Acórdão nº 151/14.4T3GDL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelSÉRGIO CORVACHO
Data da Resolução13 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No Processo Comum nº 151/14.4T3GDL, por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, proferido em 11/3/2019, foi decidido: Atenta a natureza semi pública do crime de abuso sexual (vítima AB) p. e p. pelo art.º 172.º, n.º 1, do Código Penal, na data da prática dos factos – artigos 113º, nº 1, 116º, nº 2, 172.º e 178º todos do Código Penal – atenta a ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal, absolver o arguido JMSR

Absolver o arguido JMSR da prática de um crime de coação agravada, previsto e punido pelos art.ºs 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. b), do Código Penal.R Condenar o arguido JMSR pela prática, em autoria material, em trato sucessivo, de um crime de abuso sexual de menores, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão

Inconformado, interpôs recurso do acórdão proferido, para este Tribunal da Relação o arguido JMSR

Sobre o recurso interposto recaiu o acórdão desta Relação de Évora de 22/9/2020, no qual se decidiu: a) Conceder provimento parcial ao recurso, julgando verificada a nulidade do acórdão prevista no art. 379º nº 1 al. c) do CPP, na vertente da omissão pronúncia, e declarar a mesma suprida, determinando o acrescento de um ponto à matéria de facto provada, consignado a fls. 45 do presente acórdão; b) Negar provimento ao recurso quanto ao mais e confirmar a decisão recorrida

Na sequência da notificação que lhe foi feita do acórdão desta Relação, o arguido recorrente JMSR remeteu aos autos um requerimento do seguinte teor: «JMSR, com o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, arguido melhor identificado a fls. dos autos à margem referendados, tendo sido notificado do acórdão proferido, em recurso, por este subido Tribunal, confirmador do teor do acórdão proferido em primeira instância, ao abrigo do disposto nos artigos 425.°, n.º 4, ex vi arts. 379.°, n.º 1, alíneas a), b) e c), todos do CPP, vem arguir a NULIDADE do referido Acórdão, nos termos e com os seguintes fundamentos: 1. Por douto acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de Setúbal - Juiz 3 nos presentes autos, foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 9 meses de prisão pela prática de um crime de abuso sexual de menor, na pessoa de AC, crime esse de trato sucessivo. 2. Inconformado, o arguido interpôs recurso da referida decisão para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, formulando no mesmo conclusões [pontos A) a WW)], a par de extensa motivação, através da qual, além do mais, veio impugnar a matéria de facto dada como provada e não provada. 3. A final, pugnou pela revogação da decisão recorrida e pela modificação da matéria de facto de tal forma que os factos consubstanciadores da prática do crime pelo qual fora condenado em primeira instância viessem a ser dados como não provados, com a sua consequente absolvição. 4. Neste subido Tribunal foi proferido douto Acórdão através do qual, após análise de parte dos argumentos invocados pelo arguido, veio a ser - não obstante a pontual modificação da matéria de facto quanto à idade da pretensa vítima - mantida a decisão recorrida nos seus exactos termos. 5. O douto acórdão cuja nulidade ora se argui começa por, a páginas 33, elencar por pontos, uma síntese do que entende terem sido as nulidades invocadas pelo arguido contra a sentença, 6. Relegando para um último ponto a impugnação da matéria de facto levada a cabo pelo arguido no seu recurso, resumindo-a da seguinte forma: "- O Tribunal ignorou o antagonismo entre os depoimentos das testemunhas AC, MJS e MR, não tendo indicado as razões que o levaram a credibilizar um em detrimento de outro, pelo que incorreu na nulidade dos arts. 379,°, 1, alínea a) e 374.°, nº 2 do CPP. " 7. Quanto à nulidade sobre a qual o Venerando TRL se debruça a páginas 36 e ss. do seu Acórdão (assim a consideração pelo Tribunal a quo como irrelevantes de determinados factos contidos na contestação apresentada pelo arguido, e enumerados no ponto J das conclusões do seu recurso para o TRE, que não foram dados como provados ou não provados) expressa o acórdão a interpretação segundo a qual o Tribunal a quo não se mostrava obrigado a formular um juízo sobre os mesmos, no sentido de os dar ou não como provados, por não integrarem as categorias de factos que elenca na página 38 do texto decisório. 8. Na tese dos Venerandos Desembargadores, nenhum dos factos elencados no ponto J das conclusões do recurso tem cabimento nas categorias de factos acima referidas, o que só pode resultar de lapso de análise. 9. Com efeito, é manifesto que a quase totalidade dos factos contidos no ponto J das conclusões integra a categoria de factos que o Tribunal elenca na alínea b), a saber, "circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática dos factos referidos em a) - sendo estes últimos os factos que integram o tipo de crime. 10. Ora, o arguido vem condenado pela prática de um crime de abuso sexual, sob a forma de trato sucessivo, assim sob forma repetida num determinado período, cujas momentos exactos o Tribunal não logrou apurar mas que situa entre os anos 2007 e 2010. 11. Todos os factos que se prendem com as características físicas do escritório onde os pretensos factos ocorreram; a insonorização desse local; as pessoas que habitualmente nele se encontravam; os horários em que lá se encontravam, e bem assim todos aqueles que digam respeito ao contexto que levou a então menor a deslocar-se ao escritório e lidar com o arguido, são factos que caem claramente na categoria de "circunstâncias de tempo, modo e lugar” em que ocorreram os factos integradores do crime pretensamente cometido. 12. O Acórdão do TRE pura e simplesmente ignora este conjunto de factos que são, na verdade, os essenciais relativamente à contestação do arguido, pata cujo sustento o arguido juntou inúmeros elementos probatórios ao processo, inclusivamente um filme do interior do seu escritório para se perceber a forma como o som se propagava no interior, a par das concretas distâncias e dimensões entre salas e demais divisões de tal imóvel. 13. O mesmo se digna quanto aos factos que o arguido elencou na sua contestação acerca das suas condições pessoais, familiares e profissionais, relativamente aos quais foram inclusivamente ouvidas testemunhas por si arroladas. 14. Quanto a estes últimos factos, não se pode admitir que o Tribunal apenas valore o que consta do relatório social e ignore os demais factos alegados pela defesa, porquanto os factos relativos às condições pessoais são factos que são úteis à tarefa de determinação da sanção aplicável, não podendo o arguido ficar refém do que os "peritos" deixam plasmado no relatório social, em detrimento do testemunho de pessoas que o conheçam há "uma vida" e que podem com muito mais probidade abonar a seu favor. 15. Assim, havendo elementos, nomeadamente testemunhais, no processo, aptos a fazer prova daqueles factos, impunha-se que o Tribunal conhecesse dos mesmos nesta sede de recurso, da mesma forma como valorou a demais prova (pelo menos a que analisou) para confirmar a decisão recorrida. 16. Os factos acima elencados - todos os mencionados no ponto J das conclusões de recurso _ ainda que possam ser instrumentais, permitem contextualizar os factos que integram a prática do crime pelo arguido, e deixam a nu as fraquezas do depoimento da pretensa vitima, expondo-o às regras da experiência comum de tal forma que não podiam dar-se como provados. 17. Ao rotulá-los, erradamente, fora das categorias que elencou no texto da sua decisão, o Tribunal ad quem não se pronunciou sobre a questão suscitada pelo arguido no seu recurso _ pelo menos não na totalidade - perpetuando assim o vício de omissão de pronúncia que se havia apontado ao acórdão de primeira instância. 18. Nessa medida, o acórdão do venerando TRE é nulo por omissão de pronúncia quanto ao que o arguido, a esse propósito, suscitou no seu recurso, tudo por força das disposições conjugadas dos artigos 339.º, n.º 4; 368°, n° 2, e 369.°, n.º 1, alínea c), todos do CPP, o que ora expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos. 19. Entendimento diverso do quadro normativo acima citado, nomeadamente no sentido de que tais factos seriam irrelevantes, redundaria numa limitação dos direitos de defesa do arguido, designadamente do seu direito ao contraditório e de defesa, consequentemente, também, o direito a um julgamento justo (fair trial) o que sempre colidiria com o disposto no art.° 32.º, n.º l e n.º 5, ambos da CRP, inconstitucionalidade que ora expressamente se invoca com carácter de alegação para efeitos de eventual recurso ao Tribunal Constitucional nos termos do disposto no art.° 72.°, n.º 2 da Lei 28/82 de 15 de Novembro (adiante LTC). 20. Culmina o douto acórdão do TRE a suas páginas 42 e ss, com uma análise do pretenso último argumento do arguido reportável a "nulidades", que dizia respeito à desconsideração pelo Tribunal a quo das versões contraditórias apresentadas pela pretensa vítima, sua mãe e esposa do arguido, tudo apto a descredibilizar a versão dos factos da AC, assim, retirar o único suporte probatório dos pretensos abusos pelo arguido. 21. Segundo o Venerando TRE, o referido pelo arguido "antagonismo" de depoimentos entre estas três testemunhas diz apenas respeito a aspectos circunstanciais dos factos probandos e, assim, seria inapto a por em causa os factos integradores da prática do crime pelo arguido. 22. Contudo, parece o Acórdão esquecer que no caso em apreço a única tarefa que cabe ao julgador é, precisamente, a de analisar se há-de conferir, ou não, credibilidade suficiente à pretensa vítima para que o deu depoimento, desacompanhado de outros elementos de prova (PORQUE EFECTIVAMENTE ASSIM É) possa ser considerado de tal forma sólido que permita sobrepor-se à...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT