Acórdão nº 781/17.2PCSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução21 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório 1.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo Central Criminal de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, foi acusado pelo MP e sujeito a julgamento, MM, solteiro, nascido a 4/08/1978, atualmente detido no Estabelecimento Prisional de Setúbal, a quem o MP imputara a prática, em autoria material, e na forma consumada, de 2 (dois) crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, alíneas a) e d), da Lei das Armas (Lei n.º 5/2006).

2.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal singular decidiu: a) Condenar o arguido pela autoria material, sob a forma consumada, de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (RJAM), na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão; b) Suspender a execução a pena indicada em a) pelo período da sua duração (3 anos e 2 meses), subordinando-se a suspensão a regime de prova, a definir pela DGRSP, se necessário adaptado à inserção do arguido em meio prisional, o qual se pretende ver, no acolhimento de prazo de suspensão equivalente ao de duração da pena, ser igualmente extensível à ulterior libertação do arguido, assegurando dessa forma o acompanhamento da transição da prisão para a liberdade, e acautelando, neste último domínio, um efetivo esforço de reintegração do arguido.

3.

O MP veio interpor recurso desta sentença, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: «III – AS CONCLUSÕES 1.Na douta sentença recorrida o Mmº Juiz decidiu suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido e motivou tal decisão da seguinte forma “Quanto à forma de execução da pena, entende-se, sobrelevando a diversidade valorativa dos antecedentes criminais do arguido mormente aqueles que ditam a sua atual inserção em meio prisional, acolher por mais ajustado o cenário da suspensão, ainda que sujeito a regime de prova a definir pela DGRSP, se necessário a adaptar à inserção do arguido em meio prisional, o qual se pretende ver, no acolhimento de prazo de suspensão equivalente ao de duração da pena, ser igualmente extensível à ulterior libertação do arguido, assegurando dessa forma o acompanhamento da transição da prisão para a liberdade, e acautelando, neste último domínio, um efetivo esforço de reintegração do arguido”.

2.O Ministério Público não pode acolher esta justificação do tribunal à quo para suspender a execução da pena de prisão, pois para além de insuficiente na sua fundamentação, não cumpre os requisitos estabelecidos na lei que permitam aplicar a suspensão da execução da pena de prisão, violando o artigo 50.º do Código Penal. Reclamando, a situação em concreto, outra solução como corolário dos factos que foram considerados provados na douta sentença sob recurso.

i.Na verdade, o legislador estabeleceu os critérios necessários para a aplicação da suspensão da execução da pena, exigindo-se uma particular ponderação entre as necessidades de prevenção especial centradas no agente e as necessidades de prevenção geral positiva, para que a reacção penal responda adequadamente às expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e assegure a protecção do bem jurídico afectado.

ii. Conforme dispõe o artigo 50.º do Código Penal, a suspensão só poderá ser decretada se verificados os pressupostos ali referenciados: o primeiro deles – pena de prisão não superior a cinco anos – está reunido; no entanto, na douta sentença, não divisamos estarem reunidos os restantes.

iii. O juízo de prognose que sustenta a suspensão da execução da pena deverá sempre ter subjacente uma esperança fundada que a socialização em liberdade se realize, sendo pressuposto material da suspensão a adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial.

3.Em termos de prevenção especial entendemos que as exigências não poderiam ser mais elevadas i. O arguido deste pelo menos 1997, iniciou a sua carreira criminosa e, desde tal data, exceptuando os períodos em que esteve recluso, ofendeu praticamente todos os bens jurídicos possíveis, desde a saúde, ao património, à propriedade, à autonomia intencional do Estado, à segurança rodoviária, praticando factos ilícitos nos anos de 1997, 1998, 2000, 2001, 2004, 2006, 2007, 2009, 2011, 2015, 2016 e 2017 (presentes autos), ora, todos estes antecedentes que se nos deparam não podem deixar de ser sopesados.

ii. Para além disso, não é conhecida nenhuma situação profissional ou de trabalho deste arguido que esteja conforme aos valores socialmente instituídos, ou resultou dos autos qualquer prova no sentido de que a possa obter, ainda por intercessão de terceiros, trabalho quando em liberdade! iii. Na verdade o que se deu como provado na douta sentença, prova esta tendo por base apenas as declarações do arguido, é que este terá uma companheira e uma filha com dois anos de idade, que o visitam no estabelecimento prisional.

iv. Desconhece-se por completo as condições familiares, sociais e profissionais deste agregado familiar? v. Resulta dos presentes autos que as munições e a arma, pela cuja posse o arguido foi condenado, foram apreendidas na sequência de uma revista efectuada, após uma queixa por factos susceptíveis de integrar o crime de violência doméstica.

vi. Encontrando-se nessa altura, o arguido com mandados de detenção pendentes para o cumprimento de pena de prisão.

vii. Releva ainda o facto o arguido ter praticado estes crimes há apenas um ano atrás e, desde tal data, tem-se mantido em reclusão.

viii. Então, perguntamos nós, como é possível efectuar neste momento um juízo de prognose favorável a um arguido com este passado criminal? Com base em que factos? Com que fundamentos? 4. Por outro lado, também as exigências de prevenção Geral são elevadas, i.Cada vez mais na nossa comunidade as pessoas vão detendo, trazendo consigo e utilizando armas com as mais variadas características.

ii. No caso dos presentes autos o arguido transportava consigo três munições próprias para armas de fogo de uso militar (veja-se neste aspeto o recente caso ”Tancos”), para além de uma faca tipo borboleta, uma típica arma de agressão, muitas vezes utilizada em crimes contra a integridade física e até contra a vida das pessoas.

5.Tendo em conta as necessidades de prevenção especial e geral, no caso em concreto, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal.

6.Acresce que, se desconhece o tempo de reclusão que o arguido ainda tem por cumprir, pelo que uma suspensão da execução da pena de prisão pode, em tese, traduzir-se numa verdadeira dispensa de pena, bastando para tal que o arguido se mantenha em reclusão durante o período total de suspensão de execução da pena.

7.No caso em apreço, o quadro de fáctico que resulta da douta decisão recorrida impõe que se afaste a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão. Na verdade, recapitulando as circunstâncias dos factos, deve atender-se ao seguinte: i. O agente actuou de forma irresponsável, revelando total desprezo pelos bens jurídicos em causa, tentou sempre furtar-se à acção da justiça na data dos factos quer recusando identificar-se, quer não revelando ocultar consigo as armas que lhe foram apreendidas; ii. A conduta do arguido anterior e posterior ao crime revela que a simples ameaça da pena não bastarão para o afastar da criminalidade –em 18 anos sofreu 18 condenações em processos de natureza criminal- iii. O arguido revelou durante o julgamento um comportamento que leva a concluir que não interiorizou o desvalor da sua conduta nem a gravidade dos factos que praticou - referindo que desconhecia que a detenção das munições era crime e afirmando que a faca borboleta era para descarnar fio de cobre - ; iv. A comunidade impõe que, nestes casos, em que são colocados em causa bens jurídicos de enorme relevância, se apliquem as sanções adequadas, as quais restabeleçam o sentimento de segurança.

8. A efectiva execução da pena de prisão mostra-se indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias no sistema penal.

9. Pelo que deverá, nessa parte, ser revogada a sentença sob recurso, condenando-se o arguido na pena de prisão efectiva de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, dando-se provimento ao recurso e, em conformidade à posição assumida, revogar-se a douta sentença recorrida, na parte correspondente.» 4.

– O arguido não apresentou resposta ao recurso.

5.

Nesta Relação, o senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

6.

Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do C. P. P., nada foi dito.

7.

Transcrição parcial da sentença recorrida.

(…) Factos Provados: Do julgamento da causa, com relevância para a decisão da mesma, resultaram provados os seguintes factos: 1) No dia 3 de Setembro de 2017, pelas 17h36m, na Rua do Moinho, junto ao n.º 4, em Setúbal, o arguido transportava consigo os seguintes objetos: - uma faca de borboleta, com 12 cms de lâmina e cabo preto; - uma munição de calibre 9 mm; - duas munições de calibre 7,62 mm.

2) Após exame, verificou-se que as munições apreendidas ao arguido servem para municiar armas de fogo de uso militar e por isso classificadas como munições de classe A.

3) Quanto à faca, em sede de exame, conclui tratar-se de “um instrumento com configuração de arma branca, composta por uma lâmina articulada num cabo ou empunhadura dividido...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT