Acórdão nº 17/12.2TDEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução19 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Évora do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, o Ministério Público deduziu acusação contra a arguida EC, imputando-lhe a prática, como autora material e em concurso real e efectivo, de: - 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 26.º, 217.º n.º 1, e 218.º n.

os 1 e 2 alínea a), por referência ao art. 202.º, alínea b), todos do Código Penal (CP); - 2 (dois) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 26.º, 217.º n.º 1, e 218.º, n.º 1, do CP; e - 2 (dois) crimes de burla simples, p. e p. pelos arts. 26.º e 217.º, n.º 1, do CP.

RP e JMM deduziram pedido de indemnização civil contra a demandada EC, peticionando que a mesma fosse condenada a pagar-lhes a quantia de €38.218,99 (trinta e oito mil, duzentos e dezoito euros e noventa e nove cêntimos). Dando por reproduzidos os factos constantes do libelo acusatório, alegaram que, sendo conhecedora da sua baixa escolaridade, a demandada, invocando a existência de despesas que na verdade inexistiam, conseguiu, enganando-os, que os mesmos lhe entregassem a quantia global no valor de €33.218,99, cuja restituição peticionam. Mais alegaram que para reunirem os valores que foram entregues à demandada tiveram de se privar e de recorrer à ajuda de terceiros, o que lhes causou angústia, danos que reputam como tendo o valor de €5.000,00.

Também M. e Irmão, Lda. e ACR deduziram pedido de indemnização civil contra a demandada EC, peticionando que a mesma fosse condenada a pagar, ao primeiro, quantia global de €265.853,44 (duzentos e sessenta e cinco mil, oitocentos e cinquenta e três euros e quarenta e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação até integral pagamento e, ao segundo, o valor global de €46.557,30 (quarenta e seis mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e trinta cêntimos), também a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação até integral pagamento, bem como a quantia que se viesse a apurar, em sede de liquidação de sentença, correspondente às despesas que lhe advierem do processo executivo n.º --/14.9TBPRL, a correr termos na Instância Central de Montemor-o-Novo.

Reproduzindo os factos constantes do libelo acusatório, alegaram que a sociedade comercial ficou prejudicada no montante global de €235.853,44 correspondendo €8.351,64 ao valor que foi entregue à demandada para que procedesse ao pagamento dos salários e indemnização devida aos trabalhadores e de que a mesma indevidamente se apropriou e o montante de €227.501,80 ao valor dos equipamentos industriais da empresa que, por intermédio e mediante engano por parte daquela, os mesmos venderam a FP sem que viessem a receber o respectivo preço. Mais alegaram que ACR também sofreu prejuízos patrimoniais no montante de €31.557,30, equivalente ao valor que o mesmo entregou à demandada para que ela solucionasse os problemas que tinha perante a banca relativamente à sua casa de habitação e ao seu veículo automóvel e que aquela, usando de meio enganoso, fez seus. A tal valor acrescerá ainda o decorrente das despesas relacionadas com as custas judiciais do processo judicial entretanto instaurado, valor a apurar em sede de execução de sentença. Por fim, alegaram que em consequência da conduta da demandada os sócios da M.., Lda. sofreram de ansiedade, stress, depressão, fadiga, insónias tendo um deles falecido e outro sido medicamente assistido em virtude dos problemas de saúde daí decorrentes, prejuízos morais que entendem ser de ressarcir e que computaram no montante global de €45.000,00.

A arguida EC apresentou contestação e indicou meios de prova.

Invocou, para tanto e em síntese, que foi mandatada pela sociedade M… e Irmão, Lda., que à data atravessava dificuldades económicas, para tratar da sua dissolução e subsequente liquidação - tendo, inclusivamente, assumido as funções de liquidatária. Tal liquidação implicaria a recuperação de quantias de que a sociedade era credora - recorrendo-se, se necessário, à instauração das correspondentes acções judiciais -, o pagamento de dívidas a credores - entre os quais Finanças e Segurança Social - e a venda do activo patrimonial da empresa.

Na prossecução de tais objectivos, logrou obter acordo relativo à rescisão de três contratos de trabalho, tendo entregue aos trabalhadores todas as quantias que aquela sociedade lhe entregou para o efeito, não tendo, contudo, tal acordo sido cumprido por falta de disponibilidade financeira da empresa. Efectuou, ainda, acordos de pagamento das dívidas existentes para com as Finanças e outros credores, tendo assumido a defesa dos interesses da empresa em diversas acções executivas e injunções em que a mesma era executada/requerida. Especificou que, não obstante não ter alcançado a obtenção de acordo relativamente ao pagamento das dívidas da Segurança Social, conseguiu, em sede de audição prévia, que a reversão das dívidas não operasse em relação a todos os sócios.

Encetou diversas diligências com vista à recuperação de diversos créditos da empresa, tendo, nomeadamente, instaurado diversas acções e preparado outras tantas, que apenas não deram entrada em Tribunal porque os legais representantes da empresa se recusaram a proceder ao pagamento das necessárias taxas de justiça. Negociou, igualmente, uma cessão de quotas da sociedade, que contudo não veio a concretizar-se. Por outro lado, diligenciou pela apresentação aos legais representantes da M… & Irmão, Lda. de um potencial comprador para o activo da empresa, sendo que, não obstante ter sido alheia à negociação e à concretização dos termos do negócio - desconhecendo, igualmente, a existência de penhoras sobre os veículos a vender - serviu, posteriormente, como intermediária de ambas as partes, tendo sido encarregue de receber os correspondentes meios de pagamento. Como forma de resolver o litígio entretanto gerado entre as partes, relativo à responsabilidade pelo levantamento das referidas penhoras - cuja existência, adianta, também foi omitida ao comprador - celebrou, no interesse da empresa que representava, acordos de pagamentos com os credores titulares de tais garantias, para que as penhoras fossem levantadas e o negócio se concluísse. Nessa conformidade, pediu a FP, representante da empresa compradora, para que entregasse dinheiro com vista a tal desiderato ou fizesse ele próprio o pagamento directo das dívidas em causa.

Concretizou que todo o dinheiro da empresa que chegou à sua posse foi canalizado ou para despesas processuais e outras ou para pagamento de dívidas da empresa, nunca tendo feito seu qualquer valor que lhe tenha sido entregue, para além da quantia adiantada a título de honorários e que não se revelou suficiente ao pagamento dos serviços prestados.

Ao longo de tal relacionamento profissional alegou ter sempre discutido com os sócios da sociedade a melhor estratégia para a resolução das questões e sempre lhes ter dado conhecimento do trabalho desenvolvido.

Em especial no que se reporta aos factos respeitantes à dívida de ACR para com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alentejo Central, CRL esclarece que muito antes da instauração do processo executivo, que culminou na venda do imóvel propriedade daquele, já havia encetado negociações com vista ao não accionamento da hipoteca. Após a instauração do processo executivo e a pedido de ACR aceitou representá-lo, para o que pediu provisão para despesas e honorários no valor de €1.500,00, tendo-lhe aquele entregue a quantia de €1.396,00 para tal efeito e não para pagamento de taxas de justiças, como por lapso se fez inscrever no recibo provisório emitido. Assim e não obstante ACR ter acabado por pedir apoio judiciário, também na modalidade de nomeação de patrono, sempre diligenciou pela resolução extrajudicial da questão, uma vez que processualmente não havia fundamentos para uma oposição à execução, estratégia com a qual aquele sempre concordou.

Já no que se refere ao seu patrocínio na questão relativa ao veículo BMW, também propriedade de ACR, invocou ter diligenciado pela sua resolução extrajudicial, encetando, nomeadamente, esforços para que o seu representado contraísse um novo crédito com vista à liquidação do montante em dívida. Até à concessão do almejado crédito sugeriu ACR proceder à entrega de um valor mensal, que seria depositado na sua conta, e que serviria para pagar as primeiras prestações e os gastos de contratualização do empréstimo. Sucede, porém, que a BMW não aceitou negociar o crédito, tendo o veículo acabado por ser apreendido sem que ACR lograsse reunir dinheiro para proceder à totalidade do valor em dívida ou em três prestações conforme pretensão da BMW. Nessa conformidade, acabou por lhe devolver a totalidade do montante que o mesmo havia entregue como adiantamento às prestações e às despesas do novo crédito a contrair.

Por fim, relativamente aos factos respeitantes aos clientes RP e JM concretizou que, após ter sido contactada, em 28 de Novembro de 2006, sempre diligenciou pela obtenção de uma partilha extrajudicial dos bens da herança objecto do processo de inventário que corria termos, no Tribunal da Comarca do Redondo, sob o n.º ---/13.9TDEVR.

No decurso de tais negociações surgiram várias possibilidades de acordo, sendo que as verbas no valor de €15.500,00 e de €2.000,00, pedidas e entregues pelos clientes, serviriam para pagamento de tornas pela adjudicação a RP de duas verbas da herança que a mesma pretendia para si. Sucedeu, contudo, que por divergências nos valores das verbas nunca foi possível finalizar o acordo. Tendo sido informados de tal fracasso os seus clientes não aceitaram a devolução dos montantes entregues pela eminência de ser efectivamente alcançado acordo e...

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