Acórdão nº 185/20.0JAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2021
Magistrado Responsável | MOREIRA DAS NEVES |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório
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No 1.º Juízo Central Cível e Criminal de Beja, do Tribunal Judicial da comarca de Beja, procedeu-se a julgamento em processo comum, perante tribunal coletivo de MSM, nascido a …, solteiro, reformado, residente em …, com os demais sinais dos autos, a quem foi imputada a prática, como autor, de um crime de homicídio qualificado, previsto nos artigos 131.º e 132.º, § 1.º e 2.º, al. e) do Código Penal (CP), agravado pelo artigo 86.º, § 3.º do Regime Jurídico das Armas e suas Munições; e um crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 86.º, § 1.º, al. d), e 3.º, § 2.º al. f) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições
PAFF constitui-se assistente e deduziu pedido de indemnização contra o arguido/demandado, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 60 000€ a título de indemnização pela perda do direito à vida de seu pai; e da quantia de 45 000€ a título de outros danos não patrimoniais; acrescidas de juros de mora; JIFF, também constituída assistente, deduziu pedido de indemnização contra o arguido/demandado, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 60 000€ a título de indemnização pela perda do direito à vida de seu pai; da quantia de 45 000€ a título de outros danos não patrimoniais; bem como a quantia de 1 107€ correspondente ao dano patrimonial correspondente ao custo da sepultura, quantias estas acrescidas de juros de mora
O arguido apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos e alegando ter graves problemas do foro psiquiátrico, requerendo a realização de perícia psiquiátrica, o que lhe foi indeferido
A final o tribunal coletivo proferiu acórdão, pelo qual condenou o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio, previsto no artigo 131.º § 1.º CP (para o qual foi convolado o crime de homicídio qualificado), na pena de 14 anos de prisão. Absolvendo-o da prática dos demais crimes
Condenou-o também no pagamento das indemnizações cíveis requeridas, nomeadamente a PAFF a quantia total de 55 000€, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da data da prolação do acórdão; e a IFF a quantia total de 55 000€, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da data da prolação do acórdão; absolvendo-o do demais que havia sido peticionado b) Inconformado com a decisão recorreu o arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Juízo Central Cível e Criminal de Beja-Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja no processo nº185/20.0JAFAR que condenou o recorrente no crime de homicídio simples do artigo 131º, nº1 do CP, na pena de 14 anos de prisão; e nos pedidos de indemnização civil por danos não patrimoniais a PF e a JF em €55.000,00 cada um
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O que se vem por em causa, no presente recurso, é a valoração desadequada que o tribunal fez da prova e da sua subsunção ao Direito, pois face à factualidade dada como provada não era possível atingir-se a decisão de Direito a que se chegou
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O arguido confessou, integralmente e sem reservas, desde o primeiro interrogatório até à audiência de julgamento, a prática do crime, mostrando-se arrependido e formulando um juízo de autocensura, colaborando, dessa forma, com o tribunal na descoberta da verdade
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O tribunal não deu importância, nomeadamente, quando se apurou que a vítima estava de frente para a porta e não de costas, como desenhava a acusação, tendo sido dado como “facto não provado” que o “FF encontrava-se sentado na cama de costas para a porta e não se apercebeu da aproximação do arguido”
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O tribunal refere, apenas, a taxa de álcool registada, não dando relevância à conduta do arguido face à taxa de álcool de 1,92 gr/l que a vítima apresentava; que teria que ser culpabilizante pelo facto das expressões injuriosas proferidas terem contribuído para este fatal desenlace
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Como refere o acórdão, o arguido ficou “exaltado e irritado” e ia acumulando as ofensas à sua honra e consideração só para si, até que teve uma atitude irrefletida e impensada, provocando a morte ao FF, 7. Apesar de estarmos perante uma situação que nunca deveria ter acontecido, mas que, lamentavelmente, aconteceu, é possível que o arguido tenha agido com intenção de ofender corporalmente a vítima, mas a situação desenrola-se de tal maneira que, sem que o agente tivesse intenção, a vítima vem, efetivamente, a morrer daquela atuação
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Estamos, eventualmente, perante uma situação em que uma pessoa causou realmente um mal mais grave do que o pretendido, apesar da sua intenção ser, pura e simplesmente, feri-la, acabando por lhe causar a morte, indo para além da intenção do agente
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O tribunal deu como provado que “o arguido padece de doença pulmonar obstrutiva crónica tabágica, hipotiroidismo, policitémia secundária, insuficiência cardíaca de predomínio direito, etanolismo crónico e perturbação de pessoalidade (doença psiquiátrica)”
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O tribunal deu como provado o constante do Relatório Social, que refere que o arguido “possui vários problemas de saúde, nomeadamente, depressão nervosa, esquizofrenia, bronquite crónica, hérnias discais, encontrando-se medicado e, de acordo com as fontes, dependente de oxigénio e aerossóis, situação que o levava regulamente, antes da reclusão, às urgências do Hospital …, onde pernoitava quase diariamente. Também já manteve tratamento psiquiátrico ambulatório”
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Assim, face a todas estas patologias que afetam a saúde do arguido, foi requerido, nos termos dos artigos 351º e 151º e ss., ambos do CPP, em audiência de julgamento, na sequência do depoimento do arguido e de acordo com os documentos existentes nos autos (Relatório Social e Relatório Médico do Estabelecimento Prisional), que o arguido fosse submetido a perícia médico-legal, pois, parece colocar-se algumas dúvidas quanto à capacidade do arguido avaliar a ilicitude à data da prática dos factos constantes da acusação e, consequentemente, da sua imputabilidade
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Tal perícia teria por objeto saber se, na data de 26-05-2020, (a) o arguido era capaz de avaliar a ilicitude dos seus atos e de determinar de acordo com essa avaliação; (b) e se as capacidades de avaliação e de determinação encontrar-se-iam diminuídas
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O objeto da perícia visava aferir da responsabilidade criminal do arguido, face aos factos descritos na acusação, pretendendo-se saber se, em virtude de uma eventual anomalia psíquica, o arguido teria ou não a noção de poder estar a violar normas jurídicas e a cometer um crime
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Na sequência do requerimento ditado para a ata e do indeferimento da perícia, foi, por parte do arguido, interposto recurso
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Apesar de toda a documentação existente nos autos e da prova testemunhal apresentada, “o tribunal não ficou com qualquer dúvida acerca da capacidade do arguido em avaliar a ilicitude dos seus atos, da sua intenção e do conhecimento do carácter reprovável da sua conduta”
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O tribunal comportou-se como um verdadeiro perito, não tendo dúvidas quanto ao arguido ser imputável; e nem falou, sequer, de uma possível imputabilidade diminuída, omitindo esta última, como foi aventada pela defesa do arguido, não equacionando essas possibilidades em termos do princípio in dubio pro reo
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Pareceu existir, neste caso concreto, faltar, por parte do tribunal, a vontade de se apurar o verdadeiro estado de saúde do arguido; parecendo existir uma maior preocupação em condenar uma pessoa nestas condições de saúde do que submetê-la a um tratamento adequado e, quem sabe, necessário e urgente
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Quanto aos pedidos de indemnização civil, há que dizer que eles são manifestamente exagerados, tendo em conta a factualidade dada como não provada, quanto ao facto ilícito, ao prejuízo e ao nexo de causalidade entre o facto e o dano verificado, pois, como refere o próprio acórdão, “apesar do alegado pelos demandantes, não se demostrou que a vítima não tivesse falecido de imediato ou tivesse tido a perceção da iminência da sua morte ou sequer tivesse sentido dores”
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Sobre a convicção a que o tribunal chegou, o recorrente, respeitando o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 127º do CPP) pretende abalar não apenas o raciocínio conclusivo, com base na factualidade provada, mas, sobretudo, os pressupostos lógico-dedutivos desse raciocínio
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Na determinação da medida da pena, ter-se-á que ter em consideração os critérios estabelecidos nos artigos 71º, 1 e 2 e 40º do CP, nomeadamente, quanto às finalidades das penas; mas também a reintegração do agente na sociedade, a sua ressocialização e reabilitação, tendo por base uma política administrativa de segurança mas, sobretudo, uma política criminal de justiça
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Após o sucedido, o arguido “viu sangue na barriga, mas foi embora pensando que o FF estaria vivo”, admitindo o quadro jurídico-factual, para além de existir dolo de ofensas à integridade física; nexo de “causalidade adequada” entre as ofensas e a morte; temos a negligência em relação à morte, ou seja, o arguido, negligentemente, causou a morte através das ofensas que provocou dolosamente
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Encontramo-nos, assim, perante um crime que vai para além da intenção do agente, os chamados crimes preterintencionais – artigos 18º e 145º, ambos do CP – agravação pelo resultado, onde o resultado excedeu a intenção do agente
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Mesmo que se entenda estarmos perante um crime de homicídio simples, a pena é desajustada e excessiva, atendendo aos factos provados, uma vez que a moldura penal se situa entre 8 a 16 anos de prisão, pois como refere o artigo 40º, nº2 do CP, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo o fundamento ético da pena e um limite inultrapassável da sua medida
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Como no-lo refere o próprio acórdão, quando fala em “determinar a pena a aplicar ao arguido, devendo considerar-se para o efeito: (…) a postura do arguido em julgamento, contribuindo de forma relevante...
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