Acórdão nº 90/16.4GFSTB.E1.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução18 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo comum singular n.º 90/16.4GFSTB.E1, da Comarca de Setúbal, foi proferida sentença a absolver o arguido HP da prática de um crime de maus tratos a animais de companhia agravado de que vinha acusado e o arguido PB da prática de três crimes de maus tratos a animais de companhia agravados, de que vinha acusado.

Foram os mesmos arguidos condenados nos termos seguintes: - HP, como co-autor de um crime de maus tratos a animais de companhia agravado cometido sobre a cadela, dos art.ºs 387.º, n.º1 e 2 do Cód. Penal, na pena de dez (10) meses de prisão; como autor material e em concurso efectivo de três (3) crimes de maus tratos a animais de companhia agravado cometidos sobre as três crias (nados vivos), das disposições conjugadas dos art.ºs 387.º, n.º1 e 2 do Cód. Penal, na pena de seis (6) meses de prisão para cada um desses crimes; em cúmulo jurídico, na pena única de dezasseis (16) meses de prisão efectiva. Foi-lhe ainda aplicada a pena acessória de privação do direito de detenção de animais de companhia pelo período máximo de 5 anos.

- PB, como co-autor de um crime de maus tratos a animais de companhia agravado cometido sobre a cadela, das disposições conjugadas dos art.ºs 387.º, n.º1 e 2 do Cód. Penal, na pena de noventa (90) dias de multa, à taxa diária de seis euros (€ 6,00).

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido HP, concluindo: “I- O arguido discorda da decisão aplicada pelo tribunal aquo.

II- O presente recurso tem como objeto toda a matéria de direito da douta sentença proferida nestes autos, a qual condenou o arguido HP.

III- A Sentença recorrida violou os princípios básicos de determinação da pena, plasmados nos artigos 71º e 40º ambos do Código Penal.

IV- A pena única fixada, nestes autos é excessiva e desadequada, violando, também o douto tribunal o previsto no artigo 77º do Código Penal.

V- A decisão recorrida, ao ter considerado os crimes praticado pelo arguido, de natureza diversa há mais de 5 anos, viola não só, o princípio ne bis in idem, mas também a essencialidade dos artigos 40º, 50º e 71º do CP, VI- O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada, (…) atendendo à personalidade do agente, ás condições da sua vida, á sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, (…).

VII- O arguido HP, requer da justiça a ponderação da pena, ainda que in extremis, suspendendo-a na sua execução, uma vez que, a ameaça de prisão, já é bastante e suficiente para o arguido interiorizar o desvalor da sua conduta.

VIII- Entende-se que no atual regime jurídico português, de acordo com o artigo 1576ª do Código Civil, determina que “São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adoção” , não está estabelecida nenhuma destas relações jurídicas com animais.

XI- Sendo assim certo, não ser possível identificar na norma incriminadora dos maus tratos a animais, um bem jurídico.

X- Assim, a punição do maltrato aos animais, assenta em valorações de clara inconstitucionalidade por violação dos artigos 18º, 27º e 62º da CRP.

XI- Ao condenar o arguido HP, nos termos dos artigos 387º e 388º A, do Código Penal, o Tribunal a quo violou deliberadamente e de forma grosseira o quadro jurídico Constitucional vigente.

XII- E mais, o artigo 40º do Código Penal, consagra bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

XIII- Estando vedado ao legislador, ultrapassar os limites plasmados no artigo.

XIV- O Tribunal a quo violou, o artigo 27º da CRP, porquanto in casu, as normas aplicadas sob a epigrafe “crime de maus tratos a animais de companhia”, previstos e punidos pelos artigos 387º e seguintes do CP, não salvaguardam direitos ou interesses que detenham manifestação e proteção constitucional.

XV- Ao balizar e condenar o arguido, nos termos em que o fez, o Tribunal A quo, violou os artigos 18º, 27º, e 62º da CRP.

XVI-Violou os artigos 40º, 43º, 50º, 58º, 71º e 77º do Código Penal.

XVII- Não é demais referir, que os animais têm um papel relevante na vida dos seres humanos, o que não podemos ultrajar é o Direito, levando o legislador a entroncar restrições, a punir condutas, sem atender aos princípios orientadores do Direito Penal.

XVIII- É pertinente afirmar que a decisão a quo está eivada de inconstitucionalidades por violação expressa e grosseira dos artigos, 2º nº 2, 18º, 27º e 62º da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que e nos melhores de Direito que V. Exas, doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e consequente absolvição na consideração das inconstitucionalidades materiais contidas nos artigos elencados ou a substituição da pena por outra que se coadune com a pretensão exposta.” O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo: “1. Os animais de companhia são seres vivos dotados de sensibilidade, com estatuto jurídico próprio, a quem os seus donos devem assegurar o bem-estar e são merecedores de tutela jurídica mais concreta daquela que é reconhecida à fauna em geral pelo que o art.º 387.º do Código Penal é conforme à Constituição da Republica Portuguesa.

  1. Tendo ficado provado que o Recorrente foi co-autor da prática de quatro crimes de maus tratos a animais de companhia agravados (pela morte dos animais), que as necessidades de prevenção geral são significativas, que as necessidades de prevenção especial foram consideradas pela existência de dois antecedentes criminais ainda que de diferente natureza, que a culpa do Recorrente é muito elevada, que o grau de ilicitude dos factos foi considerada muito elevado e que agiu com dolo, a pena aplicada mostra-se proporcional, adequada e suficiente.

  2. Salvo melhor opinião, é manifesto que não se encontram reunidos os requisitos legais para que a pena de prisão em que o Recorrente foi condenado deva ser suspensa na sua execução, porquanto a simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção.” Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer, pronunciando-se no sentido da procedência parcial do recurso (procedência na parte relativa ao pedido de aplicação de prisão suspensa).

    Não houve resposta ao parecer. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

  3. Na sentença, consideraram-se os seguintes factos provados (na parte que interessa ao recurso): “1. Desde data não concretamente apurada mas desde 2012 até ao dia 03 de Fevereiro de 2016 o arguido HP deteve consigo na sua residência, sita na Estrada dos Espanhóis…, Pinhal Novo, nesta comarca de Setúbal, uma cadela de nome «Pantufa», de pelagem média lisa e cor castanha, raça Pastor Alemão.

  4. O arguido HP pese embora detivesse o referido animal aos seus cuidados, privou-a de cuidados de vacinação e de assistência médico veterinária regular.

  5. O arguido HP pese embora também soubesse que a cadela não se encontrava esterilizada, manteve-a presa à corrente, ainda que com o cio, não a protegendo de outros cães machos que detinha, sendo a mesma coberta por outros animais.

  6. O arguido HP pese embora conhecesse da gravidez da cadela que detinha privou-a de cuidados médicos veterinários necessários, atento o seu estado de gestação.

  7. No termo do período de gestação, no dia 03 de Fevereiro de 2016, o arguido HP vendo que a cadela iniciara o processo de parto decidiu não pedir assistência veterinária.

  8. Após várias horas sem que a cadela «Pantufa» concretizasse a expulsão fetal completa, o arguido HP decidiu proceder por si à extracção dos animais.

  9. Para o efeito, o arguido HP solicitou ao arguido PB, cujo contacto lhe foi indicado por DM, que o auxiliasse uma vez que não conseguia sozinho imobilizar o animal, o que aquele aceitou.

  10. Assim, na prossecução da conduta que se havia determinado a realizar, na zona exterior da residência solicitou ao arguido PB que segurasse o animal, o que este fez.

  11. Nessas circunstâncias, estando a cadela viva e consciente, o arguido HP com o recurso a um objecto cortante não identificado procedeu a uma incisão vertical grosseira e irregular com cerca de 15 cm, cortando a parede abdominal e o útero.

  12. Depois de conseguir esventar o animal, o arguido HP retirou do interior do seu útero pelo menos seis crias, três delas com vida, deixando dois fetos ainda no interior da cavidade pélvica, um dos quais com o cordão umbilical em conexão com o útero.

  13. O arguido HP em seguida procedeu ao encerramento do corte que realizara através de pontos simples através de técnica de sutura, mas apenas sobre a parede abdominal, já que deixou aberto o útero ainda com dois fetos no seu interior.

  14. A cadela, ainda com vida, coberta de sangue e líquido, com dor extrema e em grande sofrimento foi deixada prostrada no chão no quintal da residência pelo arguido HP, indiferente ao seu estado.

  15. O arguido HP ao invés de providenciar por cuidados médicos, calor e alimento às crias nascidas com vida decidiu colocar todas as seis crias - indiferente ao facto de estarem vivas ou mortas - dentro de um saco de plástico no contentor do lixo.

  16. A cadela detida pelo arguido HP resistiu, em grande sofrimento, sem quaisquer cuidados durante pelo menos uma hora, vindo a falecer em consequência da conduta descrita a que foi sujeita.

  17. As três crias que nasceram vivas (nados vivos), por terem sido abandonadas pelo arguido HP no interior do contentor do lixo, acabaram por falecer no dia 03 de Fevereiro de 2016, devido a inanição e hipotermia.

  18. Os arguidos HP e PB cientes das condutas conjugadas que empreendiam, quiseram e conseguiram esventar o animal vivo e consciente, infligindo-lhes dor e sofrimento.

  19. O arguido PB conhecia e aceitou o plano delineado pelo arguido HP, agindo ambos de comum acordo em concertação de esforços e divisão de tarefas, conformando-se com a conduta que cada um viesse a adoptar.

  20. O arguido HP ao esventrar o animal e o arguido PB ao manietar a cadela, admitiram como possível que das suas condutas conjugadas viesse a...

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