Acórdão nº 847/18.1GDLLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução13 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Singular n.º 847/18.1GDLLE da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Loulé, Juiz 3, submetido a julgamento foi o arguido (…) condenado (após comunicação de alteração não substancial dos factos descritos na acusação) pela prática de um crime de ofensa à integridade física, em excesso de legítima defesa, previsto e punível pelo artigo 143.º do CP, por remissão para os artigos 32.º e 33.º, n.º 1 do CP, na pena especialmente atenuada de cento e trinta dias de multa, à taxa diária de cinco euros.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões do arguido Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “I. O arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, em excesso de legítima defesa, previsto e punido pelo art.º 143.º do Código Penal, por remissão para os artigos 32.º e 33.º, n.º 1 do Código Penal (C.P.), na pena especialmente atenuada de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros) perfazendo o total de 650,00 (seiscentos e cinquenta euros).

    II. Entende o arguido, ora recorrente, que, face à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, o mesmo não atuou em excesso de legítima defesa; III. Entendendo também o arguido que a pena aplicada se revela exagerada.

    IV. Desse modo, será necessário determinar todos os elementos fácticos que compõem a conduta que configurou, alegadamente, o facto ilícito que viria a ser subsumido ao tipo legal de crime.

    V. De acordo com a matéria dada como provada, designadamente nos pontos infra narrados: VI. “A. Em 2 de Dezembro de 2018, pelas 07h30, (…) ocorreu uma discussão entre o arguido e o ofendido.” B. Nessa sequência, (…) correu no encalço do arguido com a intenção de o agredir.

    1. Ato contínuo, no momento em que o ofendido já se abeirava de si, o arguido desferiu uma pancada na cabeça daquele com um copo descartável de plástico que se se partiu, fazendo o ofendido cair por terra. (…) E. O arguido agiu com o propósito de ofender o corpo e saúde do (…), como meio de repelir uma agressão física iminente por parte do ofendido, o que quis e logrou.” VII. Dispõe o artigo 32.º do C.P. que “constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses protegidos do agente ou de terceiro.” VIII. Por sua vez, o artigo 33.º do C.P. estatui no seu n.º 1 que “Se houver excesso de meios empregados em legítima defesa, o facto é ilícito, mas a pena pode ser especialmente atenuada”; IX. Prevendo o n.º 2 do mesmo artigo que “O agente não é punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto, não censuráveis”.

    X. De acordo com a sentença ora recorrida, encontram-se verificados os requisitos da legítima defesa, porquanto o arguido agiu de modo a repelir uma ofensa à integridade física na sua pessoa, de natureza ilícita e iminente por parte do ofendido.

    XI. No entanto, o Tribunal a quo considerou que o arguido atuou em excesso de legítima defesa, agindo com manifesto excesso de meios empregados, atenta a utilização do copo como instrumento que potenciou a eficácia da agressão repulsiva, as lesões produzidas no corpo do ofendido e o facto de este ter caído por terra, visto estar embriagado.

    XII. Considerou ainda que o excesso de meios empregados pelo arguido não resultou de perturbação, medo ou susto, não censuráveis, pelo que o mesmo poderia ter evitado a consumação do ilícito penal.

    XIII. Com o devido respeito, tal consideração é de rejeitar em absoluto.

    XIV. Com efeito, não vislumbramos nos autos a existência do uso excessivo de meios por parte do arguido.

    XV. A legítima defesa é encarada como uma forma primitiva de reação contra o injusto baseada numa exigência natural, aceite pela consciência jurídica coletiva, de reação instintiva que leva o agredido a repelir a agressão a um bem jurídico, seu ou de terceiro, com a lesão de um bem do agressor, dando expressão ao princípio de autoproteção individual e a valores de cidadania e de solidariedade na preservação do Direito na defesa dos bens jurídicos.

    XVI. Na averiguação concreta sobre se uma conduta deve ou não ser considerada como tendo sido praticada em legítima defesa são tidos em conta requisitos da situação de legítima defesa (comportamento agressivo, atualidade e ilicitude da agressão) e requisitos da ação de defesa (necessidade do meio, necessidade de defesa e animus defendendi) - Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Tomo I, 2.ª edição, pág. 405.

    XVII. Tendo em conta a matéria de facto provada nos autos, caso o arguido não repelisse a agressão seria atingido pelo ofendido.

    XVIII. Aliás, conforme foi possível extrair das declarações prestadas pelo arguido, o ofendido, durante o tempo em que estiveram dentro do café, teve uma postura provocatória e hostil para com o mesmo, tendo inclusivamente desferido um empurrão no arguido.

    XIX. Também a testemunha (…) confirmou que quando estavam no interior do café, o ofendido criou um desacato com o arguido, empurrando-o, no entanto, o arguido não reagiu, voltou costas e foi para a rua, sendo que, nesse momento, o ofendido correu atrás do mesmo com intenção de agredi-lo.

    XX. O arguido, ao se aperceber que estava prestes a ser vítima de uma agressão, reagiu automaticamente, não conseguindo evitar o confronto e medir a necessidade do meio utilizado e as consequências do seu ato.

    XXI. O comportamento do arguido se inscreve no quadro da legítima defesa.

    XXII. Na verdade, a ação do ofendido, empurrando o arguido e insistindo em provocá-lo, obrigando-o a sair do café, configura um ataque por parte daquele e corresponde à noção de “agressão atual e ilícita” XXIII. Quanto aos requisitos da ação de defesa, julgamos verificados a necessidade de defesa, face à insistência e persistência do ofendido e o animus defendendi; XXIV. Por sua vez, quanto à necessidade do meio utilizado para repelir a agressão ficou demonstrado que o ofendido teve uma postura provocatória para com o arguido, parecendo obstinado e determinado em desorientar o mesmo.

    XXV. A circunstância do ofendido encontrar-se alcoolizado não implica que o mesmo se encontrasse impossibilitado de reconhecer o que fazia ou não estivesse consciente dos seus atos, a não ser que o mesmo estivesse dotado de uma incapacidade tal que toldasse por completo o seu discernimento, XXVI. O que, em virtude do seu comportamento para com o arguido no interior do café e depois na rua, não se verificou.

    XXVII. A intenção do ofendido era destabilizar o arguido, o que efetivamente logrou.

    XXVIII. O arguido agiu de forma automática, num estado de saturação tal, apenas pretendendo afastar com a mão uma agressão que se revelava iminente, sendo que na mão tinha um copo de plástico que acabou por provocar a queda e lesões no ofendido.

    XXIX. Ainda assim, sempre se dirá que mesmo que se considerasse que o arguido agiu com excesso de legítima defesa, vislumbrando o comportamento impertinente do ofendido e ao facto do mesmo estar alcoolizado, a gravidade da sua conduta não é censurável, pois revela-se minimamente necessária e idónea para impedir que fosse alvo de uma agressão iminente.

    XXX. E mesmo que o arguido tivesse afastado a agressão através de outro meio “mais idóneo”, o ofendido, atendendo ao facto de estar alcoolizado, poderia cair e magoar-se na mesma.

    XXXI. Face ao exposto, o arguido não agiu com excesso de legítima defesa, pelo que o Tribunal a quo fez uma incorreta subsunção dos factos ao preceituado no art.º 33.º do Código Penal, o qual devia ser interpretado e aplicado no sentido da exclusão da ilicitude do ora recorrente, XXXII. Devendo o arguido ser absolvido do crime de que vem acusado, por existir uma cláusula de exclusão da ilicitude.

    Não obstante, e caso assim não se entenda, sempre se dirá o seguinte: XXXIII. Ao crime de ofensa à integridade física simples é aplicada uma pena acessória com uma moldura penal abstrata de pena de multa a 3 anos de pena de prisão, conforme o disposto no n.º 1 do art.º 143.º do Código Penal, tendo-se por limite mínimo de pena de prisão, em regra, um mês (ex vi art. 41.º do C.P.) e, quanto à pena de multa, um limite mínimo de 10 dias e máximo de 360 dias (ex vi art.º 47.º, n.º 1 do C.P.).

    XXXIV.

    O Mm.º Juiz “a quo” entendeu que a aplicação de uma pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à razão diária de 5,00€ (cinco euros) se afigurava adequada e suficiente.

    XXXV.

    Consideramos, a pena aplicável é manifestamente desproporcional e injusta face à culpa do arguido.

    XXXVI.

    Perante a moldura abstrata no número de dias, a pena ultrapassa largamente o limite mínimo legal estabelecido, sendo certo que o montante global da multa é manifestamente excessivo tendo em conta os critérios referentes às finalidades e determinação da pena.

    XXXVII. As finalidades das penas (prevenção geral positiva e de integração de prevenção especial de socialização) conjugam-se na prossecução do objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valioso, cuja violação constitui crime (art.º 40.º, n.º 1 do C.P.).

    XXXVIII. A medida da culpa funciona como pressuposto de qualquer pena, o que significa que não pode exceder, na sua medida, o grau de culpa que se apresente.

    XXXIX. Atento o disposto no art.º 71º do C.P., na fixação da medida da pena é necessário relacionar a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo sempre em conta as circunstâncias agravantes e atenuantes, sob pena de se frustrarem as finalidades da punição, ou seja, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

    XL. O Mm.º Juiz “a quo” considerou que o arguido confessou parcialmente os factos, colaborou com o Tribunal e revelou clareza e assertividade nas declarações prestadas.

    XLI. Ficou ainda...

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