Acórdão nº 4/18.7GCRMZ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Julho de 2019
Magistrado Responsável | SÉRGIO CORVACHO |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No Processo Comum nº 4/18.7GCRMZ, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Reguengos de Monsaraz do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, por sentença proferida em 8/2/2019, foi decidido: Julgar a acusação procedente por provada e, consequentemente: • Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos do artigo 152.º, n.ºs 1, al. d), e 2 do Código Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.
Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados: 1) O arguido AA é filho de BB e de MM, já falecida.
2) O arguido sempre viveu com o ofendido BB, actualmente com 76 anos de idade.
3) Inicialmente residiram na antiga Aldeia da Luz, em Mourão e, após desaparecimento desta, passaram a residir ambos na Rua Nova…, Luz, em Mourão.
4) Desde data não concretamente apurada, mas há vários anos e com frequência, o arguido AA, no interior da residência, iniciou discussões com o seu pai BB por este se recusar a dar-lhe dinheiro para comprar bebidas alcoólicas.
5) Revoltado, o arguido chegou a dirigir-se ao seu pai e apertar-lhe o pescoço por ele não lhe dar dinheiro, causando-lhe dores e hematomas.
6) Em datas não concretamente apuradas, mas sempre que o pai se recusava a dar-lhe dinheiro, o arguido dirigia-lhe as seguintes expressões: ladrão, filho da puta, dou-te um tiro que ficas logo estendido.
7) Durante as discussões que tinha com o ofendido, em datas não concretamente apuradas, o arguido chegou a partir mobília, louça e os vidros da porta da residência.
8) No dia 3 de Fevereiro de 2018, pelas 22:00 horas, o arguido e o seu pai tiveram uma discussão em que se insultaram mutuamente junto à residência de EE, na Rua Nova…, em Mourão.
9) Desde 3 de Fevereiro de 2018 que pai do arguido reside com a sua filha CC, …, em Santiago Maior.
10) O arguido consome regularmente bebidas alcoólicas em excesso e não se encontra a trabalhar.
11) O arguido agiu com o propósito concretizado de incutir medo no ofendido, temendo este que aquele atente contra a sua vida ou integridade física.
12) Com as condutas descritas, quis o arguido maltratar, humilhar, ameaçar, ofender e bater no seu pai BB.
13) Agiu o arguido AA com o propósito concretizado de incutir terror permanente no ofendido, de o levar a ser-lhe submisso e a comportar-se do modo que ele pretendia.
14) O arguido quis dirigir ao ofendido as palavras acima descritas, estando ciente que as mesmas atingiam a sua honra e consideração, o que conseguiu.
15) Bem sabia o arguido que as condutas melhor descritas no ponto 5) eram susceptíveis de provocar dores e lesões no ofendido, o que quis e conseguiu.
16) Agiu o arguido indiferente à relação familiar que o une a BB, seu pai e à idade deste, actualmente com 76 anos, bem como aos deveres que para aquele advêm em relação a este, nomeadamente de protecção e respeito, relação e deveres de que o arguido estava bem ciente.
17) O arguido agiu livre, deliberada e voluntariamente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
18) O arguido tem o 3.º ano de escolaridade.
19) É trabalhador agrícola e aufere 700,00 € por mês.
20) Vive em casa arrendada pela qual paga uma renda de 60,00 € por mês.
21) O arguido foi consumidor de bebidas alcoólicas em excesso.
22) O arguido frequenta consultas de alcoologia no Centro de Respostas Integradas do Alentejo Central tendo comparecido às consultas nos dias 15/05/2018, 17/07/2018, 18/09/2018, 13/11/2018, e 10/01/2019.
23) Da avaliação feita pelo CRI ao arguido em Janeiro de 2019 concluiu-se “não haver sinais de consumos abusivos de álcool neste momento”.
24) O arguido já sofreu dez condenações anteriores: - duas pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas; - oito pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal.
Tudo conforme certificado de registo criminal de Ref. 28230012, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido.
A mesma sentença julgou os seguintes factos não provados: 1) Que o arguido desferia murros e pontapés no seu pai quando este se recusava a dar-lhe dinheiro.
2) Que no dia 3 de Fevereiro de 2018, o arguido se dirigiu à residência de EE e iniciou uma discussão com o seu pai, que aí se encontrava, dirigindo-lhe as expressões: filho da puta, mentiroso.
3) Que após abandonou o local em direcção à sua residência.
4) Que o arguido consome regularmente bebidas alcoólicas em excesso.
Da sentença proferida o arguido AA interpôs recurso devidamente motivado, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto da Douta sentença que julgou e condenou o Arguido, ora Recorrente, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152, nº 1 al. d) e nº2, do Código Penal, na pena de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa na execução por igual período, sujeita a regime de prova.
2. Em 2) e 3) dos factos provados o Tribunal a quo considerou provado que o Arguido sempre viveu com o ofendido, inicialmente na antiga aldeia da luz e posteriormente na Rua Nova na Luz.
3. Salvo o devido respeito, que é muito, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento resulta conclusão diferente, senão vejamos, 4. No depoimento prestado pelo Arguido, em instâncias do MMº Juiz ((15-01-2019 10:13:51 - 10:46:37) 5. Juiz– O Sr. vivia na Aldeia da Luz? O Sr. Vivia sozinho? Vivia com os seus pais? Arguido- Vivia com os meus pais. Juiz – Desde sempre? Arguido - Sim, sim. Juiz - Então o Sr. continuou a viver com o seu pai foi isso? Arguido - Pronto eu vivi, assim que a minha mãe faleceu fui lá para cima para o norte, para Viana do Castelo a trabalhar. E só vinha de vez em quando a casa. Juiz - Então disse que quando a sua mãe faleceu o Sr. foi para Viana do Castelo? Arguido - Sim, a trabalhar. Juiz - E quando é que regressou? Arguido - Isso foi ao fim de um ano, um ano e meio. Juiz -E depois quando regressou foi viver para onde? Arguido - Fui trabalhar além para o pé de Barrancos.
6. Juiz - E esteve lá a viver? Ficou lá a viver em Barrancos? Arguido - Fiquei lá a viver. Juiz - E quanto tempo é que lá ficou? Arguido - Para aí, também foi um ano ou um ano e pouco. Juiz - E então e depois ao fim deste ano, ano e pouco o que é que, para onde é que foi? Arguido - Eu depois ainda fui para Portel. Arguido- E depois de Portel eu fiz aí umas asneiras a conduzir sem carta, fui preso.
7. Apesar de alguma imprecisão quanto a datas resulta do depoimento do Arguido que este, após o falecimento da sua mãe, viveu alguns períodos em Viana do Castelo, em Barrancos e em Portel, tendo ainda cumprido períodos de prisão efetiva.
8. A própria testemunha NM, cujo depoimento foi tão tido em conta pelo Tribunal a quo, confirmou que o arguido durante alguns períodos esteve fora a trabalhar.
9. Em instâncias da Digna Magistrada do MP, referiu a testemunha NM (15-01-2019 – 10:55:26 – 11:13:37): MP - Pronto mas confirma que o seu tio esteve a trabalhar em Viana do Castelo....Testemunha - Segundo o que eu ouvia sim, eu não tinha contacto nenhum... MP - Mas o que eu lhe quero perguntar é, a Sr.ª diz que às vezes ele não estava lá. Não estava lá porque não vivia lá ou não estava lá porque naquele momento estava fora de casa? Testemunha - Houve alturas depois da minha avó ter falecido, que era raro encontrá-lo lá em casa mas eu encontrava-o lá em casa às vezes.... Depois houve um período sim em que ele não tava lá e até foi a minha tia que me disse que ele estava a trabalhar fora, tinha ido para fora.
10. Portanto, tendo em conta o que supra se referiu, não podia o Tribunal a quo ter considerado provado que o arguido SEMPRE viveu com o ofendido, uma vez que da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resulta exatamente o contrário.
11. Em 4) dos factos provados o Tribunal considerou provado que “Desde data não concretamente apurada, mas há vários anos e com frequência, o arguido AA, no interior da residência, iniciou discussões com o seu pai BB por este se recusar a dar-lhe dinheiro para compar bebidas alcoólicas.”Este facto foi transposto, ipsis verbis, da douta acusação pública. Na nossa modesta opinião, estamos perante um facto assente em imputações genéricas e sobre esta questão a nossa Jurisprudência tem-se pronunciado.
12. Veja-se, a propósito, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora nº 9336/17.0T8STB.E1, disponível em www.dgsi.pt. Ou ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães nº 204/10.8GASRE.c1 também disponível em www.dgsi.pt.
13. Em 5) dos factos provados o Tribunal a quo considerou provado que “revoltado, o arguido chegou a dirigir-se ao seu pai e apertar-lhe o pescoço por ele não lhe dar dinheiro, causando-lhe dores e hematomas” 14. O Tribunal fundou a sua convicção no depoimento prestado pela testemunha NM que, além de conter diversas contradições vem, de forma absolutamente extraordinária e excessivamente pormenorizada, relatar situações, que a terem ocorrido, o que muito sinceramente duvidamos, ocorreram há mais de 20 anos. Mais ainda quando é a própria testemunha e a sua irmã, crianças com cerca de nove anos de idade que conseguem “parar” a fúria do arguido, batendo-lhe com o que tinham à mão. O ofendido tem atualmente 76 de idade, mas há 20 anos tinha 56, não era certamente a pessoa frágil que é hoje!! 15. Ainda assim, admitindo por mera hipótese que este facto ocorreu como descrito pela testemunha NM, o que se admite sem conceder, sempre diremos que a testemunha referiu que o arguido apertou o pescoço ao ofendido quando este o tentou impedir de retirar enxovais do quarto onde a testemunha dormia com a sua irmã.
16. Por isso, mesmo valorando com total credibilidade o depoimento da...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO