Acórdão nº 109/12.8GDARL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Janeiro de 2019
Magistrado Responsável | ANA BARATA BRITO |
Data da Resolução | 22 de Janeiro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na Secção Criminal: 1.
No Processo Comum Singular nº 109/12.8GDARL, do Tribunal Judicial da comarca de Évora, foi proferida sentença a condenar o arguido FF como autor de um crime de ofensa à integridade física simples do artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, numa pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.
Foi ainda o mesmo arguido, enquanto demandado civil, condenado no pagamento ao demandante Hospital Distrital de Santarém do montante de €1.024,64 de indemnização por danos patrimoniais, acrescido de juros moratórios à taxa legal de 4%, contados desde a notificação para contestação do pedido até pagamento.
Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo: “1º O aresto judicial recorrido condena o Arguido pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143º, n.º 1do C Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão efectiva bem como assim condenação no pagamento ao demandante Hospital de Santarém do montante de €1.024,64 (mil e vinte e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, actualmente de 4%, contados desde a notificação para contestação do pedido de indemnização civil até integral pagamento, absolvendo-o por outro lado, do crime de furto.
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Em face da prova carreada para os autos e da prova produzida em julgamento, impõe-se flagrantemente decisão diversa porquanto se constata: - Que foram incorrectamente julgados os factos que o Tribunal a quo julgou como provados e não provados, impondo-se decisão diferente quanto à matéria de facto, através da reapreciação da prova, nos termos do art.º 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP; - Que se verificam vícios no texto do Acórdão recorrido, nos termos do art.º 410º, n.º 2 CPP; - Nulidade da Sentença por violação do art.º 125º e 147º, ambos do CPP (apreciação de prova não admissível); - Que foi incorrectamente determinada a medida concreta da pena; - Que foi indevidamente atribuído quantum indemnizatório por danos patrimoniais.
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Entendeu o Tribunal a quo dar como provado, de entre outros factos, os constantes dos pontos 1., 2., 3., 4., 5., 6. e 7., estribando-se no depoimento da testemunha PP, da testemunha PA, documentos clínicos e exame pericial juntos aos autos.
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Todavia o Tribunal a quo incorre no vício do art.º 410º, n.º 2 al. c) CPP, em razão da incompatibilidade entre o meio de prova invocado na fundamentação e os factos dados como provados com base nesse meio de prova.
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É que Tribunal a quo dá como provado nos pontos 2., 3., 4. e 7. , i. é, que em razão da conduta do arguido adoptada em 22JUL2013, que consistiu em desferir vários socos e pontapés na face e corpo de PP, que este teve que necessidade de receber tratamento hospitalar no Hospital de Santarém, porquanto sofreu dores e traumatismo torácico abdominal e traumatismo do nariz, fundamentando-se o Aresto recorrido na documentação clínica junta aos autos conjugada com o depoimento do ofendido (Aresto recorrido, pág. 8 da Sentença, 1º parágrafo).
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Sucede que a documentação invocada não permite tal conclusão, porquanto o Relatório Completo de Episódio de Urgência, constante de fls. 149 e ss, exara que a entrada nas urgências ocorre apenas ao final da tarde do dia 22JUL2013 (quando a pretensa agressão teria ocorrido quase 24 horas antes – 22JUL2013 pelas 02h da madrugada), por motivo de queda de escadote de altura de 3 a 4 metros de altura.
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Além que de não parece verosímil que o alegado ofendido (o qual afirmou estar “um bocado tocado” com álcool!), depois de se dizer brutalmente agredido pelo arguido às duas horas da madrugada, com o nariz partido, apenas se desloque para o hospital quando se encontravam decorridas quase 24 horas sobre os alegados factos! 8.º Não está ultrapassada a discrepância entre os documentos clínicos e a descrição e imputação dos factos feita pelo ofendido em julgamento, com base na singela justificação oferecida pelo ofendido, designadamente, de que, como a sua mulher trabalha de noite, não quis contar-lhe a verdade e quando ela se levantou disse-lhe que tinha caído, porque não queria dizer onde é que tinha estado.
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O Tribunal a quo confunde dois prismas significativamente distintos: (i) Aquilo que o ofendido terá dito à mulher posteriormente aos factos para que ela não soubesse por onde ele tinha andado; (ii) Aquilo que o ofendido informou aos clínicos no hospital, no qual foi atendido, para efeitos de tratamento.
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Nem implicitamente resulta das declarações do Ofendido que este tenha mentido na urgência sobre o sucedido – sendo certo que não consta que estivesse acompanhado pela mulher ao hospital, não existindo, portanto, motivo para mentir.
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Aliás, é de motu próprio que o Ofendido afirma que estava alcoolizado, ao ponto dizer que só sentiu dores no dia seguinte às agressões que terão, alegadamente sido perpetradas pelo Arguido (e que implicaram o internamento do Ofendido por 16 dias e mais 20 de permanência em casa).
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Ora, como resulta das regras de experiência comum e critérios da normalidade da vida, apenas alguém em acentuadíssimo e completo estado de embriaguez, quase em estado de coma alcoólico, é que não sentiria dores no momento em que era agredido nos termos e moldes narrados pelo Ofendido, pois apenas uma enorme taxa de álcool amaciaria as dores até ao dia seguinte.
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Não parece plausível nem verosimilhante a razão apontada pelo Ofendido para justificar a discrepância entre o que conta dos documentos clínicos e o que afirma em julgamento, sendo certo que tal versão não foi corroborada pela pretensa esposa que nem sequer depôs como testemunha, como conviria e facilmente se compreenderia.
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Não se vê, por conseguinte, porque motivo haverá a pretensa explicação do Ofendido ter maior rigor de credibilidade do que o que consta dos documentos clínicos.
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Assim, não podia o Tribunal a quo formar a sua convicção no dito documento para criar o nexo causal entre a entrada de PP nas urgências do Hospital de Santarém e tratamento hospitalar prestado ao mesmo, com umas alegadas agressões perpetradas pelo arguido.
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Perante a incompatibilidade entre o meio de prova invocado na fundamentação e os factos dados como provados nesse meio de prova, incorre o Tribunal a quo em vício de erro notório, nos termos do art.º 410º, n.º 2 al. c) CPP.
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Indicam-se como concretos meios de prova para dar como NÃO PROVADOS os referidos factos (ponto 1.), os seguintes: • Documentos constantes de fls. 121 e seguintes (contrato de trabalho do arguido e declaração de despedimento com data anterior aos factos); • Cota de fls. 109 dos autos; • Depoimento da testemunha PA (acta de 06MAR2014 pelas 14h00 com a ref.ª 580335 – gravação digital de 14:35:36 a 14:39:33 – com particular destaque para os períodos de 00:02:00 a 00:02:30 00:02:30 a 00:02:40 00:00:40 a 00:01:00 – transcrição literal supra).
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Ou seja, o Arguido nunca foi segurança nem exerceu essas funções, mas sim as de comercial comissionista (com a função de angariação de novos clientes e prospecção de mercado de Norte a Sul do País e acompanhamento dos clientes já existentes sob as indicações da gerência), sendo que a empresa de segurança (AFES) para a qual trabalhou nunca prestou serviços para o estabelecimento comercial “Discoteca Latina” (local onde ocorreram os factos) e, além do mais, o arguido já tinha sido despedido da empresa em 20FEV2012, portanto em data anterior à data da alegada prática dos factos (22FEV2012).
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Além de que a referida testemunha nem sequer conhecia o arguido como segurança, desconhecendo ainda quem eram os seguranças.
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Indicam-se como concretos meios de prova para dar como NÃO PROVADOS os factos constantes dos pontos factos 2., 3., 4., 5., 6., 7., os seguintes: • Relatório Completo de Episódio de Urgência, constante de fls. 149 e seguintes.
• Depoimento da testemunha PP (acta de 18FEV2014 pelas 10h10 com a ref.ª 576973 – gravação digital de 10:19:12 a 10:46:03 – com particular destaque para os períodos de 00:03:00 a 00:03:15 00:15:50 a 00:16:15 00:10:30 a 00:10:45 00:03:15 a 00:04:30 00:18:45 a 00:18:55 00:20:10 a 00:23:00 – transcrição literal supra).
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Ou seja, já se constatou o erro notório da Sentença recorrida ao fundamentar-se no Relatório de Urgência referente a PP no Hospital, para estribar o nexo causal entre as lesões e queixas apresentadas no hospital com uma pretensa conduta agressiva do arguido contra o ofendido.
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Na verdade, o ofendido deu entrada nas urgências, quase 24 horas (!!) depois da alegada prática dos factos pelo arguido, por queda de escadote de uma altura de 3 a 4 metros, o que lhe provocou as ditas queixas e lesões, a saber, traumatismo torácico-abdominal esquerdo e traumatismo facial, inexistindo qualquer menção a agressão, sendo que a versão da agressão perpetrada pelo arguido contra o ofendido só viria surgir muitos dias depois da data da alegada prática dos factos.
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Quanto à autoria dos factos e identificação do agente criminoso, o ofendido referiu que na entrada da “Discoteca Latina” estavam DOIS indivíduos (e não um, apenas), e referindo-se sempre, quanto à imputação dos factos, à terceira pessoa do plural “eles”, conjugando os verbos também na 3.ª pessoa do plural “pediram-me”, “disseram-me”.
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E foi no estado de embriagado (que levou a que só tivesse dores no dia seguinte à agressão!), que o ofendido se deslocou aos alegados seguranças, por mais do que uma vez, a pretexto de um sobrinho seu também ser segurança e praticar Muay Thai; Insistindo com um deles (dos seguranças), que atendessem e falassem com o seu sobrinho por telemóvel, pois o ofendido ligou para esse seu sobrinho.
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E, nessa altura, foi atingido na cara – uma vez (!) –, não sabendo exactamente onde, perdendo de imediato os sentidos, nada mais se recordando, nem quanto a que tipo de agressão foi alvo nem por quem foi cometida.
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A testemunha/ofendido apenas fala no plano das hipóteses.
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Por conseguinte...
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