Acórdão nº 520/18.0 T9EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 03 de Dezembro de 2019
Magistrado Responsável | ANTÓNIO CONDESSO |
Data da Resolução | 03 de Dezembro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora I- Relatório PP foi condenado pela prática, em co-autoria, de 2 crimes de abuso sexual de criança agravados, p. e p. pelos arts. 171º, nºs 1 e 2 e 177º, nº 1, al. a) do Código Penal, nas penas de 8 anos de prisão por cada um e, em cúmulo jurídico, na pena única de 13 anos de prisão.
BB foi condenada pela prática, em co-autoria, de 2 crimes de abuso sexual de criança agravados, p. e p. pelos arts. 171º, nºs 1 e 2 e 177º, nº 1, al. a) do Código Penal, nas penas de 8 anos de prisão por cada um e, em cúmulo jurídico, na pena única de 13 anos de prisão.
Inconformados recorrem ambos os arguidos suscitando, em síntese, as seguintes questões: - nulidade do acórdão; - vícios previstos no art. 410º, nº2 do CPP; - qualificação jurídica e medida das penas.
* O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu aos recursos, pugnando pela respectiva improcedência.
Nesta Relação, a Exª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.
* II- Fundamentação Factos provados “i) Da acusação: 1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a Junho de 2014, PP e BB iniciaram uma relação amorosa, tendo BB fixado residência…, em Évora; 2. Na sequência de tal relação, no dia 7 de Junho de 2014 nasceu AA, sendo filha de PP e BB; 3. Em finais do ano de 2017, PP passou a partilhar diariamente cama, mesa e habitação com BB, … em Évora; 4. Em datas não concretamente apuradas, situadas entre finais de 2017 e o início do mês de Abril de 2018, no interior da residência onde habitavam, PP e BB começaram a procurar a menor AA para satisfazer os seus desejos sexuais, não obstante saberem que a mesma é sua filha, que tinha três anos de idade e que se encontrava à sua guarda, cuidados e sob a sua assistência e protecção; 5. No quadro do descrito comportamento, por mais de uma vez, em dias e horas não concretamente apurados, no interior do quarto do casal, PP e BB deitaram a menor AA com as costas sobre a cama; 6. De seguida, BB sentou-se ao lado da menor AA e PP despiu-a até ficar nua; 7. Acto contínuo, BB agarrou nas pernas de AA, abriu-as e levantou-as; 8. De seguida, PP, que se encontrava de pé, aproximou-se de AA e, com as mãos, acariciou a vagina e ânus da mesma; 9. Após, enquanto BB mantinha as pernas de sua filha AA abertas e levantadas, PP inseriu os dedos no ânus da mesma; 10. Em consequência directa e necessária da conduta de PP e BB a menor AA sofreu de dores físicas no ânus e de mal-estar psicológico; 11. Efectuada zaragatoa de exsudado perianal, deu positivo para “streptococus dysgalaciae”; 12. Ao actuarem da forma descrita, em, pelo menos, duas ocasiões, com consciência de que a menor AA é sua filha, que tinha apenas 3 anos de idade, e de que se encontrava às suas guarda e cuidados, PP e BB agiram com o propósito concretizado de obterem prazer sexual e de satisfazerem os seus instintos libidinosos, bem sabendo que as zonas do corpo em que foram tocadas e penetradas constituem património íntimo e uma reserva pessoal da sexualidade da menor, de que punham em causa o são desenvolvimento da consciência sexual e de que ofendiam os respectivos sentimentos de pudor, intimidade e liberdade sexual, causando-lhe grande sofrimento físico e psíquico, o que também pretenderam e fizeram, interrompendo o percurso normativo do desenvolvimento psicossexual, erotizando a menor antes de esta dispor de competências cognitivas, sociais e emocionais para regularizar a sua sexualidade, bem como para evitar o contacto sexual com um adulto; 13. PP e BB agiram sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
ii) Das condições sociais, profissionais e familiares: Mais se provou que BB: 14. Concluiu o 9º ano de escolaridade; 15. À data dos factos, residia em casa arrendada, com o seu companheiro e dois filhos menores; 16. Trabalhava em casa, passando roupa para terceiros, referindo um rendimento mensal de € 500,00 (quinhentos euros); 17. Não se revê na acusação, não reconhecendo nos seus comportamentos factores que possam explicar a sua envolvência judicial, embora reconheça a gravidade da acusação e a pertinência da intervenção da justiça; 18. Em contexto prisional não possui registo de infracções disciplinares; 19. Revela baixo juízo crítico, submissão ou adaptação do comportamento aos interesses e desejos dos outros, dependência, baixa autoconfiança, retraimento, desprendimento das relações sociais e uma gama restrita de expressão das emoções em contextos interpessoais, pensamento estereotipado, superficialidade e falta de autoridade pessoal; 20. Revela submissão ao seu companheiro, PP, e adaptação do comportamento aos interesses e desejos dos outros, substituindo a submissão face àquele pela actual submissão à própria mãe; Provou-se também que PP: 21. Concluiu o 9º ano de escolaridade; 22. À data dos factos, residia em casa arrendada, com a sua companheira e dois filhos menores; 23. Trabalhava, por conta própria, na prestação de serviços de manutenção de piscinas e envolventes, auxiliando também em tarefas ligadas ao transporte de gado, sendo considerado trabalhador responsável, de confiança, cumpridor dos compromissos assumidos; 24. É progenitor de um outro filho, que reside com a respectiva progenitora; 25. Não identifica, no seu comportamento, motivos para a sujeição a julgamento, embora reconheça o ilícito que, em abstracto, os comportamentos em juízo tipificam; 26. Revela baixo juízo crítico, egocentrismo, individualismo, rebeldia, ressentimento e hostilidade latentes; 27. Em situações de conflito, torna-se desconfiado sobre as intenções dos outros, a quem culpa pelas próprias dificuldades; 28. Para evitar rejeição, tende a manipular os outros, o que lhe confere alguma segurança; 29. As suas estratégias para lidar com o stress assentam no controlo emocional, não permitindo que os outros se apercebam das suas emoções, e na recusa em perceber e aceitar a realidade da situação, agindo como se o problema não existisse ou esquecendo-o; 30. A relação com a sua companheira, BB, caracterizou-se pelo domínio e ascendência que detinha sobre a mesma; iii) Dos antecedentes criminais: Por último, provou-se que: 31. PP não tem antecedentes criminais; 32. BB foi condenada, por decisão proferida no dia 26.01.2018, transitada em julgado, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), pela prática, no dia 15.02.2016, de um crime de burla simples, p. e p. pelo art.º 217.º, n.º 1, do Código Penal”.
* Factos não provados “- Nos anos de 2012 e 2013, PP viveu em comunhão de leito, mesa e habitação com BB, na Rua..., em Évora; - PP e BB tenham começado a procurar AA para satisfazer os seus desejos sexuais no mês de Setembro de 2017; - PP e BB tenham deitado AA junto aos pés da cama, local onde aquele se encontrava de pé; - PP tenha inserido o pénis erecto no ânus de AA, fazendo com o corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual; - Que o descrito de 5. a 10., dos factos provados tenha ocorrido no dia 31 de Março de 2018, tendo PP inserido o pénis erecto no ânus da sua filha AA, fazendo com o corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual; - Em consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, a menor AA sofreu lesões descritas e examinadas nos elementos clínicos de fls. 147 a 168., na perícia de avaliação de dano corporal de fls. 428 a 433, designadamente fissura e laceração com cerca de quatro centímetros na região anal, às 12,00 horas, sem hemorragia activa ou bordos infiltrados, da qual resultou cicatriz”.
* Motivação da matéria de facto “O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, atendendo aos seguintes meios de prova: No depoimento da menor AA prestado em sede de inquérito, constante de fls. 200, devidamente analisado em sede de audiência de julgamento – com reprodução da gravação do mesmo em vídeo –, nos termos permitidos pelo art.º 356.º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal, em conjugação com o depoimento que prestou para memória futura, nos termos do art.º 271.º, do Cód. Proc. Penal, constante de fls. 392 a 398, igualmente com gravação em vídeo, tendo-se em conta, por um lado, a idade da criança à data dos factos - 3 anos - e as limitações inerentes à expressão verbal de uma criança dessa faixa etária, e, por outro, a linguagem não verbal que a mesma manifestou, que, como se explicará, reforçou a credibilidade do relatado verbalmente.
De facto, quanto ouvida em sede de inquérito, perante magistrada do Ministério Público, a menor AA, soube confirmar, com precisão, de forma espontânea, clara e isenta, que o arguido PP, por várias vezes, lhe mexeu na vagina e no ânus com as mãos e que com as mesmas lhe fez “dói dói no rabo”; que o local onde isso acontecia era no quarto dos pais, em cima da cama, com a arguida BB ao lado da menor a segurar e a abrir as suas pernas – demonstrando, através da manipulação de uma boneca, como a arguida procedia e as zonas do seu corpo onde o arguido lhe tocou – e que era o arguido PP quem, no início, a despia e que, no final, a arguida AA lhe colocava muita pomada.
Quanto...
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