Acórdão nº 9/18.8GCCVD.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução05 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de instrução nº 9/18.8GCCVD, que correm termos no Juízo Local Criminal de Portalegre, a Exmª Juíza de Instrução rejeitou o requerimento para abertura da instrução apresentado pela assistente CM, com fundamento na sua inadmissibilidade legal.

Inconformada com essa decisão, recorreu a assistente, terminando a motivação do recurso com as seguintes (transcritas) conclusões: “I. O tribunal a quo rejeitou o requerimento para abertura de instrução, com fundamento na inadmissibilidade legal, ao abrigo do disposto no Artigo 287º, nº 3 do C.P.P.

  1. Contudo, inversamente ao que é afirmado no douto despacho, constam de requerimento para abertura de instrução os factos concretos a que a assistente teve acesso, em função da prova produzida no âmbito do inquérito, os quais deverão ser considerados relevantes e indicadores da prática de um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo Artigo 274º do C.P.

  2. A Assistente, na sequência do douto despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, requereu tempestivamente a abertura de instrução, na qual narrou os factos censuráveis, dando indicações tendentes à identificação de quem os cometeu, e para tal apresentou e requereu a correspondente produção de prova, nomeadamente as testemunhas que, na sua perspetiva, têm conhecimento direto dos factos, algumas das quais devidamente identificadas no decurso do inquérito, sem que tivessem sido chamadas para ser inquiridas. Mais indicou a assistente as normas incorretamente aplicadas na decisão de arquivamento, proferida pelo Ministério Público.

  3. Sendo certo que, ao não inquirir as testemunhas indicadas, o Tribunal a quo inviabilizou a produção de prova, que teria permitido concretizar quais os factos a imputar diretamente à referida entidade.

  4. Perante tal circunstancialismo, a assistente viu-se impossibilitada de elencar mais factos para além daquele que expôs, porque as testemunhas em causa, algumas das quais identificadas no decurso do inquérito, poderiam carrear para os Autos matéria relevante, por terem conhecimento direto de factos, conhecimento que a Assistente não tem, e, fazendo-o agora para além do que consta do requerimento de abertura de instrução, estaria apenas a especular sobre o sucedido.

  5. Ao ver encerrado o inquérito, a assistente requereu a abertura de instrução, a qual vai funcionar como uma acusação que implicará necessariamente uma atividade investigatória e cognitiva do juiz de instrução, daí as citadas exigências das alíneas b) e c) do nº 3 do Artigo 283º, sob pena de nulidade.

  6. Aliás, este último preceito legal refere: “b) a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve....”.

  7. Ainda que a peça em causa pudesse não estar elaborada com total perfeição, o que se equaciona apenas por mera hipótese, da mesma facilmente se depreendem os elementos, objetivo e subjetivo, do ilícito em causa, sendo de fácil apreensão e não suscitando, pela sua natureza, qualquer tipo de dificuldade.

  8. O douto despacho recorrido, ao rejeitar o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal da instrução, sem efetuar as diligências possíveis para apurar os factos descritos naquele requerimento, acaba por violar o preceituado no nº 2 e nº 3 do Artigo 287º, no nº 1 do Artigo 286, nº 4 do Artigo 288º e nº 1 do 292º, todos do C.P.P., o artigo 20º do Constituição da República Portuguesa e o princípio basilar na Investigação, da descoberta da verdade material.

  9. Pelas razões que se aduziram, entendemos que deve ser revogada a decisão recorrida e ser a mesma substituída por outra que ordene a Abertura de Instrução, de modo a ser analisada a prova indicada, a fim de se pronunciar a pessoa coletiva identificada nos Autos (EDP), pela prática de um crime de incêndio florestal previsto e punido pelo Art. 274º do Código Penal.

Termos em que, e nos mais de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V.Exas., deve ser dado provimento ao presente Recurso, e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, pelos fundamentos aduzidos”.

* Não foi apresentada qualquer resposta ao recurso.

Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, entendendo que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso.

No caso destes autos, e vistas as conclusões extraídas pela recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, a questão a apreciar, e em muito breve resumo, é a seguinte: aferir da existência de motivo legal de rejeição da instrução, face ao requerimento para abertura de instrução apresentado pela assistente.

2 - A decisão recorrida.

O despacho revidendo é do seguinte teor: “Vem a assistente CM requerer a abertura de instrução.

Fá-los nos termos constantes de fls. 128-139, cujo teor damos aqui por reproduzido. Pretende assim a prolação de despacho de pronúncia da “EDP” pela prática do crime de incêndio florestal p. e p. pelo art.º 274.º do Código Penal.

Cumpre apreciar.

Refere o artigo 287º n.º 2 do CPP que «o requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação (…) dos factos que (…) espera provar(…)», mais não quer que impor ao assistente, nos casos em que seja ele o requerente da instrução, que «narre, sinteticamente os factos que imputa ao arguido e que fundamentam a aplicação de uma pena ou medida de segurança, nos termos estabelecidos para a acusação e ainda as disposições legais aplicáveis, ou seja a qualificação jurídica dos factos» (cf. José Mouraz Lopes, Garantia Judiciária no Processo Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 74).

Conforme referimos na obra citada, p. 75, «é notória a pretensão de vincular desde logo o juiz de instrução a um determinado “objeto do processo” sobre o qual terá de se pronunciar, quando proferir o seu despacho - recorde-se que a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento de abertura de instrução, conforme estabelece o artigo 309º. Não se limitando os poderes de investigação do juiz de instrução na sua atuação, terá no entanto no caso concreto em apreciação jurisdicional uma vinculação à acusação do Ministério Público ou do assistente ou ao requerimento de abertura de instrução. O modelo acusatório em que assenta a estrutura processual do Código além de se manter incólume, sai mais do que isso, notoriamente reforçado, com a alteração agora imposta».

A exigência da descrição minimamente factual dos conteúdos imputados é, atualmente, uma constante unânime na jurisprudência dos vários Tribunais das Relações [cf. Acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto de 11.5.2011, processo 5881/07.4TAVNG-P1, relator Maria Dolores Silva e Sousa; Acórdão da Relação de Coimbra de 30.03.2011, processo 443/08, relator Eduardo Martins (todos disponíveis em www.dgsi.pt)].

Nos termos do disposto no art.º 274.º do Código Penal: “1 - Quem provocar incêndio em terreno ocupado com floresta, incluindo matas, ou pastagem, mato, formações vegetais espontâneas ou em terreno agrícola, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

2 - Se, através da conduta referida no número anterior, o agente: a) Criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado; b) Deixar...

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