Acórdão nº 28/15.6 GCRDD.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | MARIA FILOMENA SOARES |
Data da Resolução | 21 de Maio de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora: I No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 28/15.6 GCRDD, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo Central Cível e Criminal de Évora, Juiz 3, mediante acusação pública, precedendo contestação [apresentada pelo arguido e no âmbito da qual nega a prática dos factos por que se mostra acusado], foi submetido a julgamento o arguido MF, (devidamente identificado nos autos), e por acórdão proferido e depositado em 09.11.2017, foi decidido: “(…) - Absolver o arguido MF da prática – com autor material – de um crime de violação em trato sucessivo, previsto e punido pelo artigo 164.°, n.º 2, alínea a), do Código Penal (na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro), por referência aos artigos 10.°, n.º 1, 14.°, n.º 1 e 26.° do Código Penal de que se encontrava acusado; - Condenar o arguido MF como, autor material, de um crime de violação agravada, previsto e punido pelo artigo 164.°, n.º 1, alínea a), e 177.°, n.º 1, alínea b), do Código Penal, por referência aos artigos 10.°, n.º 1, 14.°, n.º 1 e 26.° do Código Penal, na pena 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; - Declarar perdida a favor do Estado a navalha (canivete) apreendida nos autos e melhor identificados a fls. 56, 1666 e 167/168, determinando-se a sua destruição; - Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC´s.
(…)”.
Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: “1.
A assistente R. não quis fazer queixa contra o arguido. E não fez.
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Não deduziu pedido de indeminização civil.
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Desistiu da queixa apresentada.
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Na audiência não quis prestar declarações.
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Apesar de todo o coletivo ter insistido até ao limite para prestar declarações não prestou: foram trinta minutos a dizer-lhe que estava a cometer um crime e que ia ser condenada.
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Por esse facto, foi detida no tribunal e conduzida à esquadra para ser sujeita a julgamento, acusada de ter cometido o crime de falsas declarações, conforme douto despacho de folhas---em que termina ... «Mais se determina a imediata detenção de R.……… para que a mesma seja apresentada a tribunal sob a forma sumária… », Assim.
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Solicita-se ao Venerando Tribunal que repare no tom duro e na agressividade com que os Mmos. Juízes se batem com a recusa de assistente em prestar declarações: A Mma Juiz presidente afirma ...
Não há nenhuma possibilidade da senhora validamente se recusar, minutos 08.00 ...
Está obrigada a falar e caso isso aconteça há consequências, isso constitui a prática de um crime minutos 09.00 - ... se não falar, comete um crime ...
Muda o juiz a inquirir, mas continua o torniquete minutos 09.25 ...
A R. está numa posição que não pode decidir, não depende da sua vontade, está obrigada ... é a R. que vai ser julgada e condenada ... você tem de falar custe o que custar ...
R.
- Não quero falar Há interrupção para a R. falar com o advogado e volta e reafirma que não quer falar Juíza - Estou a pedir-lhe para dizer a razão ...
E longa advertência para falar e sobre os caminhos mais fáceis ou mais difíceis R.
- Sim, mas não quero falar O Digníssimo Procurador vem ajudar e lembrar-lhe que sobre o Sr. MF vão ficar dúvidas e a terra é pequena e tal e tal.
Entretanto o mesmo juiz, que há pouco proclamava que a vontade dela era zero, prossegue ...
você tem 22 anos, não tem 12, para já está com uma postura, você está no tribunal e em segundo lugar é assistente ...
tem de falar, ponto final ... não há negociação possível.
Advogado do arguido - Quero fazer um requerimento.
Acrescente-se que só lhe foi dada a ata depois de a R. ter sido detida. Nessa altura já não valia a pena...
R.
- Não quero falar Juíza - Entra no debate a Mma. Juíza da esquerda da Mma Juiz Presidente ... queríamos um bocadinho de respeito da sua parte ... não menosprezasse esta função, explique-nos o porquê Juíza - Ouviu tudo o que lhe foi dito, qual é a ultima palavra? R.
- Não quero falar 8.
Ao ouvir a gravação o recorrente não pode deixar de recordar outras inquirições, em tempos idos, em que a vontade dos cidadãos não contava e batia nos inquisidores ou nos juízes dos Plenários de má memória em que nada contava, e a vontade e o querer dos cidadãos não existia.
A ideia transmitida do alto da mesa do tribunal por parte de um Mmo juiz que uma cidadã assistente ... " não tem vontade" ... e está obrigada a falar ... custe o que custar" ...
e que, por esse facto, pratica um crime e será condenada não é própria de um Estado de Direito democrático e fez o mandatário do arguido recuar ano de 1971 em que foi interrogado na famigerada Rua António Maria Cardoso.
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A R. foi julgada e foi absolvida.
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É, pois, de sublinhar a traço grosso e profundo que a assistente "enfrentou" o tribunal a quo até ao ponto de não se "render" às constantes interpelações duríssimas para prestar declarações.
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Neste contexto, pode-se afirmar que a R. é uma cidadã de fortes convicções, o que nunca deve deixar de ter em conta na análise de todo circunstancialismo inerente à acusação e ao que se passou no julgamento.
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Trata-se de um elemento chave para se compreender a encenação montada a propósito da violação.
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A condenação de arguido a sete anos e meio de prisão assentou na prova feita por recurso aos depoimentos indiretos, o que foi clara e conscientemente assumido pelo tribunal a quo, justificando com dois Acórdãos que nada têm a ver com o sucedido neste julgamento, tendo, por isso, o douto Acórdão violado de modo brutal o artigo 129º do CPP, pelo que o arguido só deveria ser absolvido.
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O tribunal a quo valorizou os depoimentos indiretos porque o arguido não prestou declarações e assistente cometeu o crime de se recusar a prestar declarações. Assim, talqualmente. Como é possível? Os céus não caíram? Estão bem construídos! 15.
É chocante que uma sequência de depoimentos indiretos que se chocam entre si, que se contradizem, que revelam incoerências e vontade vingativa pode ser sustento para um pena de 7anos e meio, brutal. Que justiça? 16.
Todos os depoimentos das testemunhas em que se fundou o douto Acórdão nada sabiam, não conheciam nada diretamente, tudo o que conheciam ou sabiam foi aquilo que narraram ao tribunal como tendo sido o que a R. lhes disse, o que como se verá é quase certo mentira.
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E a interpretação que o tribunal a quo fez da aplicação daquele artigo no contexto da valorização do depoimento indireto viola frontalmente o artigo 2º da CRP.
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Sem conceder, no que se refere à violação do artigo 129 do CPP do douto Acórdão, sempre se dirá que os depoimentos das testemunhas que disseram ao tribunal o que a R. lhes disse apresentaram cada uma delas uma versão diferente do que a R. supostamente contou.
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São estes os concretos pontos que o demonstram: O V. disse que em 2015 a R. lhe contou que o padrasto abusou dela. E que foram a casa da mãe confrontá-la: ele, a R., o JF e a I. e que foram no seu carro. Quem falou com a mãe da R. foi a R. e a I. Eles só foram quando ouviram vozes altas.
A I. disse que foi ela e a C., a S. (irmã da R.) e que o V. e o JF só lá foram ter depois.
Segundo a C. foi ela, a R. e a I. Ela a C. ficou ao pé das malhadas num altinho com a I. Foi a R. quem falou com a mãe. Ela é que a levou (R.) de carro para não ir a pé. A C. não ouviu a conversa. Garantiu que a I. esteve sempre ao pé dela. No depoimento da C., o V. não foi a casa da mãe da R., foi trabalhar.
Segundo a Idália irmã da R. a conversa entre a R. e a mãe aconteceu na rua ao pé da porta e o V e JF apareceram mais tarde. E foram lá dizer que o pai tinha feito atos sobre a R. e a I.
Segundo a S., irmã da R., foram no carro do V.. Foi a R. quem falou com a mãe dentro de casa. Só mais tarde chegou o V. A C. ficou no café.
Estão supra os minutos da gravação e os extratos diretos.
Primeiro: fica-se sem saber quem foi.
Segundo: Em que carro foram.
Terceiro: onde se passou a conversa.
QUARTO: a coação não bate certo: ou faca ao peito, ou pico ... ou a navalha segundo o douto Acórdão.
QUINTO: o local pode ter sido em qualquer lado dado que a R. segundo a C. disse que não sabia por onde foi, nem por onde veio, sendo certo que de acordo com as regras da experiência deve conhecer os locais onde sempre viveu.
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Os depoimentos (da I., da C, do V) ilógicos, contraditórios entre si, apresentando versões diferentes, nunca poderiam ser considerado pelo tribunal a quo descomprometidos, sinceros, objetivos e imparciais.
Sublinha-se não viram nem ouviram nada. Falaram do que a R. lhes disse, segundo eles, o que é revelador da fragilidade do seu valor probatório, mesmo dando de barato que se trata de depoimentos indiretos.
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Face à evidência das contradições interveio o Mmo. Juiz a lembrar à C que podia estar sem memória e que outras testemunhas tinham dito que quem lá tinha ido era fulana e sicrano e a resposta da testemunha foi esta ... «Não me diga, veja lá a minha memória ... » Tudo dito quanto à condução da audiência ... A testemunha que tinha dito que o V. fora trabalhar foi informada pelo tribunal que se calhar não foi. .. Cada testemunha apresenta versões diferentes do que sucedeu o que é revelador da fragilidade do seu valor probatório, mesmo dando de barato que se trata de depoimentos indiretos.
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À C. o mesmo Mmo juiz atirou-lhe a escada da falta de memória, pois à Idália ameaçou-a com o mesmo tratamento que o tribunal tinha dado à irmã R., por ela não se lembrar do que ele achava que ela tinha a obrigação de se lembrar.
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A C. como é que soube o que se passou? Minutos 06.40 ... «Sabe uma coisa Ti C., o meu padrasto obrigou-me a ir com ele e pôs-me uma faca ao peito para me fazer o serviço e eu não sei por onde fui nem por onde vim, foi o que a rapariga me disse, eu não tinha nada a ver com isso, não é? .. ela coitadinha contou-me assim ... » 24.
Mas segundo a I. o arguido levou-a para os lados da Rosário na...
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