Acórdão nº 486/19.0T9STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução13 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. No Juízo Local Criminal de Setúbal, do Tribunal Judicial da comarca de Setúbal, procedeu-se a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, de DBS, com os sinais dos autos, acusado da prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto no artigo 360.º, § 1.º e 3.º do Código Penal (CP)

O arguido apresentou contestação na qual ofereceu o merecimento dos autos; e arrolou três testemunhas

A final veio a ser condenado pela prática de um crime falsidade de testemunho, previsto no artigo 360.º, § 1.º e 3.º CP, na pena de 175 dias de multa, à razão diária 6 €, perfazendo uma multa total de 1 050€

2. Inconformado com a decisão dela recorreu o arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1 - A matéria de facto dada como provada e que serviu para formar a convicção do Tribunal a quo, resume-se à prova documental constante dos autos a fls. 2 a 233 e que corresponde à certidão integral dos autos de Proc. n.º 1065/16.9PCSTB e às declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento nos presentes autos

2 - Entende o recorrente que a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, foi incorretamente apreciada e não permite as conclusões apresentadas por aquele Tribunal

3 - Pelo que, recorre-se da matéria de facto, passando-se a indicar e valorar criticamente tal prova

4 - Assim, e quanto aos factos dados como provados em 6), 7) e 11), o Tribunal a quo não indica um único meio de prova que, em concreto, tivesse servido para formar a sua convicção, aludindo de forma imprecisa e genérica “aos factos conhecidos e objetivamente apurados nos autos”

5 - Quanto ao facto dado como provado em 12), além de não ser indicado qualquer meio de prova, verifica-se a ausência de fundamentação para que o mesmo seja dado como provado

6 - Conforme consta da ata da audiência de julgamento dos presentes autos, na sessão realizada no dia 15/10/2020, o arguido/recorrente prestou declarações, reiterando que os depoimentos que havia prestado, perante a GNR e em audiência de julgamento no Proc. n.º 1065/16.9PCSTB, correspondiam aquilo que efetivamente tinha acontecido

7 - Cumpre referir que as testemunhas arroladas pela defesa e ouvidas em audiência de julgamento, presenciaram os factos que estiveram na origem do Proc. n.º 1065/16.9PCSTB, do qual foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos, onde se imputa ao arguido/recorrente a prática de um crime de falsidade de testemunho

8 - Depoimentos esses com relevância para a descoberta da verdade material e que foram, de todo, preteridos

9 - A versão do arguido/recorrente DS, que declarou ter sido o GJ quem agrediu a AR com uma bofetada na cara, resulta confirmada pelos depoimentos prestados por estas testemunhas, que disseram que a AR entrou no autocarro visivelmente exaltada e alterada e, empurrando as pessoas que estavam no corredor do autocarro, avançou na direção do D que procurou acalmá-la. Que em seguida o G levantou-se para ceder o lugar à AR, tendo esta batido com a mala na cara do G. Em resposta à agressão da AR, o G deu-lhe uma bofetada na cara

10 - Contudo, o depoimento de todas as testemunhas foi desvalorizado, revelando-se estes, pela sua essência e abrangência, fundamentais para que o Tribunal a quo concluísse de forma diversa da que fez

11 - De resto se dúvidas relevantes subsistissem, sempre teriam de ser resolvidas em favor do arguido, o que também não se verificou

12 -Assim, o Tribunal a quo deixa-se levar por um conjunto de conclusões espelhadas na acusação, mas que não são faticamente demonstradas em sede de audiência de julgamento, pelo que não podemos deixar de considerar que, no caso em apreço, ao concluir pela condenação do arguido com base num único meio de prova, nomeadamente a certidão dos autos de Proc. n.º 1065/16.9PCSTB, que se revela incapaz de, com certeza, permitir imputar ao arguido a prática de um crime de falsidade de testemunho, o Tribunal a quo apreciou incorretamente a prova produzida

13 - No caso dos presentes autos, a verdade material foi substituída pela verdade processual, ainda que esta não corresponda à verdade dos factos, mas que o Tribunal a tornou em verdade por a mesma resultar de uma prova tida como tal – Nuno Brandão, 2010, p. 495-497

14 - E, ao permitir-se a revisão de uma sentença transitada em julgado quando uma outra sentença também transitada em julgado tenha considerado falso um meio de prova determinante para essa decisão, conclui-se que a verdade processual declarada um processo pode ser alterada por não ser válida. Assim, a verdade processualmente válida é aquela que vier a ser apurada em processo próprio, isto é, em processo crime pelo falso testemunho e não a verdade processual encontrada no processo onde foi prestado o falso depoimento

15 - Evitando-se, assim, que a testemunha que mentiu ao ponto de influenciar a decisão do tribunal fique impune e, ao mesmo tempo, ser responsabilizada a testemunha que depôs conforme percecionou e representou os factos, mas cujo depoimento foi considerado desconforme com os factos dados como provados processualmente – Nuno Brandão, 2010, p. 497-498

16 - Por tudo o que foi exposto, os pontos essenciais da matéria de facto foram incorreta e erroneamente apreciados, o que redundou numa deficiente apreciação da prova e na injusta condenação do arguido pela prática do crime de falsidade de testemunho

Nestes termos, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido DBS da prática do crime de falsidade de testemunho que lhe foi imputado.» 3. Admitido o recurso o Ministério Público respondeu, sintetizando a sua posição aduzindo: «i. O recorrente invoca, no essencial, o erro de julgamento, por o tribunal recorrido ter dado como provados os factos que levaram à sua condenação, apesar de, em seu entender, deles não ter sido feita prova bastante em julgamento

ii. A matéria de facto dada como provada, assente que foi na prova produzida em julgamento e numa acertada valoração da mesma

iii. E tendo aquela sido valorada positivamente pelo Tribunal recorrido no âmbito da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, no sentido de que o arguido praticou os factos dados como assentes está, deste modo, afastada a existência de qualquer vício

iv. Face ao exposto, entendo não se mostrarem violados quaisquer dispositivos legais, devendo manter-se a condenação do arguido nos seus precisos termos

Nestes termos, deverá negar-se provimento ao recurso.» 4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso. 5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2.º do CPP, nada mais se acrescentou

6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência

II – Fundamentação A. Objeto do recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (1), estando neste caso suscitadas duas questões: a. Erro de julgamento de facto (a prova constante dos autos e produzida na audiência não permite concluir como consta do acervo dos factos provados e dos não provados na sentença - artigo 412º, § 3.º e 4.º CPP); b. Os factos provados não integram o ilícito previsto no artigo 360.º, § 1.º e 3.º CP

  1. A sentença recorrida

B.1 Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos: «1) No dia 01.02.2017 o arguido DBS foi inquirido na qualidade de testemunha no âmbito do processo de inquérito com o NUIPC 1065/16.9PCSTB nas instalações da GNR sita no Posto Territorial de … onde declarou que AMLR tinha sido agredida por GJS com uma bofetada. 2) (…) Naquele processo de inquérito com o NUIPC 1065/16.9PCSTB a referida AMLR havia apresentado queixa contra o aqui arguido DBS alegando ter sido agredida por este no dia 03.11.2016, pelas 08h30. 3) (…) Apoiado nas declarações de DBS, porque as percecionou como importante e essenciais para a responsabilidade criminal, o Ministério Público deduziu acusação contra GJS, imputando-lhe em autoria...

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