Acórdão nº 734/17.0T8OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelMATA RIBEIRO
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA Vítor José Gonçalves Francisco e Cristina Maria Quintino Mimoso Francisco, casados entre si, intentaram ação declarativa de condenação com processo comum, contra Lee Blackwell, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo de Competência Genérica de Olhão - Juiz 2), peticionando a condenação desta a: 1. Abster-se de praticar atos que diminuam, alterem, ou modifiquem o gozo e o exercício do direito de propriedade aos Autores, por ela própria ou por interpostas pessoas, nas partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal identificado na petição inicial; 2. Restituir aos Autores o uso e a fruição, em pleno, do seu direito de propriedade, retirando as restrições de acesso ao terraço do lado poente, nomeadamente os muros, as vedações e a porta de acesso ao mesmo, restituindo o uso pleno e fruição do terraço; 3. Pagar aos Autores a quantia indemnizatória de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) pelo tempo que os mesmos estiveram privados do uso e fruição do terraço e em que viram assim diminuído e restringido o seu direito de propriedade; 4. Usar a sua fração de acordo com o fim habitacional que lhe está destinado e que consta do título constitutivo da propriedade horizontal, não a usando para exercer uma atividade comercial, oferecendo um serviço, mediante determinado preço, com vista ao lucro, em tudo semelhante a um hotel, a uma pensão ou a um hostel; 5. Pagar aos Autores a quantia de 3.000,00€ (três mil euros) a título indemnizatório pela privação do uso pleno da propriedade pelos Autores e pelo elevado transtorno que sofreram pela falta de privacidade e segurança, devido à enorme quantidade de pessoas estranhas ao condomínio e que dele fazem uso.

Como sustentáculo do peticionado alegam, em síntese: - Os autores e a ré são proprietários, respetivamente, das frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B”, correspondentes ao 1.º andar do prédio urbano descrito nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial, constituído em propriedade horizontal, sendo também comproprietários das partes comuns do prédio na medida da permilagem das respetivas frações; - A ré vem ocupando e fruindo de forma exclusiva da parte poente do terraço do prédio em apreço, impedindo os autores de ao mesmo aceder e de o utilizarem, terraço que constitui parte comum do prédio, não estando prevista no título constitutivo da propriedade horizontal a afetação de áreas comuns à fração da ré, pelo que tal ocupação exclusiva é ilegítima e priva os autores de usar e fruir em pleno do seu direito de compropriedade em relação ao referido terraço, provocando-lhe danos; - A ré tem vindo a utilizar a sua fração para “alojamento local”, dando-lhe, um uso diverso daquele a que a mesma se destina, de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal – habitação; - O uso dado à fração pela ré é causa de perda de privacidade pelos autores, de níveis de ruído elevados, e de aumento de insegurança, que os priva do uso e fruição pleno da sua propriedade.

Citada a ré veio contestar invocando, em síntese: - Existência de abuso de direito por parte dos autores, na medida em que, quando adquiriram a sua fração, em 2008, já tinham conhecimento da existência do acordo firmado entre os anteriores proprietários de ambas as frações, pelo qual declararam que, quanto ao uso do terraço, a parte nascente ficaria adstrita ao uso particular da então proprietária da fração “A” e a parte poente ao uso particular do então proprietário da fração “B”, nunca tendo os autores mostrado qualquer discordância, antes se conformaram e atuaram de acordo com o mesmo; - Tal acordo manteve-se entre os autores e o anterior proprietário da fração que atualmente é da ré, e que foi por esta adquirida em 2014, já com os muros e a vedação erigidos, pelo que houve uma aceitação tácita, pelos autores, do conteúdo do referido acordo celebrado entre os anteriores proprietários, o que criou na Ré a confiança de que os Autores iriam manter o acordado quanto ao uso do terraço; - A utilização de uma fração destinada a habitação para efeitos de alojamento local, não altera o destino da mesma, e que a exploração da fração “B” para alojamento local se encontra registada, na titularidade da ré, inexistindo a perda de privacidade e elevado ruído alegado pelos autores, tanto mais que os mesmos residem em França e só utilizam a fração “A” nos meses de Verão.

Pedem a improcedência da ação e a condenação dos autores como litigantes de má fé.

Na resposta, vieram, além do mais, os autores alegar a atuação da ré como litigante de má fé e requerer a respetiva condenação em multa.

Saneado o processo e realizada audiência final veio a ser proferida sentença cujo dispositivo reza: “Por todo o supra exposto e ao abrigo das disposições legais enunciadas, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decide-se:

a) Condenar a Ré a abster-se de praticar atos que diminuam, alterem, ou modifiquem o gozo e o exercício do direito de compropriedade dos Autores sobre as partes comuns do prédio identificado no ponto 1 dos factos provados; b) Condenar a Ré a restituir aos Autores o acesso, uso e fruição da parte poente do terraço do prédio, retirando as restrições de acesso, nomeadamente os muros, as vedações e a porta de acesso ao mesmo; c) Condenar a Ré a abster-se de utilizar a sua fração para fim diverso do fim habitacional que lhe está destinado e que consta do título constitutivo da propriedade horizontal, e abster-se de, na mesma, exercer qualquer tipo de atividade, designadamente a de alojamento local; d) Absolver a Ré do demais peticionado pelos Autores; e) Absolver os Autores do pedido de condenação como litigantes de má fé, deduzido pela Ré; f) Absolver a Ré do pedido de condenação como litigante de má fé, deduzido pelos Autores.

*Custas a cargo dos Autores, em partes iguais, e da Ré na proporção do decaimento de 40% e 60% respetivamente (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 528.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

”*Inconformada com a sentença, veio a ré interpor o presente recurso de apelação, formulando nas suas alegações, as seguintes conclusões: I - É objeto deste recurso a douta decisão, de que se discorda, proferida nos autos acima identificados e que decidiu pela condenação da Ré em:

  1. Abster-se de praticar atos que diminuam, alterem, ou modifiquem o gozo e o exercício do direito de compropriedade dos Autores sobre as partes comuns do prédio identificado; b) Restituir aos Autores o acesso, uso e fruição da parte poente do terraço do prédio, retirando as restrições de acesso, nomeadamente os muros, as vedações e a porta de acesso ao mesmo; c) Abster-se de utilizar a sua fração para fim diverso do fim habitacional que lhe está destinado e que consta do título constitutivo da propriedade horizontal, e abster-se de, na mesma, exercer qualquer tipo de atividade, designadamente a de alojamento local.

    II -A douta Sentença Recorrida defende que os Autores não se conformaram com a utilização exclusiva de parte do terraço pela Ré, nem que nunca se tenham oposto a tal utilização, devendo a Ré abster-se de atos que coloquem em causa o direito dos Autores na utilização do terraço, removendo os obstáculos existentes.

    III - Todavia, não é essa a interpretação que resulta dos factos julgados, constante dos autos, mas sim a de que os Autores se conformaram com a situação real existente no prédio, agindo agora em abuso de direito, na modalidade de suppressio.

    IV - Por outro lado, os muros/vedações existentes no terraço não foram construídos pela Ré, tendo os Autores conhecimento da sua existência aquando da aquisição da sua fração.

    V - Aliás, desde sempre os Autores conhecem o terraço e sua utilização distinta, visto que viveram, enquanto arrendatários e só muito depois enquanto proprietários, tanto que o usam de forma privativa também, fechando a porta da sua parte à chave e utilizando de forma independente e livre, sem que a Ré tenha acesso ou uso.

    VI - Razão pela qual não deverá a Ré ser condenada a cessar a utilização do terraço nos exatos termos em que o tem feito, bem como não deverá ser condenada a retirar os muros/vedações. Caso assim não se entenda, deverão os custos com a remoção ser divididos entre ambas as partes.

    VII - Por último, a utilização da fração autónoma para alojamento local não afeta o seu fim habitacional.

    VIII - Não se pode confundir uma eventual atividade comercial da Ré, com o fim a que foi destinada a fração autónoma no título de constituição da propriedade horizontal.

    IX - Pode a atividade de alojamento local ser praticada em imóveis destinados à habitação.

    X - Face ao exposto, o douto Tribunal não andou bem quando tomou a decisão ora contestada, devendo a sentença ser revogada e substituída por outra que transcreva o exposto supra, como é de direito e justiça.

    Foram apresentadas alegações por parte dos recorridos, nelas pugnando pela manutenção do julgado.

    *Apreciando e decidindo O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso (artºs. 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do art.º 663º n.º 2...

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