Acórdão nº 3992/17.7T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelPAULA DO PAÇO
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório T... intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra V..., ambos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação da Ré a proceder à atualização do valor do seu salário, informando-o do valor da mesma.

Em súmula, alegou que foi admitido como trabalhador da Ré em 20 de julho de 2007. Porém, desde julho de 2012, tem o seu contrato de trabalho suspenso em virtude de exercer, a tempo inteiro, as funções de dirigente sindical no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria hoteleira, Turismo, Restaurantes e similares do Algarve, instituição que suporta o seu vencimento, no montante de € 835,00. Mais refere que, no início de 2015, a R. procedeu à atualização salarial a todos os trabalhadores da sua secção – a de manutenção - pelo que também a pretende.

Realizada a audiência de partes, não foi possível obter acordo que colocasse fim ao litígio.

Contestou a Ré, resumidamente invocando que o Autor não tem direito à reclamada atualização salarial, uma vez que o mesmo não foi sujeito ao processo de avaliação a que foram sujeitos os trabalhadores que viram o seu salário aumentado.

Saneado o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, tendo a Ré sido absolvida do pedido.

Não se conformando com esta decisão, veio o Autor interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: «A. Desde 15 de Julho de 2012 que o Autor, ora Recorrente, tem o contrato suspenso com a Ré, ora Recorrida, em virtude de exercer funções a tempo inteiro como dirigente sindical, sendo o pagamento da sua remuneração suportada pela entidade sindical, no valor de 835€, que corresponde ao valor recebido em 2012 na Ré.

  1. Em Janeiro de 2015, a Ré, ora Recorrida, aumentou a retribuição base a 4 trabalhadores da pequena manutenção, o mesmo grupo em que se inseria o Autor, ora Recorrente.

  2. Tal aumento decorreu de um sistema de avaliação interna do qual o Autor, ora Recorrente, foi afastado por estar a desempenhar funções sindicais e, portanto, fora do controlo da Ré, ora Recorrida, que entende que o mesmo não está a prestar serviço efetivo.

  3. O tribunal a quo concluiu que “Face ao exposto é inequívoco que as diferenças salariais radicaram na efetiva prestação das funções e na avaliação da qualidade das mesmas e, por isso, têm uma causa objetiva e, porque a têm, não pode concluir-se que o A. foi discriminado, nem que a R. com a sua conduta violou o princípio da igualdade retributiva.” E. O Autor, ora Recorrente, está a ser prejudicado porque é dirigente sindical e, ademais, se podia concluir dos factos vertidos no processo.

  4. A Constituição da República Portuguesa estabelece, no seu artigo 55.º, n.º6, que “Os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem como à proteção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções.”.

  5. O artigo 468.º, do Código do Trabalho, prevê que no exercício das suas funções, o membro de direção de associação sindical tem direito a crédito de horas correspondente a quatro dias de trabalho por mês e a faltas justificadas, nos termos dos números seguintes (n.º1); H. Mais prevê que quando as faltas justificadas se prolongarem efetiva ou previsivelmente para além de um mês, aplica-se o regime da suspensão do contrato de trabalho sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável, que preveja funções sindicais a tempo inteiro ou outras situações específicas, relativamente ao direito à retribuição de trabalhador (n.ºs 5 e 8).

    I. Assim, o regime da suspensão do contrato de trabalho de trabalhador com funções de direção decorre do crédito de horas, quando este crédito não é suficiente.

  6. O Acórdão de 30-01-2012, do Tribunal da Relação do Porto, dispõe: “Ora, tendo atualmente a liberdade sindical, nela incluída a constituição, organização e funcionamento de sindicatos, respaldo constitucional, o crédito de horas acima referido é hoje uma medida de proteção legal dos representantes eleitos dos trabalhadores, efetuada pelo legislador ordinário - nos Códigos do Trabalho - em cumprimento do comando constitucional ínsito na norma [constitucional] acabada de transcrever.” E “Daí o estabelecimento de um especial regime de proteção visando impedir que os trabalhadores eleitos para estruturas de representação coletiva dos trabalhadores sejam “... alvo de qualquer penalização, encargo, ónus ou discriminação...” em relação aos restantes trabalhadores em nome de quem exercem as funções de dirigentes sindicais.”.

  7. Mais prescreve o referido acórdão que “Pretendeu, assim, o legislador que os dirigentes sindicais tenham em concreto os mesmos direitos que os seus companheiros de trabalho, apesar de – e enquanto – utilizarem o crédito de horas para o exercício das suas funções sindicais, de forma que tal exercício corresponda a trabalho efetivo, a todos os níveis, isto é, tanto retributivos como outros, mesmo que não tenham tal natureza.

    Vale dizer, pretende-se evitar que o dirigente sindical, pelo facto de exercer as respetivas funções durante o crédito de horas, possa ser por isso prejudicado por qualquer forma, inclusive a nível patrimonial.” L. Assim, e logicamente, o Autor, ora Recorrente, deverá estar abrangido pelas garantias existentes para o crédito de horas, logo a argumentação do douto tribunal da Relação do Porto tem aqui aplicação in totum.

  8. O artigo 409.º, do Código do Trabalho, no seu n.º1, dispõe que: “A ausência de trabalhador por motivo do desempenho de funções em estrutura de representação coletiva dos trabalhadores de que seja membro, que exceda o crédito de horas, considera-se justificada e conta como tempo de serviço efetivo, salvo para efeito de retribuição.”.

  9. Ou seja, fica o pagamento ressalvado, nos termos do artigo 468.º, n.º 8, e a cargo da entidade sindical.

  10. Mas durante o tempo de suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho e o tempo de suspensão conta-se para efeitos de antiguidade – artigo 295.º, do Código do Trabalho.

  11. Assim, se a ausência do dirigente sindical pode equivaler a uma suspensão mas ao mesmo tempo é considerada justificada e conta como tempo de serviço efetivo, naturalmente que, e como diz o Tribunal da Relação do Porto, existe uma ficção de o trabalhador dirigente está de facto a prestar serviço, para evitar que a sua ausência seja usada como motivo para a discriminação patrimonial.

  12. O que acontece no caso, já que a Ré, ora Recorrida, afasta o Autor, ora Recorrente, da possibilidade de aumento e promoção com o argumento de o mesmo não está a prestar serviço efetivo da empresa, com isto conseguindo uma discriminação e pressão que levará à diluição do salário do Autor e ao condicionamento da sua atividade sindical, e no limite, ao abandono desta por perda de rendimento patrimonial.

  13. A Ré, ora Recorrida, tem conhecimento destes efeitos e sabe que enquanto o Autor, ora Recorrente, for dirigente sindical verá o seu salário ficar cada vez mais reduzido em comparação com os seus colegas, porque foi congelado em 2012 pela entidade patronal, que se recusa a ficcionar o efetivo serviço prestado pelo Autor, como manda a lei.

  14. Permitiu a sentença recorrida que a entidade empregadora, aqui Ré e Recorrida, não atualize o salário do Autor, ora Recorrente, em virtude de entender que como este não está a prestar efetivamente serviço, não é avaliado, ficando prejudicado exatamente por estar fora do local de trabalho em serviços dos demais trabalhadores, o que as garantias legais pretendem exatamente evitar! T. Portanto, não pode o Autor, ora Recorrente, ser prejudicado pelo facto de ser dirigente sindical, uma vez que em virtude dessa condição não pode participar da avaliação da empresa, porque tal argumento constitui uma forma de discriminar o dirigente sindical.

  15. Assim, andou mal o tribunal a quo, já que interpretou restritivamente o artigo 24.º, n.º1, o artigo 24.º, n.º2-c) e o artigo 25.º, n.º1, todos do Código do Trabalho.

    V. Também andou mal porque não considerou que os referidos normativos deveriam ser aplicados em conjunto com o artigo 55.º, n.º 6, da Constituição Portuguesa, que impede quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das funções de dirigente sindical.

  16. Igualmente andou mal pois não aplicou aos factos este paralelismo que decorre do artigo 468.º, n.º1, n.º5 e n.º8, do artigo 409.º, n.º1, ambos do Código do Trabalho, tendo erradamente feito uma interpretação restritiva daquilo que é a discriminação contra o dirigente sindical no caso vertente.

    X. E o tribunal a quo, com os...

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