Acórdão nº 711/18.4T9EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 02 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAURÍCIO
Data da Resolução02 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em conferência os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No âmbito dos autos com o NUIPC nº711/18.4T9EVR, por decisão de 23 de janeiro de 2019, o Exmº Juiz de Instrução Criminal decidiu “rejeitar o requerimento para abertura da instrução formulado pela assistente MH, por inadmissibilidade legal da instrução.” Inconformada com o assim decidido, recorreu a assistente MH extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1ª Nos presentes autos o MºPº omitiu a realização de inúmeras diligências absolutamente indispensáveis para a descoberta dos factos, 2ª E determinou o arquivamento dos presentes autos estribando-se no despacho proferido noutro processo (por corrupção, e injusta, infundamentada e caluniosamente instaurado contra a ora recorrente) e sob o absolutamente extraordinário “argumento” de que apenas não se provou que a aqui assistente tivesse cometido aquilo que lhe foi imputado.

  1. Assim, o MºPº designadamente não inquiriu o advogado do rendeiro, Sr. Dr. FL, como não ouviu o então Director Regional Sr. Engº FM, como também não ouviu os responsáveis da Gest-Sado e ora arguidos (MC e JC), nem inquiriu o advogado da Gest-Sado, Sr. Dr. JB (autor do requerimento à Ministra da Agricultura) – é obra! 4ª Os autos continham já indiciariamente a factualidade – reproduzida com suficiência bastante no RAI, ao invés do erroneamente invocado no despacho recorrido – relativa à prática do ilícito criminal oportunamente participado (denúncia caluniosa), que foi em absoluto desprezada e desconsiderada pelo MºPº, 5ª Mas competia a este ter realizado as diligências indispensáveis para determinar a autoria, e circunstâncias relativas a esta, dos mesmos factos, e todavia o mesmo MºPº não as realizou, 6ª Assim impossibilitando também a assistente – que não é autoridade judiciária nem tem poderes legais de investigação – de os poder apurar e elencar no próprio RAI.

  2. A vertente normativa do artº 120º, nº 2, al. d) do CPP e também 283º, nº 3, al. b), 286º, nº 1, 287º, nº 2, 284º, nº 4, 289º, nº 1 e 290º do mesmo CPP, consagrada na decisão recorrida (representando que no inquérito o MºPº faz o que bem entende e que apenas por omissão do interrogatório dos arguidos e da vítima menor do crime contra a liberdade e a auto determinação sexual gerariam a nulidade da insuficiência do inquérito) é absolutamente violadora da construção constitucional da figura e da fase do inquérito e, mais concretamente, doa artº 32º, nº 4 da CRP.

  3. A solução consagrada no despacho recorrido nega a competência de controle jurisdicional do Juiz de instrução e transforma o MºPº num autêntico, insindicável e jurisdicionalmente incontrolável “dominus” da acção penal, o que a Constituição não consagra e não permite.

  4. A apontada e escandalosa ausência de realização de diligências, para além de representar uma violação completa do estatuto funcional e das competências legais do MºPº (artº 53º da LPP), configura a omissão, totalmente injustificada e infundamentada, de diligências absolutamente essenciais para a descoberta da verdade.

  5. É que a autonomia do MºPº só se afirma se a realização dos actos levados a cabo for coerente com a definição da sua necessidade, pautando-se necessariamente por critérios de objectividade e de legalidade na realização de diligências necessárias à investigação, sob pena de essa autonomia não vincular afinal o próprio órgão que dele dispõe, não o sujeitando aos seus próprios critérios de direcção.

  6. Outro entendimento deixaria sem qualquer conteúdo útil a previsão legal da “insuficiência do inquérito”, constante do artº 120º, nº 2, al. d) do CPP – conforme justamente se consagrou nos Ac. Rel. De Lisboa de 2/3/2004 e de 22/11/16, este no Proc. 582/13.7TDLSB, in dgsi.Net.

  7. Assim, e ao invés do que erroneamente pretende o Mº Juiz a quo, ao Juiz de Instrução compete mesmo sindicar jurisdicionalmente a actuação do MºPº no inquérito, designadamente por falta ou insuficiência do mesmo inquérito.

  8. A oportunamente arguida nulidade do inquérito deveria assim ter sido julgada procedente, ao invés do erradamente decidido no despacho impugnado.

14º E tendo sido essa omissão de diligências por parte do MºPº que impossibilitou a assistente de fazer constar do RAI todos os elementos relativos à autoria dos factos criminalmente puníveis – os quais foram, todavia, adequada e suficientemente descritos no mesmo RAI – nunca poderia uma eventual insuficiência dos elementos relativos à referida autoria ser assacada à assistente, 15ª E, logo, não poderia constituir fundamento legal bastante para a decretada rejeição do mesmo RAI.

Termos em que, Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido, declarando-se a nulidade da insuficiência do inquérito e da decisão de arquivamento nela fundada, determinando-se a remessa ao MºPº para que complete devidamente o mesmo inquérito, pois só assim se fará inteira JUSTIÇA! * Por despacho de 22 de março de 2019, o recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.

Ao recurso respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do mesmo e formulando as seguintes conclusões: 1. O elenco das nulidades, previsto no Código de Processo Penal, está sujeito ao Princípio da Legalidade.

  1. Tais nulidades estão previstas no artigo 119.°, do Código de Processo Penal.

  2. A inquirição de testemunhas não é acto legalmente obrigatório de inquérito.

  3. A não constituição como arguido de quem não era, em sede de inquérito, suspeito, não correndo contra eles inquérito, não é acto legalmente obrigatório que tira de nulidade o inquérito.

  4. O requerimento para abertura da instrução, não estando sujeito a formalidades especiais, deve conter os elementos descritos no n." 2, do artigo 287.°, do Código de Processo Penal.

  5. O despacho judicial que rejeitou o requerimento de abertura da instrução está bem fundamentado e conforme às normas processuais penais.

    Pelo exposto, deve o presente recurso ser indeferido e, consequentemente, manter-se a decisão proferida, fazendo-se, desta forma, JUSTIÇA.

    * Os arguidos JC e MC também responderam ao recurso interposto, alegando, em síntese: (…) 17. Embora, do recurso da Recorrente pareça resultar alguma confusão quanto à decisão da qual ali se recorre-- se do despacho do Ministério Público (que encerrou o inquérito) se do despacho do Juiz de Instrução Criminal (que rejeitou o RAI da Assistente) – considerando a tramitação processual que antecede aquele recurso conclui-se que a Recorrente pretenderá insurgir-se neste momento, por via da sua pretensão recursiva, contra o despacho do(a) Mmo(a) Senhor(a) Juiz de Instrução prolatado nestes autos em 23.01.2019 com referência CITIUS/HABILUS 28327806 8 9 10 18. E a Recorrente parece insurgir-se contra essa decisão porquanto, em suma, no seu entender: a. O inquérito nestes autos é insuficiente uma vez que foi omitida a inquirição de algumas testemunhas que a Assistente reputa agora (depois de encerrado o inquérito) de indispensáveis para descoberta da verdade; b. A interpretação e aplicação do art. 120.º n.º 2 al. d) do CPP da qual não resulte a obrigatoriedade do Ministério Público realizar acriticamente todas as diligências probatórias que a Assistente pudesse pretender produzir na fase de inquérito (porque contrariamente ao que a Recorrente pretende fazer crer, é na verdade só disso que se trata), viola o art. 32.º n.º 4 do CRP (o que sucederá então, no entender da Assistente, quanto ao despacho recorrido), c. Concluindo com base nessas premissas, que a decisão recorrida deveria ter julgado procedente a nulidade de inquérito invocada pela Recorrente; E por último que, d. Por essas razões, as insuficiências dos elementos relativos à autoria do RAI não podem, nem devem levar à rejeição do RAI da Assistente.

  6. Contudo, como teremos oportunidade de demonstrar ao longo da presente resposta, não lhe assiste, porém, qualquer razão quando a nenhum daqueles fundamentos.

  7. Primeiramente e antes de mais, se (como até a própria Assistente reconhece) “os autos continham já indiciariamente a factualidade (…) relativa à prática do ilícito criminal oportunamente participado (denúncia caluniosa)” não se alcança como poderiam ter sido omitidas todas e quaisquer diligências de inquérito como invoca a Recorrente (de forma indistinta, parecendo até, umas vezes que nenhumas diligências foram realizadas, e outras vezes, que apenas algumas diligências não foram realizadas).

  8. A conclusão, diga-se, é aliás bem contrária: se os autos já continham indiciariamente a factualidade que no entender da Recorrente é relativa e bastante para a verificação (indiciária) do cometimento de um crime (e de quem foi o seu agente), então o que se verifica é que a Assistente simplesmente não concorda com o Ministério Público.

  9. E não concorda com o Ministério Público, entenda-se, quando o Titular da Acção Penal, desses mesmos indícios, conclui (correctamente, diga-se) em sentido diferente: ou seja, que os indícios recolhidos não indiciavam factualidade bastante do cometimento daquele crime (nem de quem tenha sido o seu eventual agente).

  10. Se assim é, o que se pode constatar é que não foram omitidas quaisquer diligências essenciais, mas sim, que o despacho que encerrou o inquérito tão só não é do agrado da Assistente.

  11. No entanto a mera circunstância de o despacho que encerrou o inquérito não agradar à Recorrente (e por isso, contra ele se insurge), não configura qualquer causa de nulidade, muito menos a prevista no art. 120.º n.º 2 al. d) do CPP.

  12. Ora, considerando os termos indistintos em que a Assistente, agora recorrente, persiste ao refere-se ao concreto vício que por si é invocado (nulidade prevista no art. 120.º n.º 2 al. d) do CPP) impõe-se novamente repetir (como já se fez em momento anterior destes autos) que a “insuficiência do inquérito” e a “omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade” não são a mesma realidade (ao invés do que, em confusão, parece resultar...

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