Acórdão nº 218/18.0T8ODM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 02 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução02 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 218/18.0T8ODM.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Beja[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I – RELATÓRIO 1.

BB e CC instauraram a presente acção comum contra DD - …, Sociedade Unipessoal, Lda., pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento que celebraram com a Ré no mês de Janeiro de 2016, relativo ao imóvel que identificaram, e a condenação desta na entrega imediata do locado, bem como no pagamento da indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença, pelos danos causados no mesmo.

Em fundamento, alegaram, muito em suma, que a Ré tem vindo a fazer uma utilização imprudente do prédio arrendado permitindo que o interior do mesmo esteja danificado e sem possibilidade de recuperação caso não sejam realizadas obras de fundo, designadamente na casa de banho e na cozinha.

  1. Regularmente citada, a ré não contestou a acção.

  2. Foi proferido despacho julgando confessados os factos articulados pelos Autores, nos termos do artigo 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[3], e foi cumprido o disposto no n.º 2 do indicado preceito, tendo os Autores apresentado alegações.

  3. Seguidamente foi proferida sentença que, aderindo aos fundamentos alegados pelos Autores na petição inicial, julgou a presente acção totalmente procedente e, em consequência, condenou a Ré nos pedidos formulados.

  4. Inconformada, a Ré apelou, formulando as seguintes conclusões: «A- A Douta Sentença recorrida não discriminou, especificou ou selecionou os factos alegados pelos AA. com base nos quais decidiu pela procedência do pedido; B- No conteúdo alegado pelos AA. na sua petição verifica-se que boa parte são asserções ou conclusões formuladas pela parte; C- Cabia à Meritíssima Juiz a quo a selecção dos factos tidos em conta para a decisão proferida; D- Ao não fazê-lo a Douta Sentença a quo é, no modesto entendimento do Recorrente, nula nos termos do disposto nos art.ºs 607.º n.º 3 e 615.º n.º 1 al.ª b); E- Com efeito não consegue a R. sindicar a bondade da decisão proferida uma vez que não descortina quais os factos que foram tidos em consideração pela Mma. Juiz a quo para a aplicação do direito e para a decisão proferida tendo em consideração a base legal utilizada pelos AA. (al.ª a) do n.º 2 do art.º 1083.º do CC); F- Sendo certo que a R. não contestou a presente acção, e que por via da aplicação do art.º 567.º n.º 1 tenham os factos articulados pelo A., tal não implica que não se tenha de proceder à competente discriminação dos factos articulados após a devida seleção dos mesmos a fim de possibilitar ao Julgador a devida aplicação do direito ao caso concreto; G- Ao não o fazer a Douta Sentença recorrida impede a real e cabal sindicância da decisão por parte da R».

  5. Os Autores não apresentaram contra-alegações.

  6. Observados os vistos, cumpre decidir.

*****II. O objecto do recurso.

Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assim, vistos os autos, as únicas questões a apreciar no presente recurso, consistem em saber se a sentença recorrida é nula; e se os factos alegados pelos autores são ou não suficientes para sustentar a resolução do contrato de arrendamento.

*****III – O mérito do recurso III.1. – Da nulidade arguida Invoca a Recorrente a nulidade da sentença recorrida, por não ter especificado os factos com base nos quais decidiu pela procedência do pedido.

Atento o preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Como é entendimento pacífico, este vício da nulidade por falta de fundamentação ocorre quando houver falta absoluta dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou até errada, porquanto essa situação poderá determinar a sua revogação ou alteração por via de recurso, quando o mesmo for admissível, mas não a respectiva nulidade[4].

Assim, não restam dúvidas de que só a total omissão dos respectivos fundamentos de facto ou de direito, em suma, a completa ausência de motivação da decisão, pode conduzir à nulidade a que alude a alínea b) do artigo 615.º do CPC.

Na espécie, importa notar que estamos perante sentença proferida em caso de revelia operante, situação em que o n.º 3 do artigo 567.º do CPC, quando a causa revestir manifesta simplicidade, permite que a sentença se limite à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado, a qual pode, por exemplo, ser feita, por expressa remissão para concretos artigos da petição inicial[5], podendo igualmente ser possível efectuar a fundamentação de direito por remissão nas situações em que o articulado inicial contenha “as razões de direito que servem de fundamento à acção”, em cumprimento do preceituado no artigo 552.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do CPC[6].

Conforme lembram LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE[7], «o preceito do n.º 3 deve-se ao diploma intercalar de 1985 e teve em vista simplificar a elaboração da sentença. Quando a resolução da causa revista manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à decisão propriamente dita, precedida da simples identificação das partes e duma fundamentação sumária, não estando assim sujeita ao rigor imposto pelo artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4».

Na situação em apreço, depois de identificar as partes, na vertente relativa à fundamentação de facto a julgadora afirmou apenas que «os factos articulados pelos autores deverão considerar-se confessados, de acordo com o disposto no art.º 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil», e no segmento referente à motivação jurídica da causa, limitou-se à adesão aos fundamentos invocados na petição inicial, afirmando que «atendendo ao disposto no art.º 567.º do Código de Processo Civil, a falta de contestação da Ré e porque inexistem quaisquer circunstâncias que determinem a improcedência da pretensão deduzida, nos termos dos art.ºs 1031.º, 1038.º, 1069.º, 1083.º, n.º 1, todos do Código Civil, adere-se aos fundamentos alegados pelos autores na sua petição inicial e, em consequência, na procedência do pedido formulado decido», concluindo a decisão com a formulação correspondente ao pedido.

Subjacente a esta formulação da estrutura da sentença proferida nos presentes autos, parece estar o entendimento da julgadora de que a resolução da causa reveste manifesta simplicidade e a fundamentação sumária do julgado, a que alude o n.º 3 do artigo 567.º do CPC, pode em qualquer caso ser feita integralmente por mera remissão para os fundamentos, tanto de facto como de direito, contidos na petição inicial.

Mas, nem sempre pode ser assim.

Como esclarece RUI PINTO[8], ressalvada aquela possibilidade da fundamentação sumária do julgado, «a sentença que julga em revelia operante é igual a qualquer outra sentença».

Assim, na vertente de facto, «uma vez que o objeto da confissão são os factos do autor, o Tribunal terá necessidade de excluir os “não factos” articulados. Portanto, sempre terá de realizar uma análise crítica e racional da petição inicial (aqui, verdadeira fonte dos enunciados de facto com valor probatório), justificativa da seleção de uns factos e da exclusão de outros.

A sentença que julga a causa revel, não pode ser, por conseguinte, uma mera remissão acrítica para os artigos da petição inicial ou sinónimo de “copy/past” dos artigos da petição inicial».

Revertendo ao caso em presença, a julgadora, pese embora se trate de uma...

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