogada».
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Os Réus habilitados contra-alegaram, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
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Observados os vistos, cumpre decidir.
*****II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, as questões colocadas pela Recorrente para apreciação no presente recurso consistem em saber se os factos alegados na petição inicial suportam ou não o formulado pedido de constituição de servidão de passagem.
*****III – Fundamentos III.1. – De facto Na sentença recorrida não foram mencionados separadamente os factos, sendo os mesmos referidos aquando da apreciação jurídica dos mesmos.
Considerando que o fundamento da apelação é precisamente o de saber se os factos alegados na petição inicial, e declarados confessados, são fundamento bastante para a pretensão deduzida, reproduziremos seguidamente a alegação efectuada pela autora na petição inicial, na parte «de facto»: «1.º A Autora é dona e legítima proprietária e possuidora de um prédio rústico, composto por cultura arvense e alfarrobeiras, com a área de 1170m2, sito em Benagaia, da União das Freguesias de Alcantarilha e Pêra, concelho de Silves, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ….º, da Secção E, e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Silves, sob o n.º …, freguesia de Pêra.
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Que adquiriu a Catarina …, sua anterior proprietária, por partilha judicial, no âmbito dos autos de Inventário por Herança, que correu termos sob o processo n.º 770/13.6 TBSLV-Silves- Inst. Local- Sec. Comp. Gen.- J1, como se provam pelos Docs. 1 e 2, ora juntos e que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
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Tendo-o registado a seu favor na Conservatória do Registo...
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