Acórdão nº 60/17.5GGSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 03 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, que correu termos no Juízo Central Criminal de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido CC, imputando-lhe a prática, em autoria material e sob a forma consumada, em concurso real e efectivo, de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190.º, n.º 1, do Código Penal (CP) e dois crimes de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, alínea a), do CP.

Com base nos factos imputados, Centro Hospital de Setúbal, EPE formulou pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de €109,91, acrescida de juros à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.

O arguido apresentou contestação, alegando em sua defesa tudo o que em seu favor se viesse a apurar em audiência.

Realizado o julgamento, a acusação foi julgada procedente, bem como o pedido de indemnização civil e, em consequência, o arguido foi condenado: - pela prática, em autoria material e sob a forma consumada (arts. 14.º, n.º 1, e 26.º do CP) e em concurso real e efectivo de dois crimes de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, alínea a), do CP, na pena, por cada um, de 5 anos de prisão e de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190.º, n.º 1, do CP, na pena de 9 meses de prisão; - em cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de 8 (oito) anos de prisão; - a pagar a Centro Hospitalar de Setúbal, EPE a quantia de €109,91, com juros calculados desde a data de notificação do pedido até integral pagamento, à taxa prevista para as obrigações de natureza civil.

Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões: 1º O recorrente não se conforma com a matéria de facto dada como provada nos presentes autos, e assim como também, relativamente à matéria de direito. No que respeita à prova produzida, entende a recorrente que, resultaram provados factos (ponto 1.1 da Fundamentação de Facto), os quais deveriam ter sido dados como não provados pelo Tribunal a quo, nomeadamente os referidos em 5, 6 e 7, dos factos dados como provados.

  1. Procedeu-se à transcrição de excertos do depoimento da ofendida ZZ, acta de audiência de discussão e julgamento de 18/02/2019, depoimento com inicio às 10:29:07h e final às 10:59:39h), os quais não se transcrevem nas presentes conclusões, por uma questão de economia processual, remetendo-se assim para o corpo alegatório, tendo-se no entanto, como integralmente reproduzidas nestas conclusões.

  2. As transcrições efetuadas de excertos referentes ao depoimento da ofendida, transmitem que o tribunal a quo, não andou bem, ao dar como provados os factos 5, 6 e 7 que constam dos factos dados como provados. Pois, tais excertos transcritos revelam que do depoimento da ofendida resulta versão diferente.

  3. Deste modo, no que respeita ao ponto 5 dos factos dados como provados, é a ofendida que refere que “praticamente” foi levada à força para o quarto, é essa a versão verbalizada pela própria, contudo, uma coisa é ser levada à força, até com recurso à violência, outra bem diferente é “praticamente” ser levada à força.

  4. Quanto ao ponto 6 dos factos dados como provados, não resulta do depoimento da ofendida que o recorrente a estivesse a segurar, enquanto alegadamente se estava a despir da cintura para baixo, conforme esta relatou. Pelo contrário, a ofendida, afirma ter ficado parada a olhar para o recorrente que se encontraria na sua frente, tendo-lhe inclusivamente perguntado o que este estaria a fazer, sendo bem percetível que esta não estava manietada.

  5. Quanto ao ponto 7 dos factos dados como provados, é a própria ofendida no seu depoimento que afirma, que “praticamente” foi obrigada a ter relações com o recorrente. Ora, praticamente ser obrigada, diverge, e em muito de ser obrigada. Pois, a obrigação impõe efetivamente que a pessoa esteja a ser forçada a fazer algo, se está praticamente ser obrigada, existirá necessariamente uma parte que não compreende a obrigação. Ou, se é obrigado a fazer algo, ou não se é.

  6. Assim, não se compreendendo como pode o tribunal a quo ter dado como provados os pontos 5, 6 e 7 da Fundamentação de Facto, quando as dúvidas presentes da descrição dos factos trazida pela ofendida.

  7. A ofendida refere por várias vezes que teve medo, no entanto, em momento algum disse que o arguido a ameaçou, que lhe tenha proferido palavras ameaçadoras ou agarrado em algum objecto que pudesse denunciar tal ameaça ou perigo, uma faca, por exemplo. Pelo contrário, não há qualquer descrição de violência nos factos relatados pela ofendida, nem tão pouco, é relatada a mínima ameaça. Igualmente, nunca foi referido pela ofendida que o arguido a tenha agredido, que a tenha sequer magoado, nem ameaçado que tal pudesse acontecer.

  8. Também em momento algum é referido pela ofendida que tenha gritado, ou pedido socorro, independentemente de ser ou não ouvida, essa parece ser a reação normal de quem se encontra numa situação como a descrita pela ofendida.

  9. Bem como, nos vários momentos em que a ofendida relata que o arguido atendia o telefone para alegadamente falar com os colegas, esta poderia ter igualmente gritado e pedido auxilio por forma a que quem estivesse do outro lado da linha a pudesse ajudar ou levar a que tal pessoa questionasse o arguido do que se estava a passar, colocando-lhe eventualmente até pressão, no entanto não o fez.

  10. É ainda bem percetível que pelos factos descritos pela ofendida, esta tinha liberdade de movimentos, nomeadamente no momento em que foi buscar o contracetivo, nos momentos em alegadamente o arguido estaria a atender o telefone, bem como quando o arguido alegadamente se terá despido. Em todos esses momentos a ofendida nunca refere que tenha tentado fugir, que tenha tentado dirigir-se à porta para sair da habitação, ou procurar auxilio.

  11. Permitimo-nos realçar novamente o facto de a ofendida referir que “praticamente” foi levada à força para o quarto, que “praticamente” foi obrigada a ter relações e que “praticamente” foi obrigada a ir buscar o contracetivo.

  12. Não compreendemos, com o devido respeito, como para o Tribunal a quo, tais dúvidas não relevaram para a decisão constante do douto Acórdão proferido, porquanto, tais questões causam dúvida sobre a veracidade dos factos, ou seja, sobre a forma como aconteceram, ou não aconteceram.

  13. Assim, entendemos não ter andado bem o tribunal a quo ao decidir, como decidiu, pois as dúvidas trazidas pelo depoimento da ofendida, pois as regras de experiência comum impunham uma decisão diferente, no sentido de terem sido dados como não provados os factos referidos em 5, 6 e 7 dos factos dados como provados.

  14. Pelo que, existe um erro notório de apreciação de prova (art.410, nº 2, al. c) do C. P. P.).

  15. Neste conspecto, deverá proceder-se à alteração da matéria de facto, nos seguintes termos: 5, 6 e 7- retirados para os factos não provados 18º Foram, pois, ainda violados os princípios da presunção de inocência e seu sub-princípio “in dubio pro reo” inscritos, entre outros normativos, no art. 32º, 2 (1ª parte) CRP.

  16. Quanto à matéria de direito: I- O crime de Violação, previsto no artigo 164.º, n.º 1, do CP, é um crime de execução vinculada, i.é., tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave ou acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir.

    II – O agente só comete o crime se, na concretização da execução do acto sexual, ainda que tentado, se debater com a pessoa da vítima, de forma a poder-se falar em “violência”.

    III – A força física destinada a vencer a resistência da vítima pressupõe que esta manifeste de forma positiva, inequívoca e relevante a sua oposição à prática do acto.

    IV – A recusa meramente verbal ou a ausência de vontade, de adesão ou de consentimento da ofendida são, por si só, insuficientes para se julgar verificado o crime de Violação.

  17. Da discussão anteriormente exposta e referente à matéria de facto se extrai que os factos...

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