Acórdão nº PROC N.º 134/19.8T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIO BRANCO COELHO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Portimão, O… demandou F… Lda.

, pedindo o pagamento das seguintes quantias: a) € 7.486,04, a título de retribuição de férias relativo aos anos de 1990 a 2016; b) € 7.486,04, a título de subsídio de férias relativo ao mesmo período; c) € 3.270,71, a título de subsídio de Natal relativo aos anos de 1990 a 2003; d) € 6.755,70, a título de descanso compensatório relativo aos anos de 1990 a 2016; e) os juros de mora à taxa legal, sobre a quantia em dívida e até integral pagamento.

Após julgamento, foi proferida sentença julgando a acção improcedente, pelo que o A. se apresenta a recorrer, formulando as seguintes conclusões: A. O presente recurso é interposto da Sentença notificada ao Autor, ora Recorrente, em 13 de Maio de 2019, pelo Juízo do Trabalho de Portimão – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro.

B. Na acção em causa, o autor pedia a condenação da ré no pagamento de diversas quantias a título de retribuição de férias; subsídio de férias; subsídio de Natal; de descanso compensatório e ainda juros de mora, nos termos legais.

C. A Sentença recorrida julgou improcedente a presente acção e, em consequência, foi absolvida a ré.

D. Salvo o devido respeito – que é muito – entende o ora recorrente que não assiste razão ao Tribunal a quo, por errada aplicação do direito aos factos.

E. Nos factos dados como provados pelo douto Tribunal, podemos ler que: “9. O A. auferia mensalmente quantias pecuniárias a título de retribuição de base, diuturnidades, subsídio de agente único, trabalho suplementar, subsídio nocturno, refeições, tempo de disponibilidade e suplemento de disponibilidade.

  1. Desde 1/02/1990 até à caducidade do contrato, a solicitação da ré, o autor prestou trabalho para lá do seu horário normal de trabalho diário.

  2. Desde 1/02/1990 até à caducidade do contrato, a solicitação da ré, o autor prestou trabalho nocturno.” F. Mais se considerando provadas as várias prestações recebidas pelo recorrente em cada um dos meses da sua relação laboral.

    G. Contudo, na secção IV - C da sentença em apreço, conclui o Douto Tribunal no sentido de afastar, desde logo, a ideia de que os valores recebidos pelo recorrente integrassem o conceito de retribuição, já que não serão, na sua opinião, regulares.

    H. Temos, então, que questionar: quais as prestações que integram o conceito de retribuição? I. É importante desde logo realçar que a presunção de que toda a atribuição patrimonial em benefício do trabalhador constitui parcela da retribuição determina que, em matéria de ónus da prova, caiba ao trabalhador alegar e provar a satisfação pela entidade patronal da atribuição patrimonial, quantitativos e regularidade e ao empregador a demonstração de que a atribuição não tem as características necessárias à sua qualificação como retribuição.

    J. Ora, salvo melhor entendimento não só a alegação e prova por parte do recorrente se encontra feita, como não provou a entidade patronal, ora recorrida, o contrário.

    K. Mas quais são então as características que a atribuição patrimonial tem que ter para ser considerada retribuição? L. No seguimento de Pedro Romano Martinez, Código do Trabalho, Almedina,2010, 5ª edição, são três os elementos constitutivos da definição legal em análise: a) em primeiro lugar tem de se estar perante atribuição patrimonial em dinheiro ou espécie; b) depois, a mesma tem que visar compensar a actividade do trabalhador, i.e., tem que ser a contrapartida do trabalho; e, c) finalmente, tem que ser paga de forma regular e periódica.

    M. Esta posição é secundada por diversa doutrina, nomeadamente Bernardo da Gama Lobo Xavier e Luís Menezes Leitão, Direito do Trabalho.

    N. Igualmente, na jurisprudência, vejam-se a respeito de tal questão e a título de exemplo os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2015, proferido no processo nº 2428/09.1TTLSB.L1.S1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 01.07.2015, proferido no processo nº 1890/13.2TTLSB.L1-4 e do Tribunal da Relação do Porto de 17.11.2014, proferido no processo nº 293/13.3TTVNF.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

    O. Na esteira do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2015 supra-referido, que cita o acórdão do mesmo Tribunal de 23.06.2010, “[a] regularidade da retribuição está associada à sua constância; a periodicidade significa que a retribuição é satisfeita em períodos certos ou aproximadamente certos no tempo. A regularidade e periodicidade do pagamento, podendo, em certos casos, não significar que as prestações hajam de ser pagas mensalmente ou com ritmo temporal certo, são, em regra, aferidas por essas características, que constituem, por contraposição à ocasionalidade, elementos importantes para atribuir à prestação natureza retributiva. Com efeito, tais características têm como pressuposto o protelamento, no tempo, da actividade, o que se compreende considerando que a retribuição constitui a fonte de rendimento do trabalhador e, daí, a exigência habitualmente apontada no sentido de o seu pagamento ser susceptível de criar no trabalhador a expectativa do seu recebimento, associada à previsibilidade de rendimentos a que se refere Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 575). Como observa António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 458), «a repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa – uma expectativa que é justamente protegida.» P. Porque relevante no entendimento da questão, mostra-se, ainda, oportuno citar Monteiro Fernandes (op. cit., pág. 400), que a este respeito refere também que: “(…) envolve a existência da presunção de que qualquer atribuição patrimonial efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição.” Q. Alguma jurisprudência, de que são exemplo os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 17.11.2014, proferido no processo nº 293/13.3TTVNF.P1, e de 06.10.2014, proferido no processo nº 1065/10.2TTVNG.P1 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 01.07.2015, proferido no processo nº 1890/13.2TTLSB.L1-4, todos acessíveis em www.dgsi.pt, vem defendendo, a respeito da regularidade das prestações, que as retribuições são periódicas e regulares quando pagas com frequência, i.e. pelo menos durante meio ano.

    R. Não se compreende assim o processo lógico que terá levado o douto Tribunal a concluir pelo facto de não serem regulares as prestações recebidas pelo recorrente.

    S. Quanto ao demais, urge verificar também a natureza das prestações que estão em causa nos presentes autos, designadamente, no que se refere ao trabalho suplementar, que tanto o artigo 197.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2003, como o artigo 226.º n.º 1 do Código do Trabalho definem como o que é prestado fora do horário de trabalho.

    T. Neste âmbito, a doutrina e jurisprudência vêm entendendo que apesar de, habitualmente, a prestação de trabalho para além do horário normal se apresentar como algo excepcional, ocasional e intermitente, quando a sua prestação e remuneração ocorrer de forma regular e periódica, nos termos supra referidos, estamos perante remuneração com carácter retributivo porquanto, nestas circunstâncias, já é possível vislumbrar a predeterminação presente na retribuição normal, sendo para o trabalhador expectável o seu recebimento.

    U. Já no que respeita ao trabalho nocturno, estabelece o artigo 223.º do Código do Trabalho de 2009 que “1 – Considera-se trabalho nocturno o prestado num período que tenha a duração mínima de sete horas e máxima de onze horas, compreendendo o intervalo entre as 0 e as 5 horas. 2- O período de trabalho nocturno pode ser determinado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, com observância do disposto no número anterior, considerando-se como tal, na falta daquela determinação, o compreendido entre as 22 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte.” (preceito equivalente ao que constava do artigo 192º do Código do Trabalho de 2003).

    V. Também aqui, sendo manifesto que a remuneração deste trabalho visava compensar o recorrente (ainda que nos seus valores se tenha, também, em conta a maior penosidade que dele resulta atentas as horas do dia a que é prestado), o que supra se referiu para o trabalho suplementar vale nesta.

    W. Assim, uma vez mais se conclui que, salvo melhor entendimento, esteve mal o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.

    X. Refere ainda o douto Tribunal que “nem se pode considerar que os mesmos visem compensar a actividade do trabalhador (ou seja, que fossem contrapartida de efectivo trabalho e, sobretudo, que tipo de trabalho)”, não obstante referir a seguir “Isto sem entrar na questão de se saber se nessas parcelas está incluído, ou não, o pagamento de períodos de inactividade ou tempo de disponibilidade (…)” Y. Salvo melhor entendimento, também quanto a esta matéria fez o douto Tribunal uma apreciação errada.

    Z. Isto porquanto parece-nos evidente que durante o período de vigência do seu contrato a ré, ora recorrida, mensalmente, pagou ao autor, ora recorrente, quantias a título de horas extraordinárias, nelas se remunerando horas por trabalho efectivamente realizado e horas por períodos de disponibilidade, pelo que é de concluir estarmos perante atribuições regulares e periódicas que, à excepção da parte que abrange os períodos de inactividade, visavam compensar trabalho realizado.

    AA. Acresce que a sua constância as tornava expectáveis para o trabalhador e constituíam uma fracção relevante na remuneração mensal auferida pelo mesmo tendo por isso estas atribuições relativas a trabalho suplementar efectivamente prestado carácter retributivo.

    BB. Também quanto ao trabalho nocturno, foram pagos em...

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