Acórdão nº 4375/12.0TBPTM-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 4375/12.0TBPTM-B.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I. RELATÓRIO 1.

BB, mãe da criança CC, e Requerida no Processo de Promoção e Proteção instaurado pelo Ministério Público em 25.10.2018, a favor daquela criança, que constitui o apenso A dos autos supra identificados, tendo sido notificada do despacho proferido em 21.11.2018, no qual o Tribunal se pronunciou sobre o requerimento em que a ora Apelante havia pedido o desentranhamento da documentação clínica a seu respeito junta pela sua mãe, DD, determinando que «os documentos ficam nos autos, por poderem ser importantes para decidir a causa; aliás, qualquer informação clínica ou médica que seja junta aos autos pela avó materna, relativamente à progenitora, foi na sequência do determinado a fls. 146, considerando que está em causa apenas o bem-estar da criança», e não se conformando com o mesmo apresentou o presente recurso de apelação, finalizando a respectiva minuta recursória com as seguintes conclusões[3]: «12. A admissão aos autos, pelo Tribunal a quo dos documentos clínicos [pertencentes à Recorrente] pela sua progenitora, a Sra DD, onde nem sequer é atestado qualquer existência de eventuais patologias psiquiátricas, sem que estes tenham alguma vez sido tornados públicos pela Recorrente, ou prestado consentimento à sua progenitora para os divulgar, constitui prova ilícita por violadora, dos direitos fundamentais desta, dos dados relativos à saúde pessoal integram o âmbito de proteção legal e constitucional do direito à reserva da intimidade da vida privada, verificando-se também violação do sigilo profissional clinico por parte da unidade hospitalar.

  1. Constituindo meio de prova obtido de forma ilícita, não podendo ser admitida a junção, em processo civil, documentação clinica não consentida pela Recorrida.

  2. O direito de acesso aos tribunais não impõe a admissibilidade de qualquer meio de prova, em especial quando este for obtido com violação de direitos fundamentais.

  3. Não sendo defensável que a ilicitude da obtenção da prova se tenha por justificada quando o agente visa exclusivamente a aquisição de um meio de prova sobre factos que dificilmente poderiam ser provados por outra forma e utiliza o material obtido somente com essa finalidade probatória, porquanto, a Recorrente nem sequer tinha conhecimento da existências de tais documentos (à data da emissão menor de idade), e por lado, aceitou sujeitar-se a exame psiquiátrico no Instituto Medicina Legal e Ciências Forenses, IP, e nesta sede, com a devida reserva, apurar-se, ou não, se padece atualmente de alguma doença do foro psiquiátrico.

  4. No âmbito da proteção da esfera da vida pessoal dos cidadãos, a Constituição reconhece, entre outros, o direito à reserva da intimidade da vida privada (art. 26.º, n.º 1), proíbe toda a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em processo criminal (n.º 4 do mesmo art. 34.º) e fulmina, no âmbito do processo penal, com a nulidade todas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência (art. 32.º, n.º 8).

  5. A infração à proibição constitucional de ingerências na documentação privada há-de, pois, ter, nos processos cíveis e em matéria de prova, a mesma sanção radical: a nulidade. Apesar do art. 32.º, n.º 8, da CRP estar inserido entre as garantias de processo criminal, é também aplicável em sede de processo civil a proibição de meios de prova obtidos com violação de direitos fundamentais.

  6. Deste modo, a obtenção e revelação dos documentos em análise, consiste em prova proibida e nula.

  7. Se é certo que tais limitações não podem ser arbitrárias ou desproporcionadas, devia o Tribunal a quo ter ponderado minimamente as circunstâncias concretas do caso, não se podendo afirmar que a documentação em análise, constitua meio de prova insubstituível para demonstração dos factos a que se destina, tanto mais que a Recorrente aceitou sujeitar-se a exame psiquiátrico.

  8. Estando assim violado pelo Tribunal a quo no douto Despacho em Recurso, um critério ou princípios de proporcionalidade, de razoabilidade, de adequação, à reserva da intimidade da vida privada.

  9. Atento o exposto supra, violou o Tribunal a quo, o disposto nos art.ºs 18º n.º 2, 26º n.º1, 32º nº 8, 34º n.º4, 35º n.º 4 todos da CRP».

  10. Pelo Ministério Público foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela confirmação do despacho recorrido em virtude de, no caso concreto, no confronto dos direitos constitucionalmente protegidos, dever prevalecer o interesse público da realização da justiça e da defesa do superior interesse da criança.

  11. Observados os vistos, cumpre decidir.

***** II. Objecto do recurso Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assim, vistos os autos, a única questão a apreciar no presente recurso é a de saber se deve ou não ser revogado o despacho recorrido substituindo-o por outro que que determine a não admissão aos autos e o imediato desentranhamento, da documentação clínica/médica da Apelante que foi junta aos autos pela sua mãe, por constituírem prova ilícita.

*****III – Fundamentos III.1. – De facto A tramitação processual relevante para a decisão do presente recurso é a constante do relatório supra e ainda a decorrente do Processo de Promoção e Proteção da Criança[5], assim sintetizada: - O Ministério Público instaurou, em 25 de Outubro de 2018, o presente processo judicial de promoção e protecção a favor da criança CC, nascida no dia 12 de outubro de 2011, filha de BB e de EE, invocando, em síntese, que a criança se encontra numa situação de perigo junto da progenitora, por haver fundadas suspeitas de que a mesma padece de problemas psiquiátricos graves que a fazem atentar contra a sua saúde e a do próprio filho, encontrando-se a criança sujeita a comportamentos que afectam a sua saúde, segurança, e equilíbrio emocional.

- Por despacho proferido nesse mesmo dia, a Senhora Juíza, ponderando «que em causa apenas está o bem-estar da criança, e enquanto se procede ao diagnóstico mais aprofundado da sua situação» decidiu, «na salvaguarda do seu superior interesse, aplicar provisoriamente a medida de apoio junto de outro familiar, no caso, dos avós maternos – arts. 35º, n.º 1, al. b) e 37º, ambos da LPCJP, mais precisamente, da avó materna e do companheiro desta, DD e FF.

- O tribunal fundamentou tal decisão na seguinte factualidade resultante do processo de promoção e proteção da CPCJ de Portimão e alegada pelo Ministério Público no requerimento inicial: «- O menor tem 7 anos de idade e é filho de EE e de BB, sendo que na sequência da separação dos pais foram reguladas as responsabilidades parentais, tendo a criança ficado a residir com a mãe, sendo desconhecido o paradeiro do pai.

- Além deste filho, a mãe tem uma filha mais nova, (GG), filha de outro companheiro, HH, de quem se separou no passado mês de Agosto.

- O menor foi sinalizado à CPCJ de Portimão, em Junho de 2018, por um grupo de amigos da mãe, dando conta de que a mãe não lhe prestava os cuidados adequados, e andava a fazer peditórios via internet destinados a angariar fundos, a pretexto do estado de saúde da criança.

- Tais factos originaram uma denúncia, por suspeita de crime de burla, que deu origem ao NUIPC nº 72/18.1JAPTM, a qual se encontra em investigação na Polícia Judiciária.

- À data, o menor frequentava equipamento educativo, pré-escolar, fazendo-se transportar em cadeira de rodas, aparentando sofrer de doença grave.

- Quando a CPCJ contactou a mãe, esta apresentou vários relatórios clínicos sobre a doença do filho, um deles assinado pelo avô materno, que é médico em Inglaterra, e acabou por confirmar aos técnicos da CPCJ, que o mesmo era falso, não sendo da sua autoria, tendo sido forjado pela sua filha.

- Confrontado com a situação de saúde do menor, o pai da irmã uterina, que à data ainda vivia com a mãe, referiu que nas consultas em que o acompanhou, o diagnóstico clínico efectuado, sempre foi o de que o CC “tinha um atraso de desenvolvimento moderado”, o que foi confirmado pela Drª. II, pediatra no CHBA.

- Os avós maternos tentaram informar-se sobre o estado de saúde do menor, junto de outros médicos, os quais lhe confirmaram que o menor não tinha qualquer fractura óssea, nem sofria de epilepsia, como a mãe alegava, e que o facto de se encontrar em cadeira de rodas lhe atrofiava os músculos, não sendo recomendável.

- O menor demonstra querer sair da cadeira de rodas, a que a mãe o confinou, e numa das vezes, foi visto pelo pai da irmã, a deslocar-se pelo seu próprio pé até à janela, altura em que a mãe apareceu, e voltou a colocá-lo na cadeira de rodas, pondo-lhe uma máscara de oxigénio.

- Após a intervenção da CPCJ, a mãe retirou o menor do equipamento educativo que frequentava, e não permitiu que o mesmo fosse sujeito a avaliação clínica, conforme lhe foi proposto pelos técnicos.

- Segundo os avós maternos, a mãe, no passado teve problemas do foro psiquiátrico, apresentando tendências suicidas, tendo tido acompanhamento entre os 14/15 anos de idade, estado que se tem vindo a agravar desde há cerca de um ano, quando uma tia se suicidou.

- O CC tem sido visto, a pedido da mãe, por um número interminável de médicos, o que o tem perturbado de forma grave, em termos emocionais e tem desgastado muito fisicamente, desconhecendo-se o seu verdadeiro diagnóstico clínico.

- Segundo a mãe, o uso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT