Acórdão nº 1612/17.9T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Março de 2019
Magistrado Responsável | MÁRIO BRANCO COELHO |
Data da Resolução | 14 de Março de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Tribunal do Trabalho de Tomar, C...
demandou T..., Lda.
, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia global de € 24.679,98, acrescida de juros de mora, resultante das seguintes parcelas: - a título de cláusula 74.ª n.º 7 do CCT, prémio TIR, subsídios de férias e de Natal, férias vencidas e não gozadas e salários, a quantia de € 961,76 referente ao ano de 2015, € 8.432,99 ao ano de 2016 e € 8.824,92 ao ano de 2017; - a título de alimentos, a quantia de € 2.492,31; - a título de horas realizadas em França, pagas com o acréscimo de € 10,00/hora, a quantia de € 3.120,00; - a título de dias de descanso trabalhados, a quantia de € 848,00.
Após contestação, na qual se deduziu reconvenção no valor de € 1.060,00 por abandono do posto de trabalho, foi realizado julgamento e proferida sentença com o seguinte dispositivo: 1) “Declaro a nulidade do sistema remuneratório acordado entre o A. (…) e a Ré (…), mas não se ordena a restituição das prestações prestadas por ambas as partes reciprocamente, apenas havendo lugar ao desconto, nas quantias em dívida pela Ré ao A., do valor de € 2.593,07; 2) Condeno a Ré (…) a pagar ao A. (…) a quantia de € 24.014,02, a título de créditos salariais, já com o desconto referido em 1) (€ 26.607,09 - € 2.593,07), acrescida de juros à taxa legal, contados desde 30/09/2017 e até integral pagamento, absolvendo-se, no mais, R ré do peticionado pelo A.; 3) Condeno a Ré (…) como litigante de má-fé, em 15 UC’s de multa, perfazendo a quantia de € 1.530,00; 4) Absolvo o A. (…) do pedido reconvencional peticionado pela Ré (…)”.
A Ré apresentou requerimento de arguição de nulidade e interpôs recurso, concluindo: I. A omissão da declaração dos factos não provados, a falta de especificação dos concretos meios de prova tidos em conta e a insuficiente análise crítica da prova são circunstâncias relevantes no exame e decisão da causa, pois a fundamentação da matéria de facto deve indicar, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, para, assim, dar adequado cumprimento à formalidade legal consagrada no art.º 607.º, n.º 4, do CPC II. No caso dos autos, verifica-se que a decisão recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia relativamente à fundamentação da decisão da matéria de facto, que também não especificou os meios de prova que foram decisivos para a formação da convicção do Juiz, não satisfazendo, igualmente, a exigência legal estabelecida no art.º 607.º, n.º 4, do CPC.
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Nesta perspectiva, não pode deixar de se concluir que a omissão das formalidades previstas no art.º 607.º, n.º 4, do CPC, configura uma nulidade processual, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, do CPC.
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Noutras instâncias, é também entendimento do R. que não foi dada pelo Tribunal uma resposta adequada à matéria de facto dada como provada, nomeadamente relativamente aos factos n.ºs 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 32, sendo que, os concretos meios probatórios devem conduzir a uma resposta diferente.
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Assim, temos que, da conjugação das declarações do representante legal da R., com o depoimento das testemunhas arroladas pela R., não resultaram demonstrados os factos n.ºs 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 32.
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Pelo que, no entendimento da recorrente, devem os mesmos serem integrados na tábua dos factos não provados.
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Depois, o Tribunal a quo ao concluir pela nulidade do sistema remuneratório convencionado pelas partes, não poderia pronunciar-se favoravelmente pela condenação da R. quanto aos valores acordados pelas partes no “Aditamento ao contrato de trabalho sem Termo”, mas sim, apenas e tão só, por aquilo que o trabalhador teria direito a receber nos termos da convenção colectiva aplicável.
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Isto porque, se o regime convencionado é declarado, oficiosamente, pelo Tribunal como nulo, e, portanto, de nenhum efeito jurídico, por conseguinte, tem que ser considerado nulo para todo e qualquer efeito, designadamente para aquilo que foi acordado pelas partes.
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Com efeito, atenta as circunstâncias, a entidade empregadora, aqui recorrente, não deve ser responsabilizada pelo pagamento da quantia de € 3.120,00 (três mil cento e vinte euros), por conta do acordado por escrito entre as partes em 30/06/2016, e, nessa medida, deve ser absolvida de tal pedido.
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No caso vertente coloca-se ainda a questão de saber se o A. ao peticionar o pagamento dos salários relativos aos meses em que não desempenhou funções profissionais para a R. - Outubro a Dezembro de 2016 e de Janeiro a Setembro de 2017 - contra a R. actuou, ou não, com abuso do direito.
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E que o A., ao longo desta relação laboral, trabalhou para a R. recebendo dela como contrapartida do seu trabalho apenas o que ficara acordado entre ambos, ou seja, que o A. contabilizava mensalmente os quilómetros percorridos e que depois apresentava à R. a fim de esta proceder à sua inclusão no recibo de remunerações, desagregada pelas diversas rúbricas remuneratórias.
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Sendo certo que, tanto o A. como a R., aceitaram e anuíram na convenção deste regime remuneratório, o que foi feito de comum acordo e, certamente, no interesse de ambas as partes, designadamente do A., pois que, de contrário, não teria sido possível o A. laborar para a R., pois como resulta das declarações do legal representante da R. “o trabalhador disse que não queria ser pressionado, se pudesse ir que ia, se não pudesse ir que não ia, e que não queria nenhum compromisso e a gente acertou esse valor.” XIII. Sucede que, a partir de Setembro de 2016, o A. deixou de exercer as suas funções para a R. e, desde então, nunca mais voltou a comparecer, nunca tendo justificado as suas ausências perante a R.
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Assim sendo, o que está em discussão é saber se o A, ao intentar a presente acção, actuou com abuso do direito, tomando em consideração o modo como se desenvolveu a relação de trabalho nos últimos meses da sua existência.
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É que, entenda-se, o A. decidiu – ainda que após um período de silêncio e falta de comparência no seu posto de trabalho – intentar acção para reivindicar os seus direitos laborais e os salários relativos a esses meses.
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Em suma, o A. ao peticionar as remunerações relativas aos meses em que não desempenhou efectivamente funções para a R., incorre no comportamento típico do abuso do direito, na sua vertente “venire contra factum proprium”, razão pela qual sempre deverá ser negado ao Autor o direito a esses pagamentos, e, nessa medida, ser a R. absolvida de tal pedido.
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Vem a R., recorrente condenada como litigante de má fé, sem que o Tribunal de 1.ª instância tenha fundamentado, como lhe era exigível e se lhe impõe, a sua convicção de que a R. “alterou, conscientemente, a verdade dos factos por si conhecida, como resulta patente dos factos dados como provados e não provados e respectiva motivação” como alegado no 3.º parágrafo de fls. 37 da Sentença.
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Não tendo sido, assim, explanado na sua decisão, concretamente, quais os factos que são do conhecimento directo da R. e que vêm negados pela mesma na sua alegação.
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Tanto mais que, veio já a R. pronunciar-se no sentido de que o seu gerente e legal representante sempre considerou o trabalhador na situação de ausência do seu posto de trabalho, não tendo assim, na sua convicção, faltado deliberadamente à verdade, o que o douto Tribunal pode apreciar aquando da prestação de declarações de parte.
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Sendo que, a litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão, não bastando para que se conclua pela litigância de má fé por alguma das partes no processo, a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta.
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Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser determinada a anulação da decisão que condenou o recorrente como litigante de má-fé em multa.
A resposta sustenta a manutenção do decidido.
Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seu parecer, o qual foi notificado às partes, sem resposta por parte destas.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.
Da arguição de nulidade da sentença por omissão de factos não provados e falta de motivação da decisão de facto: A primeira instância, após o encerramento da audiência de discussão e julgamento, proferiu despacho contendo a decisão da matéria de facto, declarando os factos provados e os não provados e apresentando a sua motivação. Posteriormente proferiu a sentença em recurso, na qual inseriu os factos provados, não voltando a pronunciar-se quanto aos factos não provados nem apresentando nova fundamentação da decisão de facto.
É perante este procedimento que a Ré entende ter ocorrido nulidade da sentença, por violação do art. 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil.
Ponderando que nos encontramos perante processo declarativo comum de trabalho, ao qual se aplicam as regras do Código de Processo do Trabalho, continua a subsistir a norma do art. 68.º n.º 5 deste diploma, dispondo que a matéria de facto é decidida imediatamente após a audiência de discussão e julgamento, acrescentando o art. 73.º n.º 1 que a sentença é proferida no prazo de 20 dias.
Perante a entrada em vigor do actual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, tem sido defendido que, face ao teor do respectivo art. 607.º n.º 4, integrando na sentença cível a decisão da matéria de facto, dever-se-ia proceder a uma interpretação actualista da lei processual laboral, passando também aqui aquela decisão a integrar a fundamentação da sentença.
Neste sentido, Albertina Aveiro Pereira, in “O Impacto do Código de Processo Civil no Código de Processo do Trabalho (Alguns Aspectos)”, publicado no e-book do CEJ “Impactos do Novo CPC no Processo do Trabalho”, 2.ª ed., Junho de 2014, págs. 40 e 41.
No entanto, a circunstância do tribunal recorrido não efectuar uma interpretação actualista do processo laboral...
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