Acórdão nº 203/17.9GTABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA FILOMENA SOARES
Data da Resolução09 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora: I [i] No âmbito do processo de Inquérito nº 203/20.1 GAFA, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Procuradoria da República do Juízo de Competência Genérica de Ferreira do Alentejo, após interrogatório judicial complementar de arguido, nos termos prevenidos no artigo 144º, do Código de Processo Penal, realizado no dia 21.12.2020, pelo Mmº Juiz de Instrução foi decidido: “Veio o Ministério Público, por promoção de 17-12-2020, com a ref.ª Citius 31494465, requerer que fosse designada data para sujeição do arguido a interrogatório complementar, com vista a eventual alteração da medida de coacção que lhe foi aplicadas, com emissão de mandados de detenção, a fim de assegurar a sua presença na data que viesse a ser designada para o efeito

Estando em causa o eventual agravamento das medidas de coação impostas ao arguido e tendo em vista o exercício do contraditório, foi proferido despacho na mesma data, com a ref.ª Citius 31495018, determinando a realização de interrogatório complementar do arguido, com designação da respectiva data, assim como, a notificação do arguido, por OPC, para esse efeito

O arguido compareceu voluntariamente a este interrogatório complementar, nos dois períodos da sua realização, e prestou declarações tendo estritamente por objecto os motivos do alegado incumprimento da medida de coacção que lhe foi aplicada e em que se baseou o Ministério Público no seu requerimento

* Está em causa decidir do agravamento da medida de coacção decidida aplicar ao arguido, em sede de 1º interrogatório judicial realizado, em 03-12-2020, por alegada violação das obrigações então impostas

* Para a sua decisão, o Tribunal considerou as declarações do arguido prestadas no interrogatório complementar que antecedeu

Perguntado sobre os motivos do seu alegado incumprimento, o arguido, sintetizando, justificou que, por um lado, preocupa-o que a boa reputação de que beneficia em … seja prejudicada com a utilização da pulseira electrónica, assim como a sua reputação junto dos seus médicos, e por outro, justificou que a utilização deste equipamento interferirá com a sua saúde e com os tratamentos médicos que se encontra a receber para combater a doença cancerígena de que padece

Sobre este último aspecto, transmitiu que se encontra a fazer quimioterapia e, neste âmbito, tem que se deslocar ao Centro …, em …, cerca de duas vezes por mês, onde costuma realizar um exame de scanner do corpo, que não é compatível com a utilização de pulseira electrónica. Mais afirmou que a utilização da pulseira electrónica lhe causa stress, contribuindo para os efeitos secundários da quimioterapia

O arguido declarou, ainda, que respeita o Tribunal e a lei portuguesa, e que cumprirá a medida de vigilância electrónica, se for possível não utilizar o equipamento nas suas deslocações a … para realização dos referidos tratamentos médicos, agradecendo ao Tribunal que tal seja tido em consideração

Perguntado sobre, se após a decretação da medida de coacção, se se aproximou da residência da ofendida, admitiu que sim, justificando que não o fez intencionalmente, mas quando estava de passagem para casa de um amigo, na estrada, acompanhado do filho, da nora e dos netos, nunca tendo parado junto à casa da ofendida

Além das declarações do arguido, na parte respeitante ao cumprimento ou não da medida de coacção, o Tribunal considerou, ainda, as informações da DGRSP de 04-12-2020, com a ref.ª Citius 1876910, e de 11-12-2020, com a ref.ª Citius 1880988, cujo teor aqui se dá por reproduzido e que, em suma, dão conta de que o arguido não aceitou os equipamentos de vigilância eletrónica para fiscalização da medida de coacção decidida aplicar ao arguido

Concretizando, da informação da DGRSP de 11-12-2020, com a ref.ª Citius 1880988, ressuma ainda que o arguido “não aceitou os equipamentos de vigilância eletrónica para fiscalização da medida de coação de proibição de contactos, mesmo após conversa com o seu mandatário, tendo o mesmo assinado a declaração de não consentimento que junto se anexa”. Também aí se informa que, “o arguido refere, recorrentemente, não perceber o que lhe é transmitido pelos técnicos da equipa de vigilância eletrónica, mesmo quando se comunica em inglês.”

* Em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foi decidido aplicar-lhe a seguinte medida de coacção, em acréscimo ao termo de identidade e residência: a) Obrigação de não permanecer nas imediações da residência e do local de trabalho da ofendida e em qualquer outro local por esta frequentado, nos termos do disposto nos artigos 200º, nº 1, als. a) e d) do Cód. Proc. Penal e 31º, nº 1, al. d) da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro; e b) Obrigação de não contactar por qualquer forma com a ofendida, nos termos do disposto nos artigos 200º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Penal e 31º, nº 1, al. d) da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro

Ademais, foi determinado que a execução de tal medida fosse controlada por vigilância electrónica, fixando-se o perímetro de exclusão em 400 (quatrocentos) metros, quer quanto à zona de protecção fixa (residência da ofendida e local de trabalho desta), quer quanto à zona de protecção dinâmica, dispensando-se a prestação de consentimento pelo arguido para este efeito, porquanto, em face de todo o circunstancialismo sobredito e julgado indiciado, a utilização de meios técnicos de controlo à distância mostrava-se imprescindível para a protecção dos direitos da ofendida, cfr. artigo 36º, nº 7, da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro

Ora, determina o artigo 203º, nº 1, do Cód. Proc. Penal que, “Em caso de violação das obrigações impostas por aplicação de uma medida de coacção, o juiz, tendo em conta a gravidade do crime imputado e os motivos da violação, pode impor outra ou outras medidas de coacção previstas neste Código e admissíveis no caso.” Por seu turno, determina o nº 2 do mesmo artigo que: “Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 193.º, o juiz pode impor a prisão preventiva, desde que ao crime caiba pena de prisão de máximo superior a 3 anos: a) Nos casos previstos no número anterior; ou b) Quando houver fortes indícios de que, após a aplicação de medida de coacção, o arguido cometeu crime doloso da mesma natureza, punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.”

Para efeitos e agravamento de uma medida de coacção decretada “(…) o juiz deverá, após a apreciação dos “motivos” da violação, conjugados com a gravidade do crime imputado, ponderar, à luz dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, se existe uma maior exigência cautelar e consequentemente necessidade de “reforço” das medidas de coação, impondo outra ou outras medidas de coação que sejam admissíveis no caso. A violação deverá ser sempre culposa” (sublinhado nosso, in Código de Processo Penal, Comentado, Almedina, 2ª edição, 2016, págs. 820 e 821)

Do exposto, resulta, em síntese, que para a alteração da medida de coacção decidida aplicar, no sentido do seu agravamento, não bastará todo e qualquer incumprimento do arguido, posto que só um incumprimento culposo poderá justificar tal agravamento

Por outro lado, é necessário que a medida resultante do agravamento se mostre necessária, adequada e proporcional face às novas exigências cautelares que se suscitem no caso, em conformidade com os princípios consagrados no artigo 193º, nº 1, do Cód. Proc. Penal

Estando em causa o agravamento para prisão preventiva é também necessário que ao crime caiba pena de prisão superior a 3 (três) anos e que quaisquer outras medidas de coacção menos restritivas dos direitos e liberdades do arguido sejam inadequadas e insuficientes, devendo sempre ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares

Subsumindo, agora, as circunstâncias do caso concreto a estas ideias orientadoras, pensa-se que, por ora, é de rejeitar o agravamento imediato da medida de coacção decidida aplicar ao arguido, designadamente a prisão preventiva, por não se mostrar necessário, adequado ou proporcional, e por não resultar clarividente dos autos um incumprimento culposo daquela medida

Com efeito, dos elementos considerados pelo Tribunal, incluindo a justificação apresentada pelo arguido no interrogatório complementar precedente, não há dúvidas que o mesmo se opôs à instalação do sistema de vigilância electrónica

Não há dúvidas, também, que os receios de perda de reputação invocados pelo arguido não constituem justificação idónea ou razoável para o exonerar da sujeição à vigilância electrónica

Sucede, porém, que o arguido também justificou a sua recusa com a incompatibilidade entre a vigilância electrónica e os seus problemas de saúde e tratamentos médicos e, não sendo controvertido nos autos que o arguido é doente de cancro e que se encontra a receber tratamento médico para a sua cura, o crivo do alegado incumprimento tem que ser mais fino e cauteloso, estando em causa o direito fundamental à saúde do arguido

É certo que não está ainda comprovada, designadamente por atestado médico, que se mostra pertinente, a incompatibilidade da instalação dos equipamentos de vigilância electrónica com o estado de saúde do arguido ou com os tratamentos médicos e medicamentosos que este se encontra a receber, contudo, poderemos estar ante motivo atendível para justificar a oposição do arguido, de molde a obstar ao imediato agravamento da medida de coacção, para mais mediante a decretação da sua prisão preventiva

Acresce dizer, em reforço de ideias, que não está comprovado que o arguido já tivesse a efectiva oportunidade de juntar aos autos documentos médicos comprovativos da tal incompatibilidade da medida de fiscalização com os seus tratamentos médicos

Face ao que se acaba de dizer, pensa-se que, ainda, não é seguro afirmar que estamos perante uma recusa injustificada, uma rebelião a uma ordem judicial ou, ainda, que o...

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