Acórdão nº 1970/17.5T8STR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelSILVA RATO
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc. N.º 1970/17.5T8STR-A Apelação Comarca de Santarém (Santarém - Juízo Central Cível – J1) Recorrentes: BB e CC Recorrido: DD R04.2019 I. BB e CC, intentaram a presente Acção Declarativa, sob a forma de Processo Comum, contra DD, peticionando a condenação do Réu a pagar-lhes: I – Ao A. CC: a) 23.828,08 € de indemnização, pela perda da pensão a que teria direito; b) 2.794,77 € de gastos com consultas, exames, tratamentos, deslocações e assistência domiciliária; c)1.570 € para reposição dos dentes partidos; d) 15.000 € de indemnização de períodos de tempo em que não trabalhou nem recebeu qualquer compensação da seguradora; e) 5.000 € de dano não patrimonial.

II – À A. BB: a) todas as quantias que esta eventualmente venha a ser obrigada a pagar a seguradoras, hospitais ou outras entidades, por causa da invalidade do seguro; b) 187,50 € do prémio de seguro inválido que pagou; c) 5.000 € de dano não patrimonial.” Proferido Despacho-saneador, foi decidido o seguinte (extracto): 1) Das exceções dilatórias de ilegitimidade processual passiva Veio o réu arguir a sua ilegitimidade processual, aduzindo que, sendo mediador de seguros, transferiu a responsabilidade civil decorrente da sua atividade para a companhia de seguros EE, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0153 10003775 000, válido e eficaz à data dos factos em discussão na causa, concluindo que, em caso de procedência do pleito em apreço é esta seguradora que deverá ser responsabilizada pelos danos invocados pelos demandantes.

Por outro lado, invoca o réu que os autores fundam a sua pretensão na celebração de um contrato de seguro com companhia de seguros Victoria, contrato esse que o mesmo se limitou a mediar, tendo a sua intervenção cessado com a aprovação pela seguradora da proposta por si apresentada.

Em resposta, pugnaram os autores pela improcedência das exceções em crise. Apreciando e decidindo.

A lei esculpe o pressuposto processual da legitimidade através da referência à titularidade do interesse em litígio: de acordo com o critério estabelecido no artigo 30.º/1, do Código de Processo Civil, é parte legítima, como autor, quem tiver interesse direto em demandar, sendo parte legítima, como réu, quem tiver interesse em contradizer.

Nos termos do n.º 2 daquela disposição, o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação, sendo o interesse em contradizer aferido pelo prejuízo que dessa procedência advenha, esclarecendo o n." 3 que "na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor." Refira-se, ainda que a breve trecho, que o legislador, com o normativo citado, veio ultrapassar a vexata quaestio atinente ao estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes, elegendo uma posição próxima à veiculada por BARBOSA DE MAGALHÃES, que se opunha à de ALBERTO DOS REIS, que entendia que a relação material relevante para estes efeitos seria a relação material (controvertida) existente (tal como se apresenta ao Tribunal, ouvidas ambas as partes e, caso seja necessário, produzida prova). 1 No atual contexto legal, o critério comum de determinação da legitimidade das partes radica, assim, na titularidade da relação material controvertida, nos termos em que é gizada pelo autor da ação. Por conseguinte, para tal efeito, não se afigura exigível a efetiva titularidade da relação material controvertida, o que traduz a desvalorização da legitimidade enquanto pressuposto processual. 2 Efetivamente, o critério positivado limita o âmbito de aplicação deste pressuposto processual, sobretudo nos casos de legitimidade singular, restringindo a mesma aos casos de simples discrepância entre o titular da situação jurídica alegada e a parte (situação de ocorrência menos frequente).

Todavia, este critério revela-se preferível ao veiculado por ALBERTO DOS REIS, o qual, apesar de estimular a vinda ao processo dos verdadeiros titulares da relação material, confundia condições de admissibilidade da acção com condições de procedência da ação. A adoção do segundo entendimento determina a inutilidade do conceito de legitimidade processual, na medida em que a aferição da legitimidade será indistinta da aferição da procedência da causa (por impossibilidade de destrinça conceptual) e pelo facto de o conhecimento de ambas as questões poder ocorrer no mesmo momento processual (O conhecimento da legitimidade poderá ser posterior à produção de prova).

Em conclusão: a ilegitimidade processual singular consiste, por regra, na discrepância entre as pessoas titulares da relação jurídica material alegada e as partes processuais, tais como são conformadas pelo autor na petição inicial.

Desloquemos o ponto de análise para o caso concreto.

"ln casu", os autores invocam que o réu, na qualidade de mediador de seguros, por sua livre iniciativa e em violação dos deveres que lhe competiam, os induziu a celebrar com a companhia de seguros FF um contrato de seguro de acidentes de trabalho, no qual a autora figurou como entidade patronal do autor, seu marido e beneficiário do convénio, não obstante conhecer que inexistia qualquer relação laboral entre os dois.

Neste conspecto, pretendem os demandantes responsabilizar o réu pelos danos decorrentes de um acidente do qual foi vítima o autor marido, os quais acabaram por não ser cobertos pelo mencionado contrato de seguro, o qual foi considerado inválido por parte da companhia de seguros FF por ter sido celebrado com base em pressupostos inexatos. Pretendem, pois, os autores responsabilizar o réu por ato próprio deste, e não por um qualquer incumprimento imputado à seguradora FF, pela causação de danos advenientes da celebração, induzida pelo demandado, de um contrato de seguro que veio a ser considerado inválido.

Lançando mão do critério acima elencado, alcança-se, pois, que inexiste qualquer discrepância entre as pessoas titulares da relação material controvertida tal como esta é alegada e as partes processuais. Dito de outro modo: o réu é titular da relação material controvertida tal como...

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