Acórdão nº 170/15.3T8PTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução27 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 170/15.3T8PTG.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I - RELATÓRIO 1.

BB, CC, DD, EE, e FF, instauraram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra Associação de Agricultores GG, requerendo a intervenção principal provocada, como seus associados, de HH, II e JJ, com fundamento em que os mesmos também têm o direito de reclamar da ré pelo dano morte e dano moral, na qualidade de sucessores de LL, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de 90.000,00€ a título de danos não patrimoniais resultantes da morte deste, acrescida de juros legais a contar da citação até efectivo e integral pagamento.

Em fundamento da sua pretensão, alegaram ser sucessores de LL o qual veio a falecer em virtude de um acidente de trabalho quando se encontrava ao serviço da ré, já que faleceu quando encaminhava um animal bovino depois deste ter sido leiloado, sendo que aquele se virou repentinamente e lhe espetou um corno na zona abdominal, por a ré não ter assegurado ao falecido qualquer formação no âmbito da segurança e saúde no trabalho nomeadamente formação no maneio de animais, tendo sido essa falta de formação que motivou o acidente que lhe veio a causar a morte.

Mais alegaram que eram uma família feliz e que a morte do LL provocou a todos um profundo desgosto, estimando em 60.000,00€ a indemnização devida pela perda do direito à vida e em 30.000,00€ os danos não patrimoniais pelo sofrimento com a sua morte.

  1. A R. contestou, por excepção, defendendo a incompetência do tribunal em razão da matéria, sustentando ser competente a secção do trabalho, invocando a ilegitimidade dos autores por a lei não atribuir o direito a indemnização a irmãos e sobrinhos do falecido e a caducidade do direito de acção por já haver decorrido mais de um ano a contar da data da morte do referido LL; e, em resumo, invocando que deu ao falecido LL toda a formação adequada ao desempenho daquelas funções, não tendo por conseguinte praticado qualquer facto ilícito e culposo e não lhe podendo ser imputável a qualquer título a ocorrência do acidente dos autos.

  2. Admitida a requerida intervenção principal provocada, HH veio declarar não pretender intervir no processo, JJ veio declarar que se associa aos autores, fazendo seus os articulados por estes apresentados, e II nada disse.

  3. Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as excepções invocadas pela ré, e se procedeu à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

  4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando a presente acção improcedente, por não provada, e em consequência, absolvendo a ré do pedido.

  5. Inconformado, o Interveniente Principal JJ apelou, finalizando a respectiva minuta recursória com as seguintes conclusões: «I- A morte do LL teve como única causa o facto da Ré não ter garantido uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho e, por não ter zelado, de forma continuada e permanente, pelo exercício das suas actividades em condições de segurança e saúde para os trabalhadores.

    II- Tal comportamento, por acção, e/ou omissão foi causa adequada do decesso que não ocorreria, nas condições em que ocorreu, se as instalações, pela sua inapropriada largura, não tivessem permitido que um animal extremamente forte e poderoso se tivesse virado repentinamente e investido brutalmente contra o infeliz trabalhador, que se comportou sempre como devia, não dando causa ao sucedido.

    III- Sendo a Ré, ora Recorrida a única responsável pelo ressarcimento dos danos causados aos familiares, do falecido, ora Autores, nomeadamente de acordo com o disposto nos Arts. 483º, 486º, 493º, 499º, 502º e 505º, “a contrario”, do Código Civil».

  6. A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação.

  7. Observados os vistos legais, cumpre decidir.

    ***** II. O objecto do recurso.

    Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

    Assim, vistas as conclusões do recurso, as questões a apreciar respeitam a saber se da interpretação dos factos provados decorre, como pretende o Recorrente, que a morte de LL, quando se encontrava ao serviço da Ré, ocorreu em virtude desta não lhe ter garantido adequadas condições de formação e segurança, com a consequente obrigação de indemnização.

    *****III – Fundamentos III.1. – De facto Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: «1. As A.A. BB, CC e DD, são irmãs do falecido LL, vítima de acidente de trabalho de que resultou a sua morte; a A. EE, é filha da pré-falecida irmã de LL, Maria … e, FF, é viúva do pré-falecido irmão de LL, Luís ….

  8. LL faleceu sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, sendo que os irmãos ora Autores, a sobrinha EE e HH, filhas da irmã do falecido, Maria … são os seus únicos e universais herdeiros daquele – ainda, FF, viúva do irmão do falecido, Luís …, e sua única e universal herdeira.

  9. Do falecido LL, são ainda irmãos, II e JJ.

  10. O falecido LL celebrou em 28 de Setembro de 2009, um contrato de trabalho a termo certo, com a Associação dos Agricultores GG, na qual ao tempo António M… exercia as funções de presidente da direcção, para desempenhar as funções de apoio à estação de lavagem e desinfecção de viaturas.

  11. Logo que iniciou as funções, na referida data, foi, pela entidade patronal e aqui ré, durante algum tempo, cerca de um mês e meio, colocado junto à balança existente no parque dos leilões de gado que funciona no Campo da Feira nesta cidade de Portalegre, zona onde não existe contacto directo com os animais, para aprender como funcionam os leilões, como se maneava o gado e que trajecto tinha de fazer com o mesmo no desenrolar dos leilões.

  12. Desde data não concretamente apurada, mas logo após ter deixado a zona da balança, até ao dia 5 de Janeiro de 2011, o falecido LL passou a desempenhar as tarefas de tratamento e encaminhamento dos animais das boxes para o redondel onde são licitados e, após licitação, conduzi-los de volta às mesmas boxes.

  13. No dia 5 de Janeiro de 2011, pelas 15 horas e 20 minutos, quando decorria um leilão de gado no mencionado parque, o falecido LL encaminhava um animal bovino, de raça alentejana de 8 anos de idade e com o peso de 880 kg de regresso á boxe, após ter sido leiloado, seguindo atrás do animal, a uma distância de dois a três metros dele, quando o animal se virou repentinamente e o atingiu, espetando-lhe um corno na zona abdominal.

  14. Com o corno do animal espetado no abdómen da vítima, o mesmo foi levantado e carregado pelo animal que o conduziu pelo ar cerca de 20 metros, após o que se soltou do chifre do animal e caiu no chão.

  15. Em consequência de tal cornada sofreu a vítima um traumatismo torácico e abdominal de que resultou ruptura de vasos sanguíneos e órgãos nobres, tais como o rim direito e a aorta abdominal, com o resultado de hemorragia interna abundante, o que levou à sua morte.

  16. A Ré sabia que a actividade de maneio do gado era uma actividade potencialmente perigosa.

  17. À entidade empregadora, foram levantadas duas contra-ordenações laborais, uma grave e outra muito grave, por não ter sido assegurada uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho do falecido LL e, por não ter zelado, de forma continuada e permanente, pelo exercício das suas actividades em condições de segurança e saúde para os trabalhadores.

  18. No âmbito do processo n.º 5/11.6TTPTG que correu seus termos pelos Serviços do Ministério Público – Tribunal Trabalho de Portalegre, em sede de tentativa de conciliação, a Companhia de Seguros Fidelidade Mundial S.A., para quem a Ré havia transferido através da apólice nº AT4023284 a responsabilidade por acidentes de trabalho, aceitaram o acidente descrito como de trabalho e, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, aceitando a Seguradora pagar ao Fundo de Acidentes de Trabalho a quantia de 24.792,00€, em virtude de inexistirem parentes sucessíveis economicamente dependentes do falecido.

  19. Alguns dos aqui Autores (outros faleceram) deduziram no âmbito do processo comum singular que correu seus termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, com o nº 16/11.1TAPTG, pedido de indemnização civil, que foi remetido para os meios comuns em razão do falecimento da então demandante Maria ….

  20. Logo que iniciou funções, o falecido LL passou a receber formação com vista a dar-lhe as necessárias competências enquanto tratador de gado bovino, e mais especificamente no maneio do mesmo no Parque de Leilões da GG.

  21. Dado que inexiste curso específico para essa área de actividade, a formação em causa foi ministrada por funcionários mais antigos e experientes que trabalham no referido Parque de Leilões, designadamente António T…, Amílcar L… e o Dr. Rui M…, médico veterinário responsável pelo Parque.

  22. Numa primeira fase os formandos não têm qualquer contacto directo com os animais, permanecendo na zona da balança, local onde existem grades separadoras de protecção, altura em que lhes é explicado de forma puramente teórica os procedimentos a adoptar, os cuidados a ter e o modo de funcionamento do próprio Parque de...

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