Acórdão nº 88/18.8 JAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelANTÓNIO CONDESSO
Data da Resolução19 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora I- Relatório AA foi absolvido da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas b) e e), do Código Penal, sendo condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea i), do Código Penal, na pena de dezasseis anos de prisão.

Mais foi condenado em sede cível a pagar € 90.000 à demandante SC.

Inconformado recorre o arguido suscitando, em síntese, as seguintes questões: - impugnação da matéria de facto (e in dúbio pro reo); - qualificação jurídica e medida da pena.

* O Ministério Público junto do tribunal recorrido e a demandante cível responderam ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.

Nesta Relação, a Exª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.

* II- Fundamentação Factos provados “- Com relevância para a questão da culpabilidade]: 1- No ano de 2014, em data não apurada, CC[[2]], nascido a 25.7.1954 e com 1 metro e 69 cm de altura, contratou AA[[3]], nascido a 21.5.1980 e com 1 metro e 86 centímetros de altura, para efetuar trabalhos de pedreiro e de calçada na sua residência, uma moradia, com rés-do-chão e 1º andar, situada em …, Castro Marim; 2- AA efetuou tais trabalhos, pelos quais foi pago, e passou a manter contacto regular com CC, que o contratava para executar trabalhos similares; 3- No ano de 2015, em data não apurada, e até data não apurada do ano de 2016, mas situada entre 21 do mês de junho e 22 do mês de setembro, AA passou a residir, na qualidade de arrendatário, no rés-do-chão da mencionada moradia, pagando uma renda mensal no valor de € 100 (cem euros); 4- No período mencionado em 3) AA: 4.1- Efetuou trabalhos de pedreiro e de calçada na residência de CC, ficando este a dever-lhe a quantia de € 7.200 (sete mil e duzentos euros); 4.2- Manteve, em seis diferentes ocasiões, relações sexuais com CC; 5- Depois de sair da residência de CC, AA encontrou-se com o mesmo em data não apurada do ano de 2017, tendo-o questionado sobre o pagamento da quantia em dívida, ao que CC respondeu que lhe pagava quando tivesse dinheiro e executasse mais trabalhos na sua residência; 6- No dia 25 março de 2018 CC contactou telefonicamente AA e pediu-lhe para ir a sua casa, o que este fez, chegando à mesma cerca das 13h00; 7- Durante o resto da tarde e noite CC e AA ingeriram produtos alimentares, vinho, cerveja, uísque, viram filmes, conversaram, fumaram e tiveram relações sexuais, após o que AA adormeceu; 8- Cerca das 3h00 do dia 26 de março de 2018 o arguido acordou no quarto onde CC pernoitava, sito na 1º andar da moradia mencionada em 1); 9- No interior desse quarto AA disse a CC que queria que aquele lhe pagasse a quantia de € 7.200 (sete mil e quinhentos euros) que lhe devia, ao que CC retorquiu que não tinha dinheiro para lhe pagar; 10- Nessa sequência gerou-se um desentendimento entre os dois que culminou com empurrões mútuos, tendo AA, num desses empurrões, atingindo com uma das suas mãos, a placa dentária de CC, o qual ficou a sangrar da boca; 11- De seguida, CC fugiu para o interior do quarto situado ao lado daquele onde se encontrava, tendo AA pegado num taco de madeira maciça, com 70 cm de comprimento e 585 gramas de peso, da marca “Van Allen” que se encontrava ocultado por de trás de uma cadeira que, em relação à porta de entrada, se encontrava situada no canto direito do quarto; 12- Após pegar no taco, AA dirigiu-se ao interior quarto para onde se havia dirigido CC, e, surgindo pelas costas do mesmo, desferiu-lhe, com o lado mais volumoso do taco referido em 11), uma pancada no lado esquerdo da cabeça, que o fez cair de imediato, inanimado, no chão, sem se ter apercebido do que lhe havia acontecido; 13- De seguida, AA verificou que CC não respirava e que não tinha pulsação, pelo que se convenceu que o mesmo estava morto; 14- Após colocou o taco mencionado em 11) no mesmo local de onde o havia retirado e, de seguida, foi à casa de banho lavar o sangue que tinha nas mãos, abandonando a residência por uma janela e deixando o local, cerca das 5h30m, no seu veículo automóvel, com a matrícula ---IO; 15- A pancada desferida por AA nos moldes descritos em 12) provocou em CC fratura cominutiva, de bordos irregulares, na região parietal esquerda da abóbada e nos andares anterior, médio e posterior da base do crânio; infiltração de sangue nessas zonas; infiltração sanguínea bilateral do couro cabeludo fronto-parietotemporal [exuberante à esquerda e parieto-temporal e ligeira à direita]; infiltração sanguínea dos músculos temporais; hemorragia subaracnoideia e hemorragia subdural nas meninges e fratura do osso maxilar esquerdo; 16- A fratura dos ossos do crânio e as hemorragias nas meninges mencionadas em 15) provocaram a morte imediata de CC; 17- CC não apresentava outras lesões além das descritas em 15); 18- No período em que AA permaneceu no interior da moradia de CC, nos termos descritos em 6) a 14): 18.1- No quarto referido em 8), na segunda gaveta da mesa-de-cabeceira do lado esquerdo, encontrava-se um objeto em plástico, com a forma de uma pistola, com as caraterísticas captadas pelas fotografias de fls. 299; 18.2- Na sala, sita no rés-do-chão, encontrava-se, no interior de um cofre, uma pistola de marca “Fanfoglio Guiseppe”, com o n.º de série ----, registada em nome de CC, bem como o carregador dessa pistola e munições de calibre 6.35 mm; 19- Ao atuar da forma descrita em 12), o arguido quis, de forma livre, voluntária e consciente, aproximar-se de CC sem que aquele se apercebesse da sua presença e desferir-lhe, com o lado mais volumoso do taco descrito em 11), que sabia ser de madeira maciça, uma pancada no lado esquerdo da cabeça, ciente que, devido à força aplicada, tal pancada era suscetível de provocar fratura dos ossos do crânio situados na zona atingida, bem como hemorragias cerebrais, e que tal fratura e hemorragias, por si só ou conjugadas, eram suscetíveis de provocar a morte de CC, o que representou e quis; 20- AA sabia a conduta que adotou proibida e punida por lei, sendo pessoa capaz de avaliar a ilicitude da mesma e de se determinar de acordo com essa avaliação; 21- SC[[4]] é filha de CC; 22- Devido à morte do seu pai, SC: 22.1- Desde o dia 28 de março de 2018, data em que teve conhecimento do falecimento do mesmo, e até à atualidade vem, cada vez com menor intensidade, sofrendo de ansiedade, nervosismo, choro compulsivo, ataques de pânico, pesadelos, dificuldades em dormir, agitação motora, desânimo e tristeza; 22.2- Passou a padecer de pós stresse traumático e depressão ansiosa arrastada, que determinou a toma de medicação ansiolítica e antidepressiva, que ainda hoje se mantém; 22.3- Deixou de praticar culturismo, que era uma atividade que lhe trazia satisfação; 22.4- Perdeu paciência para ajudar a filha menor; 22.5- Depende da ajuda do filho mais velho, do marido e dos pais deste, que, para apoiar e ajudar a demandante, se mudaram e vivem com a mesma; 23- Devido em 22.1. e 22.2. SC deixou de explorar de forma eficiente o seu estabelecimento comercial, o que resultou num decréscimo das vendas, em montante não apurado; - Com relevância exclusiva para a questão da determinação da sanção]: 24- Após ter entrado no seu veículo automóvel nos termos descritos em 14), AA foi trabalhar; 25- Entre o dia 27 de março de 2018 e 2 de abril de 2018 sentiu-se perturbado com o sucedido e tentou o suicídio por enforcamento; 26- No dia 3 de abril de 2018 AA compareceu no posto territorial da Guarda Nacional Republicana de São Brás de Alportel, dando conta da morte de CC e do seu envolvimento na mesma; 27- AA provém de agregado familiar constituído por oito elementos, de estrato socioeconómico modesto, sendo o pai calceteiro e a mãe trabalhadora agrícola; 28- Durante o seu processo de crescimento usufruiu de um ambiente familiar estável, coeso e afetuoso, num modelo sócio educativo de cariz tradicional, assente em valores de solidariedade, partilha e responsabilidade; 29- AA é pessoa contida, calada e com dificuldades em expressar desejos/sentimentos e necessidades; 30- Concluiu o 7º ano de escolaridade, após o que, por fatores de ordem motivacional e pela necessidade de contribuir economicamente para o agregado familiar, abandonou os estudos; 31- Aos 17 anos de idade passou a trabalhar como aprendiz de calceteiro, onde rapidamente adquiriu consistente experiência; 32- Vem mantendo essa atividade de forma contínua, a título de empreitadas, quase sempre sem vínculos contratuais permanentes, tendo trabalhado para diversas entidades empregadoras; 33- Com 22 anos de idade, estabeleceu uma relação marital com pessoa do sexo feminino, que perdurou seis anos, e da qual nasceu um filho comum, atualmente com 16 anos de idade; 34- O casal fixou residência próxima da área de residência do agregado de origem do arguido, mantendo relacionamento de proximidade com progenitores e demais elementos da fratria; 35- Na génese da separação, por mútuo acordo, esteve o crescente desgaste relacional/afetivo, associado à precocidade do relacionamento e à imaturidade de ambos; 36- Na sequência da separação, o descendente comum ficou sob a égide da mãe, mantendo o arguido consistente proximidade relacional com o filho e um papel investido nas suas responsabilidades parentais; 37- Há três anos iniciou relação marital com pessoa do sexo feminino - AT-, passando a coabitar com aquela e dois enteados maiores de idade; 38- Na data mencionada em 6) dos factos provados AA: 38.1- Continuava a residir com a companheira e os dois enteados, na habitação desta, arrendada e com adequadas condições de habitabilidade; 38.2- O relacionamento conjugal caraterizava-se por sentimentos de afeto e cooperação familiar, revelando, porém, AA dificuldades na partilha/expressão das suas vivência mais pessoais; 38.3- Mantinha a atividade profissional de calceteiro, movimentando-se num quadro económico estável e passível de assegurar os encargos pessoais e...

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