Acórdão nº 3824/18.9T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelPAULA DO PAÇO
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório M..., S.A., veio intentar ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra M..., pedindo que seja declarado que o regime de folgas requerido pela Ré não se enquadra no conceito de horário flexível, na aceção do artigo 56.º do Código do Trabalho.

Subsidiariamente pede que seja declarado que o aludido artigo não confere à Ré o direito de exigir que o seu horário de trabalho seja fixado com descanso fixo ao sábado e ao domingo e que existem exigências imperiosas da Autora que legitimam a recusa do regime de folgas pretendido pela Ré.

Em consequência da procedência de qualquer um dos pedidos, pede que se declare que a Autora não está obrigada a conceder à Ré um horário de trabalho com folgas fixas ao fim de semana, coincidentes com o sábado e domingo, e que a Autora mantém o direito de fixar o horário de trabalho da Ré.

Alegou, em breve síntese, que a Ré, sua trabalhadora, requereu um horário de trabalho flexível entre as 09h00 e as 18h00, com 1 hora de almoço, de 2.ª a 6.ª feira, e o sábado e o domingo como dias de descanso, sem indicar o prazo durante o qual pretendia usufruir de tal horário.

A Autora comunicou-lhe que entendia que o horário de trabalho solicitado não correspondia a um horário flexível e informou que recusava o requerimento no que concerne ao regime de folgas fixas aos sábados e domingos, com fundamento na incompatibilidade jurídica entre essa pretensão e o conceito de horário flexível, mas também pelas exigências imperiosas de funcionamento do estabelecimento.

Tendo sido seguido o procedimento previsto no artigo 57.º do Código do Trabalho, a CITE concluiu que o pedido da trabalhadora era enquadrável no artigo 56.º do diploma, e que a recusa do empregador não estava devidamente fundamentada.

Pelas razões que alega na petição inicial, a Autora conclui que não está obrigada nem pode aceder ao pedido da trabalhadora.

Não foi possível obter uma solução amigável para o litígio, em sede de tentativa de conciliação.

Contestou a Ré, invocando que o horário por si requerido se enquadra no conceito legal de horário flexível e que não se verificam os motivos justificativos para a recusa manifestada pelo empregador. Impugna os factos alegados pela parte contrária.

Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o dispositivo que se transcreve: «Pelos fundamentos expostos, julgo a ação improcedente, pelo que, decido não reconhecer a existência de motivo justificativo para a A. M..., S.A. recusar a atribuição de horário flexível efetuada pela Ré M..., nos termos já em vigor., e, em consequência: a) Declaro que o regime de folgas requerido pela Ré enquadra-se no conceito de horário flexível, na aceção do artigo 56.º do Código do Trabalho; b) Declaro que o artigo 56.º do Código do Trabalho confere à Ré o direito de exigir que o seu horário de trabalho seja fixado com descanso fixo ao Sábado e ao Domingo.

  1. Declaro que não existem exigências imperiosas da Autora que legitimam a recusa do regime de folgas pretendido pela Ré.

  2. Declaro que a Autora está obrigada a conceder à Ré um horário de trabalho, com folgas fixas ao fim de semana, coincidentes com o Sábado e Domingo; e) Declaro que a Autora não mantém o direito de fixar o horário de trabalho da Ré, que contrarie o decidido supra nas alíneas a) a d). (…)» Inconformada com o decidido, veio a Autora interpor recurso, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões: «1. A recorrente não pode conformar-se com a decisão que recaiu sobre este processo, a qual fez uma incorreta interpretação dos factos, bem como uma errada aplicação da lei, o que conduziu a uma solução totalmente injusta e sem qualquer respaldo na lei.

  1. A recorrente não pode conformar-se com uma decisão que reconhecendo que a ação “encontra, pois, o seu fundamento no disposto no n.º 7 do artigo 57.º do Código do Trabalho, tendo a A. peticionado ao tribunal que declarasse que o regime de folgas requerido pela Ré não se enquadra no conceito de horário flexível, na aceção do artigo 56.º do Código do Trabalho”, não faça uma apreciação do pedido ao abrigo da lei e sustente a sua orientação numa decisão de uma entidade administrativa, in casu¸ a CITE.

  2. Tal decisão, na opinião da recorrente, abre um inconcebível precedente na solução de direito encontrada por se abster de analisar uma questão prévia à própria existência dos factos e que inviabilizariam a solução propugnada: se o regime de folgas se enquadra ou não no conceito de horário flexível previsto no art.º 56.º do código do Trabalho. Daí a necessidade e legitimidade do presente recurso 4. O regime de horário flexível consta nos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho e visa permitir que os trabalhadores com filhos menores de doze anos ou, independentemente da idade, filhos com doença crónica, possam escolher, dentro de determinados limites fixados pelo empregador, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.

  3. Para este efeito, e em cumprimento dos preceitos legais, o empregador deverá elaborar um horário no qual designe um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário, 6. E que indique ainda os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário.

  4. Por fim, deverá estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.

  5. Em termos procedimentais, o Código do Trabalho exige que o trabalhador interessado remeta um pedido escrito ao empregador, com uma antecedência mínima de 30 dias, contendo o seguinte: a. Indicação do prazo previsto; b. Declaração na qual conste que o filho menor vive com o trabalhador em comunhão de mesa e habitação.

  6. Significa isto que o próprio pedido do trabalhador está vinculado àquilo que a lei determina e exige.

  7. A Recorrida/Trabalhadora solicitou à Recorrente um regime de horário flexível, sem indicar o prazo durante o qual pretendia usufruir, nos seguintes termos: «(…) horário flexível, entre as 09h00 e as 18h00 com 1 hora de almoço, de 2.ª a 6.ª feira e ao Sábado e Domingo descanso».

  8. Em resposta, a Recorrente indicou que a atribuição do horário não seria possível, elencando fundamentos de direito, bem como os motivos relacionados com o funcionamento do estabelecimento – isto porque perante uma exigência tão detalhada no horário, aquilo que verdadeiramente ocorreu foi um pedido de alteração de horário de trabalho e não um horário flexível.

  9. De seguida, a Recorrente remeteu todo o processo para a CITE que emitiu um parecer desfavorável à intenção de recusa do Empregador no qual, afirma ser «(…) enquadrável no artigo 56.º do Código do Trabalho a indicação, pelo/a requerente, de um horário flexível a ser fixado dentro de uma amplitude temporal diária e semanal indicada como a mais favorável à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, por tal circunstância não desvirtuar a natureza do horário flexível se essa indicação respeitar o seu período normal de trabalho diário.», acrescentando ainda «(…) que a amplitude indicada pela trabalhadora (…)» tem de ser «(…) enquadrável na amplitude dos turnos que lhe podem ser atribuídos.».

  10. Relativamente ao posicionamento da CITE, e sem prejuízo de outras considerações, refira-se, em primeiro lugar, que o seu entendimento do regime de horário flexível tem sido vertido ao longo de dezenas (se não centenas) de pareceres, que se poderão consultar no respetivo website.

  11. E, em segundo lugar, que a aqui Recorrente discorda perentoriamente da leitura que a CITE faz do regime aplicável ao horário flexível.

  12. Conforme resulta dos factos provados: a. o horário de trabalho da Recorrida não foi individualmente acordado; b. a Recorrente informou a Recorrida que recusava o pedido desta referente ao regime de folgas fixas aos sábados e domingos, com fundamento na incompatibilidade jurídica entre essa pretensão e o conceito de horário flexível.

  13. O tribunal a quo alicerça a sua decisão de direito no parecer da CITE e naquele que é o entendimento de uma entidade administrativa, abstendo-se de interpretar ou, no mínimo, procurar o caminho doutrinal e/ou jurisprudencial para resolver aquela que é a principal questão dos presentes autos: o regime de folgas requerido pela Recorrida não tem enquadramento legal no conceito de horário flexível constante do art.º 56.º do Código do Trabalho 17. Apesar de reconhecer que a Recorrente peticionara declaração que o regime de folgas requerido pela Recorrida não se enquadrava no conceito de horário flexível na aceção do artigo 56.º do Código do Trabalho, o tribunal a quo, ao invés de procurar dar uma resposta sustentada a esta questão, sustenta a sua conclusão unicamente na existência (ou não) de necessidades imperiosas da empresa que possibilitassem a recusa do pedido de horário flexível.

  14. Ao abster-se de analisar a questão prévia à prova da existência de factos que possibilitem a atribuição de um horário flexível – isto é, se o pedido da Recorrida consubstancia ou não um horário flexível – o tribunal a quo ignorou a própria existência do direito da Recorrida em fazê-lo.

  15. O tribunal a quo, apesar de reconhecer e de declarar que o regime de folgas se enquadra no conceito de horário flexível, facto é que sustenta a sua decisão apenas ao nível da regulamentação do exercício do direito, afirmando que inexistem exigências imperiosas do funcionamento da empresa que sustentem a recusa do horário. Porém, e conforme foi pedido pela Recorrida e, mais do que isso, se impunha nos presentes autos, nada se diz acerca dos pressupostos da existência do direito.

  16. Ademais, parece que se pretende transmitir a ideia que a decisão da Recorrente é uma questão de igualdade de género, tamanhas são as referências legais a essa temática, quando o ponto fulcral se afasta em toda a linha dessa matéria 21. Cabe à Recorrente, enquanto...

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