Acórdão nº 1043/18.3T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelTOMÉ RAMIÃO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora I- Relatório.

BB, casado, com residência na Praceta …, n.º …, 3.º Esquerdo, 2910-… Setúbal, veio instaurar a presente ação declarativa comum constitutiva, para investigação de paternidade, contra CC, residente na Rua …, n.º …, Urbanização …, 7800-… Beja, pedindo seja declarado que o autor é filho do réu e ordenado o averbamento da filiação e da correspondente avoenga paterna ao seu assento de nascimento.

Invoca, para tanto, que a sua mãe, em conversa ocorrida no verão de 2017, lhe disse que o seu pai era o Réu, o que desconhecia até então, pelo que face a essa informação pretende que conste do seu assento de nascimento o nome do seu pai.

Regularmente citado, o réu contestou, deduzindo a exceção de caducidade do direito de ação e impugnando os factos.

Realizou-se a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, a que se seguiu a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova e, realizado o julgamento, foi proferida a competente sentença com o seguinte dispositivo: “Por todo o exposto, decido,

  1. Declarar improcedente a exceção de caducidade do direito do autor a intentar a presente ação de investigação de paternidade B) Declarar que BB é filho de CC; C) Determinar o averbamento da filiação acabada de estabelecer e da correspondente avoenga paterna no assento de nascimento do autor”.

    Desta sentença veio o Réu interpor o presente recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

  2. Como resulta do depoimento da mãe do autor (…), na altura em que ficou grávida, saía com muitos rapazes, era só bebida e droga, muita droga, ou seja, dificilmente saberia, nessas circunstâncias com que mantinha relações sexuais. No dia em que foram à festa, ela e o réu já estavam “tocados”.

  3. Como resulta do depoimento da irmã (…) chegou a ver a irmã (mãe do autor) bêbada, a cair, sem saber o que fazia sem se lembrar de nada. Se ao álcool acrescentarmos droga, ficamos com a noção do que acontecia quando a mãe do autor “saía com muitos rapazes”. De acordo com o mesmo depoimento, no dia da festa a irmão não bebeu álcool, nessa altura não bebia.

  4. Além da perceção da vida que a mãe do autor levava, ao ponto de fazer as coisas e não se lembrar de nada no dia seguinte, somos confrontados com dois depoimentos que se desdizem um ao outro e, por isso, ao contrário do que refere a douta decisão recorrida, nada têm de “coerentes” e “verosímeis”.

  5. Por outro lado, como resulta do depoimento da irmã, supra referenciado, esta nega ter prestado declarações na ação de averiguação oficiosa de paternidade que, com o nº 2/1984, correu termos no Tribunal Judicial de Mértola. Ora, como resulta da certidão junta aos autos, não só faltou à verdade como, da inquirição de todas as testemunhas, nada de concreto se apurou. Daí que se tenha concluído no processo “não existirem de facto indícios mínimos necessários para se poder considerar viável a propositura de ação de investigação de paternidade”. E por aqui se afere igualmente a falta de credibilidade de tais depoimentos.

  6. Quanto ao ponto 2 da matéria de facto dada como provada. Alega o autor que a mãe “nunca quis contar a ninguém quem era o pai do seu filho (artigo 3º da p. i.); “os anos foram passando e a mãe do A. sempre se recusou a contar quem era o pai do A.” (artigo 4º da p. i.); “o A. sempre foi questionando a sua mãe” (artigo 5º da p. i.); “só após muitas insistências, no Verão de 2017 e após uma conversa com esta” esta lhe revelou quem era o pai. Desde logo, a matéria alegada pelo autor, nomeadamente o alegado nos artigos 3º e 4º da petição inicial é contrariado pelo que resulta provado no ponto 3: “A mãe do autor, por várias vezes, e em locais públicos, afirmou que o réu era o pai do autor”. E, segundo esclarece a douta decisão proferida, tais afirmações foram feitas na presença do autor. A história da paternidade do autor era conhecida na localidade, sendo que era falado porque a mãe do autor o propalava na frente de toda a gente. É a douta decisão que faz tal afirmação. A única pessoa que não conhecia a “história da paternidade” era o autor! F) Apreciemos agora os depoimentos prestados quanto ao que se alega ter ocorrido no Verão de 2017 para aferir da “coerência” e “verosimilhança” dos mesmos. Segundo o depoimento da mãe e da irmã, o autor nunca questionou para saber quem era o pai.

    Segundo o depoimento da mãe do autor foi ela que resolveu contar-lhe, “meti na cabeça que tinha de dizer ao meu filho quem é o pai dele” e quando o fez “estávamos nós os dois”. Segundo o depoimento do irmão do autor, foi o autor que pediu para saber e “estava eu, os meus irmãos, nós somos três”. Segundo o depoimento da mulher do autor estava presente também ela. Ou seja, não há coincidência nem quanto à forma nem quanto às pessoas que estavam presentes. Pelo que tais depoimentos não são “coerentes” nem “verosímeis”.

  7. A alegação desta “conversa em família” tem como pressuposto o que vem alegado no artigo 5º da petição inicial: “o autor sempre teve muita curiosidade em saber quem era o pai e, durante anos, foi questionando a sua mãe”. Ora, relativamente a esta afirmação, é a mãe do autor e a tia (irmã da mãe) quem se encarregam de desmentir tal afirmação.

  8. As versões são contraditórias, nada coerentes, inverosímeis. Se a história da paternidade do autor era conhecida na localidade porque a mãe o propalava, mesmo na presença do autor, como se pode aceitar que o autor alegue que a mãe sempre se recusou a fazê-lo? E como se pode aceitar que o autor seja a única pessoa que, na localidade, não sabia a história da sua paternidade? I) A fundamentação para considerar não provados os factos alegados pelo réu é absolutamente incompreensível. Em primeiro lugar, porque se referem “circunstâncias de grande transtorno emocional” sem, em concreto, se explicar que “circunstâncias” são essas e em que medida ou porque razão tais circunstâncias afetam a sua credibilidade.

    O depoimento da irmã do réu consta de: (…). Tal depoimento é objetivo, coerente, verosímil, não contraditado. Nenhuma razão existe para não considerar não provados os factos alegados pelo réu em sede de exceção de caducidade. Mas mais, o que foi referido pela irmã do réu vem na sequência do que consta no ponto 3 dos factos dados como provados. Ou seja, nada de novo sucedeu. Nada que não tenha acontecido antes.

  9. Ao contrário do que refere a douta decisão recorrida, em nenhum dos artigos da petição inicial o autor alegou ser fruto de uma “relação” e muito menos que “é fruto de uma relação amorosa que a mãe manteve com o réu”. A douta decisão considerou provados os factos constantes do ponto 5. “BB é filho de DD e de CC, resultando de relação de cópula que este manteve com a progenitora daquele nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o seu nascimento”, sendo que tais factos essenciais não foram alegados pelo autor nem de forma explícita nem sequer de forma implícita. Não podem tais factos ser tidos em conta, devendo ser desconsiderados na decisão final já que o autor não cumpriu o ónus de alegação – artigos 5º, nº 1 e 552º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil.

  10. A douta decisão recorrida conclui pela inversão do ónus da prova já que “o autor alegou o vínculo biológico”. Ora, como vem referido supra, o autor não alegou o vínculo biológico. E só se pode falar de inversão do ónus da prova quando a parte beneficiada pela inversão de tal ónus tenha cumprido previamente com o ónus de alegação. A inversão do ónus da prova não opera automaticamente nem instantaneamente, não tem o condão de introduzir no processo factos essenciais não alegados. Por isso, não pode o Tribunal apreciar meios de prova que incidem sobre factos que estão vedados à sua apreciação.

  11. Dispõe o artigo 1817º, nº 1, aplicável “ex vi” do artigo 1873º, ambos do Código Civil, que a ação de investigação deve ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos subsequentes à sua maioridade ou emancipação. O autor atingiu a maioridade em 30 de Abril de 2002 pelo que o prazo para intentar ação de investigação caducou em 29 de Abril de 2012.

  12. Tal como referido supra, deve ser dado como provado que a mãe do autor, acompanhada por este, pouco tempo antes da morte do pai do réu, dirigiu-se à residência daquele e afirmou, perante familiares do réu, que o autor era filho do réu.

    Ainda que o autor não conhecesse antes a “história da sua paternidade”, “conhecida na localidade, sendo que era falado porque a mãe do autor o propalava na frente de toda a gente”, pelo menos desde Julho de 2008, o autor tinha conhecimento que a mãe afirmava que o réu era o seu pai. A ação deu entrada em Tribunal em 8 de Fevereiro de 2018.

    Pelo que não se aplicaria “in casu” o prazo adicional previsto no artigo 1817º, nº 3, alínea c) do Código Civil, aplicável “ex vi” do artigo 1873º do mesmo Código.

    Verifica-se assim a exceção perentória de caducidade que determina a improcedência da ação e a absolvição do réu do pedido.

  13. A douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1817º, nºs 1 e 3, alínea c) do Código Civil e 5º, 552º, nº 2, alínea d) e 607º, nº 4 do Código de Processo Civil.

    Nestes termos e nos que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão proferida, como é de JUSTIÇA.

    *** Contra-alegou o Autor, defendendo a bondade e manutenção da decisão recorrida.

    ***O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    *** II – Âmbito do Recurso.

    Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do...

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