Acórdão nº 850/17.9T9FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução26 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO 1. Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correu termos no Juízo Criminal de Faro (J3) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o Ministério Público acusou MM, casada, professora (reformada), nascida a 11-04-1948, imputando-lhe a prática de um crime de difamação agravado, previsto e punível, pelos artigos 180.°, n. 1, 184.°, 188.°, nº 1, alínea a), com referência ao 132.°, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, perpetrado na pessoa do advogado BB.

  1. Constituído assistente, o ofendido, BB, veio deduzir pedido de indemnização civil contra a arguida pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 6 000,00, a título de danos não patrimoniais por si sofridos com a conduta da arguida.

  2. Realizada a Audiência de julgamento, o tribunal singular julgou a acusação improcedente e absolveu a arguida do crime que lhe vinha imputado e do pedido cível contra si deduzido pelo assistente.

  3. Inconformados, vieram o MP e o assistente interpor recurso da sentença absolutória.

    4.1.

    O MP extrai da sua motivação as seguintes conclusões: - «EM CONCLUSÃO: 1º - A arguida MM foi julgada pela prática dos factos descritos na acusação pública constante de fls. 137 a 142, imputando-lhe factos passíveis de integrar a prática, em autoria material, de um crime de difamação agravada, previsto e punível pelos artigos 180.°, n.º 1, 184.°, 188.°, n. 1, alínea a), com referência ao 132.°, n.º 2, alínea 1), todos do Código Penal, perpetrado na pessoa do advogado BB.

    Realizado julgamento, a arguida foi absolvida do crime de que vinha acusada, tendo o Tribunal julgado como provados apenas seguintes factos: "1.

    BB exerce a profissão de advogado, usando o nome profissional de BB, tendo sido mandatado por JJ, ex-marido da aqui arguida MM, para intervir em sua representação, em diversos processos judiciais instaurados por esta contra aquele, entre os quais no Processo n.º ---/15.2T8FAR que correu termos no Juízo Central Cível de Faro, Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro.

    1. No dia 25 de Janeiro de 2017, no âmbito do Processo n.º ---/15.2T8FAR descrito em 1., BB, mandatário do ali Réu JJ foi notificado de dois escritos subscritos pela arguida MM, que deram entrada naqueles autos, no dia 24 de Janeiro de 2017.

    2. No requerimento apresentado pela arguida MM no processo descrito em 1., denominado "Reclamação", esta profere as seguintes expressões, dirigidas a BB, mandatário do Réu naqueles autos: - "Dr. Juiz como é fácil ser enganado e enredado na teia de uma pessoa egoísta, egocêntrica e que não olha a meios para atingir os fins, neste caso o Réu, ajudado por um advogado habilidoso e esperto."; - "O R e o seu advogado usam o ardil de entupir os processos com assuntos que nada têm a ver com ele, manipulando factos, mentindo nuns, omitindo outros para, pura e simplesmente, baralhar o Tribunal" - "À A. não resta outra alternativa, senão denunciar, ao M.P. todos os crimes praticados pelo R. e seu cúmplice, (o advogado que o representa e tão "bem" o defende) durante a vigência daqueles processos e mais neste: - declarações falsas. prestadas às Finanças, à C. R. Predial e ao Tribunal - fraude fiscal e registral - evasão fiscal - calúnia - manipulação de documentos - manipulação de testemunhas - roubo de património".

  4. A acompanhar o requerimento denominado de "Reclamação", supra mencionado, a arguida MM apresentou um escrito com o seguinte teor: "Ex.mo Sr. Procurador do M. P.

    MM, ( ... ) vem denunciar a V: Ex: os seguintes crimes, do seu conhecimento, praticados por ( ... ) BB - Rua …. Loulé - falsas declarações feitas às Finanças, C. Registo Predial de Loulé e Tribunal de Loulé e Faro - fraude fiscal e registral - evasão fiscal - calúnia - manipulação de documentos - manipulação de testemunhas - roubo de património ( ..

    . )", sendo que, este escrito deu origem ao processo com o n° ---/17.7T9FAR que foi remetido ao DIAP de Loulé em 10.03.2017.

  5. A arguida MM agiu sempre de modo livre e consciente." 2.° - Relativamente à matéria fáctica constante da acusação, o tribunal deu como não provados os seguintes pontos: "1. A arguida MM ao redigir e enviar os escritos mencionados em 2.1 supra, com as referidas expressões e conteúdos, quisesse colocar em causa o profissionalismo e honestidade do assistente enquanto advogado e/ ou que tivesse agido com o propósito concretizado de ofender o assistente/ advogado BB, na sua qualidade, na sua honra e consideração e/ou que tal tivesse representado como consequência necessária da sua supra descrita conduta e/ou que representando tal como consequência possível da sua conduta, tivesse actuado conformando-se com tal realização." 3.° - Ora, quanto a este ponto da matéria de facto dada como não provada, temos por inequívoco que a prova produzida em audiência, conjugada com a prova documental constante dos autos, impunha que se dessem os mesmos como provados - e não como não provados, nos seguintes termos: (o ponto 5. dos factos dados como provados na Sentença recorrida passaria a ser o ponto 7.) 5. A arguida MM ao transmitir e juntar os requerimentos com as referidas expressões e conteúdos no Processo descrito em 1., formulando aqueles juízos de valor sobre a actuação de BB, quis colocar em causa o profissionalismo e honestidade deste enquanto advogado.

  6. A arguida MM agiu sempre de modo livre e consciente, com o propósito concretizado de ofender o advogado BB, na sua qualidade, na sua honra e consideração.

    1. - O Mm" Juiz efectuou uma notória errada apreciação da prova, ao não ter considerado as declarações prestadas pela arguida em sede de julgamento como relevantes e essenciais para dar como provada aquela factualidade.

    2. - Para além disso, analisada a fundamentação feita pelo Mmo Juiz na apreciação a prova produzida, entendemos que nunca podia ter concluído como concluiu. De facto, o percurso cognitivo e lógico-dedutivo realizado pelo julgador para chegar às conclusões plasmadas na factualidade dada como provada e não provada não se mostra coerente, existindo contradições insanáveis entre os factos e a fundamentação usada para sustentar a decisão.

    3. - Na verdade, com relevância para a decisão a proferir sobre estes pontos da matéria de facto dados como não provados, e a impor que os mesmos fossem dados como provados, passamos a sumariar a seguinte prova coligida nos autos, incluindo as concretas passagens produzidas em Julgamento e que fundam a impugnação supra transcritas e que se dão por integralmente reproduzidas, e que deve ser reapreciada pelo Venerando Tribunal Superior: a) As declarações da arguida (constantes do Citius Media Studio - dia 26.06.2018, entre 05:34 e 06:07, 07:28 e 08:09, 12:38 e 13:39, 14:40 e 15:31, 15:38 e 17:27,18:42 e 19:03,23:03 e 23:40, bem como dia 03.07.2018, entre 02:16 e 04:58¬supra transcritas) onde a arguida manteve e sublinhou as imputações que fez ao assistente, tendo-se verificado que essas imputações eram manifestamente infundamentadas e movidas exclusivamente por um sentimento de vingança por o assistente ter sido Advogado do ex-marido da arguida nas acções judiciais e por ter conseguido vencer essas acções judiciais à arguida.

      1. Nas declarações referidas em a) a arguida negou que tivesse procurado visar o assistente mas, quando desenvolvia a matéria e detalhava o tema objecto de julgamento, acabou sempre por reiterar em sede de julgamento as imputações ao assistente conforme supra citamos e sublinhamos.

      2. As declarações do assistente (constantes do Citius Media Studio - dia 26.06.2018, entre 01:58 e 02:53) onde explicou como teve conhecimento dos factos e a motivação da arguida. Explicou que se tratou de um acto gratuito, em processo que já se encontrava findo e movido por vingança por o seu cliente ter vencido todas as acções judiciais à arguida.

      3. A reapreciação da prova documental constante de fls. 7 a 12 e de fls. 15 a 89 (certidão extraída do processo 2509/15.2T9FAR), onde constam os elementos documentais que deverão ser reapreciados pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora.

      4. De facto, a arguida fez constar no documento junto ao processo 2509/15.2T9FAR um escrito elaborado e assinado por si onde fez referência a prática dos crimes acima elencados e onde afirmava terem sido praticados pelo R. e "seu cúmplice, (o advogado que o representa e tão "bem" o defende) " (cfr. fls. 79), juntando ainda cópia de outro documento que havia entregue na mesma data junto do Ministério Público. Nesta cópia a arguida afirmava que denunciava crimes praticados por BB (fls. 86). A concretização do Assistente como tendo praticado os crimes é inequívoca nos dois escritos.

      5. Assim, verifica-se que o modo com o Douto Tribunal a quo avaliou a capacidade probatória e fundamentou a credibilidade daqueles meios de prova violou as regras de experiência comum. De facto, não podia o Tribunal fundamentar a factualidade não provada em declarações da arguida quando do seu conteúdo resulta precisamente a conclusão contrária.

      6. Acresce que negou ter denunciado o Assistente nos escritos juntos ao processo 2509/15.2T9FAR e analisado o conteúdo desses escritos verifica-se literalmente o contrário. Na dita "reclamação" referiu-se ao advogado do réu como cúmplice dos crimes e na cópia do documento junto no MP a arguida afirma expressamente que denuncia crimes praticados por BB (fls. 86). A concretização do Assistente como tendo praticado os crimes é inequívoca nos dois escritos.

      7. Assim, a conjunção desses elementos de prova com as regras de normalidade e de experiência comum, obrigava a que fosse dado comprovado que a arguido actuou com dolo, com consciência da ilicitude e com culpa.

    4. - O modo com o Douto Tribunal fundamentou a credibilidade das declarações da arguida, para dar como não provada aquela factualidade, violou as regras de experiência comum. De facto, não podia o Tribunal fundamentar a factualidade não provada em declarações...

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