Acórdão nº 2447/18.7TBSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelTOMÉ RAMIÃO
Data da Resolução24 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora *** I. Relatório.

  1. BB (Portugal), SA intentou a presente ação declarativa comum condenatória contra CC, Lda., e DD, com os sinais dos autos, pedindo a condenação dos Réus, solidariamente, no pagamento da quantia de €68.240,71.

    Alegou, em síntese, que no âmbito da sua atividade comercial forneceu mercadoria à R. CC, Lda., que esta não pagou, tendo o R. DD assumido pessoalmente o pagamento do montante em dívida, o que não fez até ao momento.

    A R. CC, Lda., devidamente citada, não apresentou contestação.

    O R. DD deduziu contestação, alegando, em suma que não assumiu pessoalmente o pagamento da dívida da R. CC, da qual era gerente, tendo toda a negociação ocorrido sempre entre as empresas A. e R..

    Foi realizada audiência prévia, com fixação do objeto do litígio e indicação dos temas de prova.

    Realizado o julgamento, foi proferida a competente sentença, que julgou a ação procedente e condenou solidariamente os Réus no pagamento da quantia peticionada pela A. no montante de € 66.254,10, acrescida dos juros de mora vencidos no montante de € 1.986,61, num total de € 68.240,71 (sessenta e oito mil, duzentos e quarenta euros e setenta e um cêntimos).

    Inconformado com esta sentença veio o Réu interpor o presente recurso, formulando, após alegações, as seguintes conclusões: 1. É entendimento do recorrente que o douto despacho recorrido viola o disposto no n.°3 do artigo 3.° do Cód. de Proc. Civil, integrando a violação do princípio do contraditório, o que, salvo melhor opinião, consubstancia a prática de uma nulidade processual, que influiu no exame ou decisão da causa. A douta sentença em crise refere na sua fundamentação um documento denominado e-mail que não foi apresentado ao Réu nem com a contestação nem na audiência de julgamento coartando assim a sua defesa ao impedir que o mesmo se pudesse pronunciar sobre o referido documento impugnando-o até no que respeita á sua genuinidade.

  2. Na verdade, dispõe o n° 3 do art.° 3.° do CPC que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório, não lhe sendo licito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem...” 3. Ora, a não observância do princípio do contraditório, no sentido de ser concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as questões que importe conhecer, na medida em que possa influir no exame ou decisão da causa, constituiu uma nulidade processual nos termos do artigo 201.° 1 do CPC, obedecendo a sua arguição á regra geral prevista no artigo 205.° do CPC (Ac. ReI. Évora de 1.4.2004).

  3. Assim, antes de proferir a decisão o juiz deve conceder às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre todas as questões, ainda que de direito e de conhecimento oficioso, sendo proibidas as decisões surpresas.

    1. No caso vertente, compulsados os autos, constata-se especificamente em relação ao documento junto em audiência, não ser admitidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas conforme art.º 415.º CPC 6. Deste modo, entendemos, salvo o devido respeito, que ao Tribunal da Relação deverá revogar a sentença do tribunal da primeira instancia por esta ser nula em virtude de violação de normas substantivas do direito processual civil designadamente dos art.º 423º nº3, 427.º 415º, art.º 3º e art.º 4º CPC imperioso é concluir que, considerando o apelante ( como considera ) que, de alguma forma, o Juiz a quo, aquando da sua decisão de 17/01/2019 , alegadamente cometeu uma nulidade porque nela conheceu de questão que não devia conhecer, violando assim o princípio do contraditório e consubstanciando tal decisão, em rigor, uma decisão-surpresa, estando a pretensa nulidade cometida sancionada/coberta por uma decisão judicial , só através de interposição do competente recurso pode ela ser alterada, o que tudo decorre do disposto no artº 613º, do Cód. de Processo Civil, quanto mais não seja revogada para que o contraditório seja então respeitado.

    2. O conjunto dos factos provados e dos demais aspetos perscrutáveis no teor dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento eram suficientes para permitir que o Tribunal a quo pudesse ter concluído que aos factos na nossa modesta opinião e atenta a toda a prova produzida pela Ré deveriam ter sido dado como não provado o seguinte facto: a) O facto descrito na sentença com nº 31-O R. DD afirmou, em reunião mantida nas instalações da A. com Paulo S… e Tiago H…, que assumiria pessoalmente o pagamento da dívida, no caso de a 1ª Ré não o conseguir fazer”.

    3. Este facto deveria ter sido julgado não provado atentos os depoimento da testemunha Carlos O…, Tiago H… pois nunca tal foi assumido pelo Réu.

  4. A contradição entre os factos e a fundamentação é notória se por um lado a sentença refere perentoriamente que não existiram quaisquer reuniões em que o réu, na sua capacidade de sócio e gerente, tenha assumido qualquer dívida pessoalmente, por outro lado refere que numa determinada reunião, já desprovido de qualquer qualidade jurídica ou ligação á Ré CC, assume a dívida sendo esta conclusão desprovida de qualquer prova sendo que atenta as contradições entre os factos e a fundamentação e ao abrigo do artº 615 nº1 al c ) CPC devera a sentença em crise ser nula.

  5. Nunca o réu DD disse que assumiria o pagamento da divida no caso da 1ºRe não o conseguir fazer nem existe qualquer prova, depoimento ou indício nesse sentido, aliás temos como FACTO NÃO PROVADO "O R. por diversas vezes em reuniões com os órgãos sociais da A. afirmou que assumiria pessoalmente o pagamento da divida" e como FACTOS PROVADOS “Até à data de 27/11/2017 o Réu sempre atuou como gerente da 1ºRé e "O R. DD afirmou, em reunião mantida nas instalações da A. com Paulo S… e Tiago H…, que assumiria pessoalmente o pagamento da dívida, no caso de a 1ª Ré não o conseguir fazer ", configurando esta uma contradição entre os factos e a fundamentação ao abrigo do artº 615 nº1 al c ) CPC devera a sentença em crise ser nula.

  6. Nos termos do artigo 595º, nº 1, alienas a) e b), do Código Civil, a assunção da dívida pode ter lugar em duas circunstâncias, por contrato entre o antigo e o novo devedor ou por contrato entre o novo devedor e o credor.

  7. Consagrando a regra segundo a qual, a ninguém deve ser imposto um benefício contra a sua vontade, exige-se no 1º caso a retificação pelo credor e no 2º o consentimento do antigo devedor. Neste caso não era vontade do Reu assumir a dívida.

  8. A questão suscitada pelo Recorrente cinge-se ao invocado erro na subsunção jurídica dos factos, nomeadamente por falta dos pressupostos legais de assunção da dívida previstos no artº 595 CC e ainda violando os art 219º, 268 nº2 e 262 nº2 do CC.

  9. Em suma, o recorrente estriba a sua discordância no argumento de que a matéria de facto provada é insuficiente para, por um lado, traduzir uma assunção de dívida pelo réu, pessoa singular, e insuficiente para consubstanciar uma obrigação de dívida ou garantia de pagamento do débito á sociedade autora BB.

  10. Entendemos, salvo o devido respeito, que ao Tribunal da Relação devera revogar a sentença do tribunal da primeira instância por esta ser nula, em virtude de violação de normas substantivas do direito processual civil designadamente dos art 423º nº3, 427º 415º art 3º e art 4º CPC aplicando-se o disposto no artº 613º, do Cód. De Processo Civil, quanto mais não seja revogada para que o contraditório seja então respeitado ou caso Vª Exª assim o entendam a existência da contradição entre os factos e a fundamentação da sentença e ao abrigo do artº 615 nº1 al c ) CPC devera a sentença em crise ser nula alterando-se o facto provado nº31 dos factos provados para não provados entendendo ainda o reu a não aplicabilidade da assunção de divida prevista no art 595º do CC.

    *** A Autora não contra alegou.

    O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito devolutivo.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    ***II. Âmbito do Recurso.

    Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que as questões essenciais a decidir são as seguintes: a) Nulidade da decisão proferida em 9/01/2019, por violação do princípio do contraditório; b) Nulidade da sentença nos termos da alínea c) do n.º1 do art.º 615.º do CPC; c) Alteração do ponto 31 da matéria de facto; d) Assunção de dívida pelo 2.º Réu e sua responsabilidade pelo pagamento.

    ***III.

    Fundamentação fáctico-jurídica.

  11. Matéria de facto.

    A matéria de facto a considerar é a seguinte: 1- A Autora é uma sociedade anónima que se dedica à comercialização e assistência técnica em tintas para navios e ainda o fabrico de tintas, diluentes e produtos afins.

    2- A Ré CC, Lda. é uma sociedade por quotas e dedica-se à atividade de revestimentos e tratamentos de metais, nomeadamente, pintura dos mesmos, exploração de gabinetes de engenharia, nomeadamente, elaboração de projetos elétricos, construção civil e instalações elétricas de baixa tensão.

    3- Por sua vez, o Réu DD foi sócio e gerente da Ré CC, Lda. até 27-11-2017, data em que renunciou a gerência; 4- No âmbito da sua atividade, a Autora forneceu bens e serviços à 1ª Ré, no valor total de €73.070,61 (setenta e três mil e setenta euros e sessenta e um cêntimos).

    5- Com emissão das seguintes faturas: Fatura n.º FT 01/68036, datada de 05-04-2017 e com vencimento em 05-07-2017, no valor de €8.464,86; 6- Fatura n.º FT 01/68847, datada de 27-04-2017 e com vencimento em 27-07- 2017, no valor de €7.035,60; 7- Fatura n.º FT 01/68898, datada de 28-04-2017 e com vencimento em 28-07-2017, no valor de €552,27; 8- Fatura n.º FT 01/68996, datada...

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