Acórdão nº 3435/18.9T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução26 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos presentes autos (que correspondem a processo autónomo, extraído dos autos n.º 2185/12.2T9FAR, cujo inquérito correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal da Comarca de Faro), o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos: - LL, imputando-lhe a prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art. 256.º, nºs 1, alínea b) e 3, do Código Penal (CP), de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218.º, n.º 2, alínea a), por referência ao art. 217.º, n.º 1, ambos do CP, em co-autoria e concurso efectivo, de cinco crimes de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1, alínea b) e 3, do CP, e de cinco crimes de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218.º, n.º 2, alínea a), por referência ao art. 217.º, n.º 1, ambos do CP e, em autoria material, de três crimes de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art. 256.º, nºs 1, alínea b) e 3, do CP; - EE, imputando-lhe a prática em co-autoria material e em concurso efectivo, de cinco crimes de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art. 256.º, nºs 1, alínea b) e 3, do Código Penal (CP), e de cinco crimes de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218.º, n.º 2, alínea a), por referência ao art. 217.º, n.º 1, ambos do CP; - VV, imputando-lhes a prática, por cumplicidade, de dois crimes de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art. 256.º, nºs 1, alínea b) e 3, do Código Penal.

A arguida EE, entre outros, requereu a abertura da instrução.

Realizada a instrução, no Juízo de Instrução Criminal de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, proferiu-se decisão instrutória, segundo a qual se decidiu não pronunciar a arguida EE, pela prática dos crimes que lhe eram imputados.

Inconformada com tal decisão, a assistente R.., S.A.

, interpôs recurso, extraindo as conclusões: 1. A Assistente não se pode conformar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo na parte em que entendeu não pronunciar a Arguida EE pelos crimes de que a mesma vinha acusada pelo Digno Magistrado do Ministério Público no final do inquérito, sendo que o presente recurso é apresentado com vista à impugnação de tal parte da decisão.

  1. Sustentava a douta acusação, em suma, que em data não concretamente apurada, embora, pelo menos, em inícios do ano de 2011, o arguido LL solicitou à arguida EE, funcionária dessa entidade bancária (Tavira), que lhe fornecesse formulários de garantias bancárias utilizadas pela CCAMS, informando-a sobre a sua intenção de forjar garantias bancárias dessa instituição bancária a favor da R, ao que esta, conhecendo aquele intuito, entregou ao arguido LL vários formulários de garantias bancárias utilizadas pela CCAMS, com o respetivo timbre e demais elementos de identificação, garantias bancárias essas utilizadas no esquema fraudulento previamente engendrado.

  2. No dia 8 de Março de 2012, o Arguido LL e a testemunha PB, deslocaram-se às instalações da CCAMS Tavira, com vista ao recebimento de Garantias Bancárias, sendo que, após terem sido recebidos pela Arguida EE, se reuniram com esta última e com JJ, tendo aí recebido, em mãos, duas garantias bancárias que se revelaram (é sustentado) falsas.

  3. O Tribunal a quo veio decidir que inexistindo prova documental sobre esta questão, tendo a Arguida EE negado os factos – o que veio a acontecer também em instrução pelo arguido LL – e havendo apenas a prova das testemunhas LF e PB (contraditória, se não mesmo pouco credível), outra alternativa não resta senão a sua não pronúncia quanto aos factos descritos na acusação.

  4. A Assistente aceita a ausência de prova documental que implique a Arguida EE nos termos propugnados pelo Tribunal a quo, com exceção das próprias Garantias Bancárias, embora os factos respeitantes ao dia 08.03.2012 não sejam conduzíveis a prova documental.

  5. A Assistente aceita igualmente que a Arguida EE sempre negou a prática dos factos sub iudice.

  6. A Assistente não aceita, contudo, que a prova testemunhal produzida não seja apta a indiciar – suficientemente – a Arguida EE pela prática dos crimes de que vinha acusada e a submetê-la a julgamento.

  7. Embora se conceda que, pelo perfil criminoso do Arguido LL, os depoimentos pelo mesmo prestados (para além de corresponderem a declarações de arguido) não devem merecer um crédito acrescido, a verdade é que o mesmo, em sede de inquérito, apontou cabalmente a EE como sua conluiada nos factos melhor descritos na acusação, conluio esse atestado por duas testemunhas que são alheias aos factos sub iudice e que, a final, nada ganharão ou perderão com os presentes autos: as testemunhas PB e LS.

  8. Atento o teor do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Arguido LL, o mesmo (entre outros aspetos neste ponto irrelevantes) pugnava pelo não cometimento de qualquer crime de burla, pelo que jamais o mesmo poderia declarar ter estado presente na reunião ocorrida na CCAMSA no dia 08.03.2012, sob pena de confessar imediatamente tais crimes contra a aqui Assistente no que diz respeito a duas Garantias Bancárias no valor de um milhão de euros.

  9. Não foi só, contudo, o Arguido LL que apontou a Arguida EE como pessoa conluiada no esquema fraudulento. Neste mesmo sentido depuseram as já indicadas testemunhas PB e LF.

  10. No que à testemunha LF respeita, a mesma, em sede de inquérito, atestou que o Arguido LL, a determinada altura, se gabou perante si que uma das garantias bancárias “foi entregue lá dentro, se dizem que é falsa o problema é do banco, porque foi entregue dentro do banco [sic]”, referindo-se à garantia bancária de um milhão de euros entregue a PB da R no interior da CCAMSA Tavira.

  11. Este depoimento não é depoimento indireto.

  12. O Tribunal a quo não pôs em causa a credibilidade desta testemunha nem, de alguma forma, considerou que a mesma tivesse mentido ou deturpado os factos sub iudice pois, para além de nada sobre esta matéria fundamentar a sua decisão, não ordenou a extração de certidão para efeitos de investigação sobre o crime de falsidade de depoimento.

  13. As declarações prestadas pela testemunha LF são inelutavelmente comprovadas pela testemunha PB, tendo sido esta a pessoa que, conjuntamente com o Arguido LL, esteve dentro das instalações da CCAMSA e recebeu, em mãos, as duas garantias bancárias no valor de um milhão de euros (as negadas pela Arguida EE!), provando-se o envolvimento da Arguida EE em pelo menos dois crimes de burla qualificada e dois crimes de falsificação de documento, como avançado em sede de acusação pública.

  14. A testemunha LF e a testemunha PB não têm relação aparente ou, sequer, contacto, mas atestaram exatamente o mesmo quanto ao envolvimento da Arguida EE no esquema fraudulento, bem como a entrega das garantias bancárias nas instalações da CCAMSA.

  15. O Tribunal a quo aponta para diferenças significativas nos depoimentos prestados (as constantes de página 32 da decisão) e que, sumariamente, se prendem com a identidade da pessoa que, em mãos, entregou as garantias bancárias a PB (representante da Assistente para o ato).

  16. Este facto não é relevante em face da simbiose dos depoimentos prestados sobre o envolvimento da Arguida EE: (i) a realização da reunião de dia 08.03.2012; (ii) a presença da Arguida EE e do funcionário JJ na referida reunião [nos termos que foram enumerados pela Assistente em recurso autónomo e que sempre deveriam ter determinado a sua constituição como arguido e submissão a julgamento], (iii) a entrega das garantias bancárias na pessoa de PB.

  17. Assim, concentrando-se em factos que, de relevo nada têm, o Tribunal a quo decidiu pôr de parte a prova testemunhal existente – que nunca desacreditou quanto ao cumprimento das obrigações de falar com verdade sob pena da prática de um ilícito criminal – e, simplesmente afastar o essencial: a entrega de duas garantias bancárias no valor global de um milhão de euros, à pessoa de PB, dentro das instalações da CCAMSA, com a participação ativa da Arguida EE.

  18. Inaceitável no mínimo pois equivale a entender que estas duas testemunhas, que nem relação têm, resolveram conluiar-se para mentir ao Tribunal, já os Arguidos não.

  19. Quanto às restantes testemunhas – ressalvada a que dá pelo nome JJ, pois, como se referiu, existe recurso pendente quanto à sua pessoa e envolvimento nos factos sub iudice, - as mesmas nada souberam referir sobre esta concreta matéria, pelo que o seu depoimento sempre seria, nesta parte, irrelevante.

  20. Mal andou o Tribunal a quo ao considerar pela ausência de indícios suficientes da prática, pela Arguida EE, dos crimes pelos quais vinha acusada na dota acusação pública.

  21. O interesse direto no desfecho dos presentes autos é inversamente proporcional a todos os envolvidos, na certeza que este é irrelevante na medida em que deve ser a prova – unicamente a prova – a dirigir os trabalhos do Tribunal e a conduzir ao desfecho do processo.

  22. Pelo facto de as garantias bancárias terem sido entregues dentro das instalações da CCAMSA, nunca tal testemunha suspeitaria da sua falsidade, sendo-lhe apenas imposto (até pelas regras da experiência comum) a confirmação dos valores nas mesmas inscritos, mas nunca (i) a leitura de um cabeçalho; (ii) a confirmação da verdade da identidade dos representantes da CCAMSA; (iii) a verdade intrínseca de tais documentos. A mise en scene foi perfeita e, in casu, bastante penalizadora da Assistente.

  23. Pelo exposto, mal andou o Tribunal a quo, pelo que se espera que V. Exas. reponham a Justiça que o caso impõe, determinando a pronúncia da Arguida EE nos termos expostos na douta acusação pública.

    Nestes termos e nos mais do Direito aplicável, deverá o presente recurso ser considerado procedente por provado e, em consequência, deverá ser proferido douto Acórdão que determine a pronúncia da Arguida EE nos termos expostos na douta acusação pública, assim se fazendo JUSTIÇA! O recurso foi admitido.

    Apresentaram...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT