Acórdão nº 538/17.0PBELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelFÁTIMA BERNARDES
Data da Resolução26 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 538/17.0PBELV, do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Juízo Local Criminal de Elvas, foi a arguida (...), melhor identificada nos autos, acusada da prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal – acusação deduzida pelo Ministério Público – e de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal – acusação particular deduzida pela assistente (...) e que o Ministério acompanhou –.

1.2. A assistente (...) veio desistir da queixa apresentada contra a arguida, tendo, por despacho judicial proferido em 03/12/2020, sido homologada quanto ao crime de injúria, com a consequente extinção do procedimento criminal, no respeitante a esse crime e tendo a desistência sido considerada ineficaz, no respeitante ao crime de ameaça agravada, por revestir natureza pública, pelo que, foi determinada a prossecução do procedimento criminal relativamente ao mesmo crime.

1.3. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo, a final, sido proferida sentença, em 16/12/2020, depositada nessa mesma data, a qual julgou a acusação totalmente procedente, por provada, condenando a arguida, pela prática, como autora material, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo a multa global de €250,00 (duzentos e cinquenta euros).

1.4. Inconformada com o assim decidido, recorreu a arguida para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as seguintes conclusões: «A- A arguida (...), ora recorrente foi condenado pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artigos 153º, nº. 1 e 155º. nº. 1 al a) por referência ao artigo 131, do C.Penal, na pena de cinquenta dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco) euros, o que perfaz o montante de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).

B- Não se conforma a arguida com esta condenação, por considerar, que deve ser a mesma absolvida. Essa absolvição prende-se com três fundamentos essenciais: C- I - Existiu desistência de queixa em fase anterior ao julgamento, mas não foi a mesma aceite, por ter o tribunal a quo, considerado que o crime de ameaça agravado, tem natureza publica.

1- O crime de ameaça agravada é um crime de natureza semipúblico, se não vejamos: 2- Entendemos que o crime de ameaça agravada do artigo 155º, nº. 1 do C. Penal mantém a natureza do “crime mãe”, isto é, da ameaça do artº. 153 do C. Penal.

Porque as circunstâncias descritas na agravação, têm como finalidade agravar a moldura penal, mas não acrescentam ou modificam o tipo legal de crime de raiz. Além do mais, sem a participação criminal por parte do ofendido, quanto ao crime de ameaça ou ameaça agravada, nunca o processo seria promovido. Logo depende de queixa para o procedimento criminal, consequentemente é um crime semipúblico.

3- Isto é, as circunstâncias agravantes nada acrescentam, que pressuponha o preenchimento do ilícito com outros elementos. Apenas agravam o tipo, mas mantêm a sua génese, pois não se deve estabelecer um paralelo com os crimes de resultado, tais como o homicídio, roubo, furto entre outros.

4- Vai neste sentido o entendimento doutrinal dos Professores Eduardo Correia e Figueiredo Dias, isto é, que o tipo base de crime do artigo 153º, ameaça, não foi alterado na sua natureza na sua matriz, mesmo com a alteração legislativa de 2007, (Lei nº. 59/2007). O legislador em 2007, não quis alterar a natureza do crime base – semipúblico- artigo 153º, nº. 2 do C. Penal..

5- Face a tudo o anteriormente exposto, deveria o tribunal recorrido ter recebido a desistência de queixa, apresentada pela assistente e consequentemente, ter arquivado o processo.

C-II Elementos objectivos do crime de ameaça: Temos que o bem protegido por esta incriminação legal é a liberdade de decisão e de acção de outra pessoa. Os elementos objetivos do tipo são os seguintes:

  1. A existência de um mal; b) Que o mal seja futuro; c) A ocorrência depende da vontade do agente; d) Esse mal tanto pode ser de natureza pessoal, como patrimonial, desde que seja futuro; e) É irrelevante o prazo de concretização, assim como o é a sua efectiva concretização; f) O objeto da ameaça tem de constituir crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade de autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.

    6- A Assistente e as testemunhas de acusação referem, tal como consta da douta sentença ora recorrida, que a arguida terá proferido a seguinte expressão: “Eu mato-te”. Nos presentes autos, o elemento objectivo do crime não se encontra preenchido, porque seria necessário, o carácter futuro do mal anunciado. Pois se a ameaça é iminente então estaremos perante a tentativa ou o início da execução do crime e nestas circunstâncias a liberdade de determinação nunca chega a ser afetada 7- Ora com a expressão “Eu mato-te”, o anúncio do mal é iminente, e para que se preencha este tipo de crime o mal tem que ser futuro. Quer isto dizer que o mal, objeto da ameaça tem de ser futuro, neste sentido veja-se o Ac. R.P. nº. 0712156, 28/11/2007, in www.dgsi.pt “O mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal” 8- A conduta típica do agente deve gerar insegurança, intranquilidade ou medo no visado, de modo a condicionar as suas decisões e movimentos a partir dali.

    Assim, se a ameaça se consuma no momento em que é proferida, tal não sucede, pois esgota-se ao não ficar o visado condicionado nas suas decisões e movimentos dali para diante.

    9- Não foi dado como provado o condicionamento de acção por parte da assistente, aliás é dado como não provado que a mesma tenha sentido medo. Vejamos: A assistente só apresentou queixa por estes factos um mês depois; Não deduziu pedido de indemnização nos autos; apresentou desistência de queixa…Ora se a mesma se sentisse condicionada, insegura, intranquila, teria apresentado queixa de imediato, teria apresentado pedido de indemnização, e não teria desistido da queixa. Ao não agir deste modo a assistente não se sentiu ameaçada. Logo não se preencheu o tipo legal de crime em questão por falta do elemento objetivo – “Que o mal seja futuro”.

    10- No contexto factico da decisão ora recorrida, é muito difícil concretizar a consumação do crime de ameaças, quando o circunstâncialismo para a factualidade descrita, se prende com o relacionamento amoroso existente entre a arguida e o Sr. (…), ex-marido da assistente.

    11- Porém não se provou que a personalidade da arguida fosse de uma pessoa violenta, geradora de conflitos e discussões. Logo a ameaça, não é susceptível de ser adequada, por não poder ser tomada a sério pelo ameaçado.

    A assistente referiu, conforme se transcreveu supra, confrontada com o efeito da expressão, “Eu mato-te” o que a assistente refere é a seguinte: … “é uma situação chata…” 12- Neste sentido o Ac. Da Relação de Coimbra de 05/06/2019 (Proc. 961/17.0PBVIS.C1, disponível in www.dgsi.pt: “… À guisa de conclusão, a ameaça adequada é aquela que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado, tendo em conta as suas características pessoais.” Face a tudo o já referido, não deve entender-se, o comportamento da arguida como adequado a causar ameaça que, face às circunstâncias em concreto e à personalidade do arguido, é de molde a causar intimidação ou intranquilidade no homem médio.

    CIII Quanto ao tipo subjectivo do crime de ameaças: 13- Ora, o tipo subjectivo do ilícito, isto é o dolo do tipo – abrange o elemento intelectual, ou seja a representação que o agente faz dos elementos objectivos da norma incriminadora, inclui também o elemento volitivo, corresponde à vontade do agente realizar tais factos ou atingir o efeito dessa realização. A arguida ao proferir a expressão em causa, não a representou como uma ameaça, por lhe faltar a projecção futura, de ameaça, nem causou intimidação ou intranquilidade na assistente… (elemento objectivo) 14- O elemento subjectivo do crime de ameaça, é expresso na acusação do seguinte modo: actuar de forma livre – isto é, podendo o agente agir de outro modo, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico; Voluntária ou deliberadamente, querendo a realização do facto; conscientemente – isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto e finalmente sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei 15- No caso, dos autos de acordo com a acusação resulta o seguinte: Ponto 2 da acusação “Ao proceder conforme descrito, a arguida agiu de forma livre e consciente, com a intenção de intimidar e amedrontar (…), fazendo com que esta temesse pela sua vida, bem sabendo que a sua conduta era apta a alcançar tal resultado”. Ora neste pressuposto a acusação deveria referir que a arguida agiu de modo livre, voluntário e consciente, falta a vontade, o elemento volitivo, querer a realização do facto, não estando presente este elemento na acusação, não pode em sede de julgamento ser integrado o elemento do tipo subjectivo em falta.

    A consequência só pode ser a absolvição da arguida por improcedência da acusação.

    16- Na acusação, falta um dos elementos subjectivos do tipo do crime de ameaça é, a vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor. Neste sentido, decidiu o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº. 1/2015, ao estabelecer o seguinte: “A falta de descrição na acusação dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de...

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