Acórdão nº 2458/18.2T8EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelMÁRIO BRANCO COELHO
Data da Resolução05 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Évora, C…a impugnou o despedimento na sequência de procedimento disciplinar movido pelo empregador Centro Social e Paroquial ….

Realizada a audiência prévia, sem conciliação das partes, o empregador apresentou articulado motivador do despedimento, o qual mereceu a contestação da trabalhadora, concluindo pela ilicitude daquela decisão e pedindo o pagamento de indemnização de antiguidade e retribuições devidas desde o despedimento, bem como € 1.394,53 a título de diferenças salariais.

Realizado o julgamento, a sentença declarou a ilicitude do despedimento, condenando o empregador a pagar uma indemnização equivalente a 35 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fracção, bem como as retribuições devidas desde o despedimento, sem prejuízo de eventual desconto das quantias a que se refere o art. 390.º n.º 2 al. c) do Código do Trabalho, e absolvendo do demais peticionado.

Introduzindo a presente instância recursiva, o empregador conclui: 1.ª O recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, por em seu entender, ter ocorrido erro manifesto na apreciação das provas, no que respeita aos factos dados como provados e aos factos dados como não provados; 2.ª A decisão recorrida errou, ainda, ao não considerar como provados factos que resultam da prova produzida, dando como não provados factos que deviam ter sido dados como assentes; 3.ª A sentença fez uma incorrecta apreciação dos factos e do direito, tendo deixado violadas normas jurídicas, designadamente o artº 128º e o artigo 351º do Código do trabalho.

  1. Com relevância para o presente recurso, o despedimento da Autora foi promovido pelo Réu com fundamento violação dos deveres de a trabalhadora realizar o trabalho com zelo e diligência e de cumprir as suas ordens e instruções respeitantes a execução ou disciplina do trabalho.

  2. Entendeu o Recorrente que a trabalhadora desobedeceu a ordens que legitimamente lhe foram transmitidas no sentido de consultar os livros de recados e de ocorrências, assim como que a trabalhadora apesar de ter visto que o soro não estava a ser infundido na idosa doente, não adoptou nenhum procedimento tendente à resolução do problema, deixando a mesma entregue à sua sorte.

  3. Foi ainda tido em conta como fundamento do despedimento com justa causa, o facto da trabalhadora quando estava a fazer a higiene corporal da utente A…, lhe ter introduzido na boca a esponja que estava a usar para a lavar, tendo-o feito na presença da filha da idosa, factos que foram do conhecimento de outros familiares, os quais manifestaram ao Recorrente o seu desagrado pelo sucedido.

  4. O Recorrente considerando a actuação da Autora como ilícita e violadora das normas constantes das alíneas a), c), e e) do nº 1 do artigo 128º, a qual pela sua gravidade e consequência, abalou irremediavelmente a confiança que nela depositava, procedeu ao seu despedimento com justa causa, nos termos do disposto no artº 351º nº 1 e nº 2 a), d) h) e i) do Código do Trabalho.

  5. Em contrapartida, a trabalhadora considerou que a justa causa de despedimento prevista no artº 351º não se encontra preenchida por não ter praticado qualquer ato doloso ou culposo consubstanciado na violação de qualquer dever funcional, nem ter assumido qualquer comportamento que, pela sua gravidade e consequências, impossibilite a continuidade da relação laboral.

  6. Decidiu a Mmª Juiz que a entidade patronal não logrou provar a factualidade que esteve na base do despedimento e nem que de tal factualidade se pode retirar a culpa da trabalhadora e a impossibilidade prática da manutenção do vínculo laboral, tendo em consequência declarado ilícito o despedimento e o Recorrente sido condenado a pagar à Recorrida uma indemnização em valor equivalente a trinta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fracção, até há data do trânsito em julgado da decisão.

  7. Foi ainda a entidade patronal condenada a pagar à trabalhadora as retribuições que seriam devidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, incluindo férias e os subsídios de férias e de Natal devidos no referido período, sem prejuízo do eventual desconto das quantias a que se referem os artigos 390º, 2 c) do Código do Trabalho, e 98º-N 1 a 3 do Código do Processo de Trabalho, acrescidas dos juros à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.

  8. A Meritíssima Juiz considerou que a Recorrida não violou o seu dever de obediência no que se refere à consulta dos livros de recados da enfermeira e da médica, por a respectiva existência e consulta não resultarem de obrigação imposta pela Segurança Social 12.ª A Mmºa Juiz decidiu incorrectamente, quando deu como não provado tal facto (nº 1 dos factos dados como não provados) motivo porque se impugnando a decisão sobre a matéria se requer a reapreciação da prova gravada no que se refere às testemunhas: i) T… (início da gravação: 11:24:19, fim da gravação 11:53:10) ii) S… (início da gravação: 10:44:04, fim da gravação 11:23:10) iii) I… (início da gravação 11:53:59, fim da gravação 12:22:43) 13.ª Tais depoimentos mostram-se em harmonia entre si e dos mesmos o que ficou demonstrado é que quer o Livro de Ocorrências das trabalhadoras, quer o Livro de Recados da enfermeira e da médica, existem na ERPI, por imposição do Instituto da Segurança Social, sendo este último essencial à boa comunicação entre o corpo clínico do Lar de Idosos e as restantes colaboradoras.

  9. Assim como ficou demonstrado, com base nos supra referidos depoimentos, que é através da leitura deste livro de recados da enfermeira e da médica que as trabalhadoras têm conhecimento de quais os procedimentos clínicos que devem observar relativamente a cada um dos idosos, o que só por simples dever de diligência e zelo seria suficiente para incutir na Recorrida a necessidade de os consultar.

  10. Acresce que nenhuma dúvida subsiste, face à prova produzida, de que todas as colaboradoras têm ordens, transmitidas pela sua directora técnica, de que devem iniciar os respectivos turnos pela leitura dos referidos livros, encontrando-se os mesmos em local acessível e do conhecimento de todas as colaboradoras.

  11. Mais resulta daqueles depoimentos, sobretudo do da testemunha S…, que as colaboradoras têm ordens para ler os recados referentes aos dias em que estejam ausentes do lar, por ser esta a única forma de tomarem conhecimento do que ali se passou durante a sua ausência e, assim, poderem dar continuidade aos cuidados devidos aos idosos. Facto aliás dado como provado relativamente ao livro de ocorrências das trabalhadoras (13º dos factos assentes) mas que, tendo em conta a prova supra indicada, também o devia ter sido quanto ao Livro de recados da enfermeira e da médica.

  12. Assim, demonstrada a obrigatoriedade da existência do livro de recados da enfermeira, bem como a obrigatoriedade da respectiva consulta, que resulta de ordens legítimas da direcção técnica do Recorrente, melhor justiça teria sido feita se o Tribunal tivesse decidido que a Recorrida violou o seu dever funcional de obediência ao não proceder aquela consulta.

  13. Sendo irrelevantes os factos dados como provados em 38º e 39º, impondo-se por isso, interpretação diversa daquela que foi efectuada pela Mma. Juiz, porquanto ainda que nenhuma colega tenha transmitido à Autora que a utente M… estava a soro, ou que essa informação não constasse dos registo desse dia, sempre a trabalhadora a teria obtido se tivesse lido o livro de recados da enfermeira, referente aos dias em que esteve ausente, como era sua obrigação funcional.

  14. Em consequência, se tivesse ocorrido um correto julgamento da prova produzida, necessariamente teria sido decidido que a trabalhadora Autora/Recorrida ao não consultar aqueles livros, como a própria comunicou à Directora Técnica, sua superior hierárquica, e como era sua obrigação funcional, sem que se tenha apurado qualquer razão justificativa de tal omissão, desobedeceu às ordens expressas da sua entidade patronal, violando com isso o dever de obediência a que estava adstrita, tal como foi considerado em sede de processo disciplinar.

  15. O Tribunal recorrido também errou quando decidiu que não assiste razão à entidade patronal Recorrente quando esta despediu a Recorrida com justa causa, por considerar que a mesma lhe desobedeceu ilegitimamente actuando sem zelo nem diligência quando não adoptou nenhum procedimento tendente a resolução do problema da infusão do soro na cliente M…, apesar de a conhecer, não procurou reverter a situação através do manuseamento do dispositivo aplicado na doente, não comunicou esse facto às colegas a quem induziu erro quando lhes disse que estava tudo bem e não reportou a informação nem à enfermeira, nem à médica, nem à directora técnica.

  16. O tribunal estribou a sua decisão no facto da enfermeira não ter escrito no seu livro de recados que a infusão do soro devia demorar 24 horas, considerando, erradamente, que tal levou a que as colaboradoras não percebessem que o soro não estava a ser infundido correctamente, concluindo que a Recorrida não incorreu na violação dos seus deveres de zelo e diligência na execução do trabalho e de obediência às ordens que legitimamente lhe são transmitidas.

  17. Contudo, ficou demonstrado que a omissão da informação sobre a velocidade de gotejamento do soro e o período de tempo que o mesmo, previsivelmente, demoraria a ser infundido, não explica nem justifica a conduta da Autora, consubstanciada na não consulta dos livros de ocorrência e no não cumprimento dos procedimentos instituídos na ERPI, com vista à resolução destes episódios e salvaguarda do bem-estar e saúde dos idosos.

  18. A este respeito deve ser reapreciada a prova resultante do depoimento da seguinte testemunha: i) T… (início da gravação: 11:24:19, fim da gravação 11:53:10) 24.ª Resulta do depoimento desta testemunha enfermeira de serviço no Lar do Recorrente...

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