Acórdão nº 310/18.0GBLLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução13 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Coletivo n.º 310/18.GBLLE da Comarca de Faro Juízo Central Criminal - Juiz 2, submetido a julgamento, o arguido (…), preso preventivamente no EP de Faro, foi: a) Condenado como autor material e reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de 8 anos de prisão; O Tribunal declarou perdidos a favor do Estado: b) Todo o produto estupefaciente apreendido, bem como o redrate, plásticos, isqueiro, tesoura, fita adesiva e balança, e determinou sua destruição (artigo 35.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1); c) Todos os telemóveis apreendidos ao arguido (...), nos termos do artigo 35.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1; d) A quantia de € 230 (artigo 36º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1); e) A viatura Ford Focus, com a matrícula (…) (artigo 36.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1); Foi, ainda determinado: f) O levantamento apreensão dos bens descritos no ponto 33 dos factos provados e notificar o arguido (...), sua esposa e filho, para, após trânsito em julgado, procederem ao seu levantamento no prazo de 60 dias, sob pena de não o fazendo serem os mesmos considerados perdidos a favor do Estado (artigo 186º, n.º 3 do CPP); g) A recolha de amostra de ADN do arguido (...), a fim de se proceder à sua inserção na base de dados de perfis de ADN em obediência ao disposto no artigo 8.º, n.º 2 da Lei 5/2008, de 12 de fevereiro; h) Que o arguido (...) continue a aguardar os ulteriores termos processuais sujeito a prisão preventiva.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões do arguido (...) Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “I – Da Omissão de Pronúncia i. Realizada audiência de julgamento e produzida e analisada em julgamento a prova, procedeu o tribunal “a quo” à comunicação de alterações dos factos descritos na pronúncia o que, de acordo com aquela comunicação, consubstanciaria alteração não substancial e foi comunicada ao abrigo do disposto no artigo 358º do C.P.C., conforme acta de julgamento – 6ª sessão, de dia 11/02/2021-.

    ii. Na sequência daquela comunicação, o aqui recorrente usou do direito ao contraditório, em articulado autónomo, onde levantou várias questões, entre as quais, que tais alterações não correspondem a uma simples precisão, concretização ou esclarecimento dos factos constantes da acusação/decisão de pronúncia, mas antes a factos novos, não se encontrando assim reunidos os pressupostos enunciados pelo artigo 358º do C.P.P., antes consubstanciavam tais factos, alterações substanciais, pois que conduzem inelutavelmente ao agravamento da situação jurídico-penal do arguido.

    iii. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 359º do C.P.P., o arguido manifestou a sua não concordância com a apreciação de tal factualidade para o efeito de condenação nos autos, e assim, nos termos e para os efeitos comunicados pelo douto tribunal, nomeadamente, para apreciação da aplicação do disposto no artigo 75º do C.P..

    iv. O tribunal “a quo” não conheceu destas questões colocadas pela defesa, nem em despacho autónomo, nem no douto acórdão recorrido, cfr despacho de fls….., acta de julgamento de dia 18/02/2021 e decisão recorrida.

    v. Sendo certo que as questões em apreço são de suma importância, indubitavelmente é que se impunha que o tribunal as conhecesse, pelo que, ao omitir apreciação das aludidas questões, oportunamente postas à consideração do tribunal, é nula a douta decisão recorrida, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do C.P.P.

    II- Da violação dos princípios da identidade do objecto da acusação, da vinculação temática e do contraditório e dos artigos 358º e 359º do C.P.P.

    vi. Findo o inquérito, com a dedução de acusação pública, o Ministério Público não carreou para a acusação qualquer factualidade referente aos antecedentes criminais do aqui Recorrente, embora essa fosse matéria ao alcance do seu conhecimento, porque já fixada no ordenamento jurídico. Imputa-se naquela acusação pública, ao aqui Recorrente, a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21º do DL15/93 de 22/01.

    vii. Sujeita aquela acusação pública a escrutínio judicial em sede de Instrução, tão-pouco é carreada nessa sede, para os autos, referencia ao regime previsto no artigo 75º do C. P., não resultando assim, daquela decisão instrutória, qualquer alusão a esta matéria. O aqui Recorrente é pronunciado pela alegada prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21º do DL15/93 de 22/01.

    viii. Realizado o julgamento da causa, finda a produção da prova, veio o tribunal “a quo” comunicar, ao abrigo do disposto no artigo 358º do C.P.C., alterações dos factos descritos na pronúncia que, no entender daquele douto tribunal, consubstanciavam alteração não substancial, conforme acta de julgamento – 6ª sessão, de dia 11/02/2021-, onde procedeu à comunicação da factualidade referente aos antecedentes criminais do aqui Recorrente, cfr teor daquela acta e, bem assim, se transcreve supra em sede de motivação de recurso e que aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos.

    ix. O objecto do processo é o objecto da acusação – ou da decisão de pronúncia, quando a haja-, no sentido de que é esta que fixa os limites da actividade cognitiva e decisória do tribunal, ou, noutros termos, o thema probandum e o thema decidendum. A actividade do tribunal penal, consubstanciada na investigação e prova de determinados factos não pode sair fora dos limites traçados pela acusação, sob pena de nulidade.

    x. A actividade decisória do tribunal também tem de se confinar ao objecto da acusação (art. 379.º, n.º 1, al. b) CPP). Assim, e por força destas exigências, o objecto do processo tem de se manter o mesmo desde a acusação até ao trânsito em julgado, daí derivando os princípios da identidade, da unidade e da indivisibilidade, corolário das garantias de defesa do arguido, permitindo-se-lhe uma defesa eficaz, subordinada aos princípios do contraditório e da audiência.

    xi. Ora, in casu, fixado que estava o objecto do processo, e finda que estava a produção da prova, a comunicação a que o tribunal “a quo” procede, no sentido de aditar a factualidade referente aos antecedentes criminais do aqui Recorrente como fundamento da ponderação da condenação do mesmo como reincidente, cfr acta de julgamento – 6º sessão - de dia 11/02/2021, altera aquele objecto do processo.

    xii. E consubstancia uma decisão inesperada, o que coarcta as garantias de defesa do arguido e o exercício do contraditório, violando o seu direito a um processo justo e equitativo, na dimensão de "justo processo" ("fair trial"; "due process"), nos termos enunciados no artigo 6º, § 1º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e no artigo 14º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos e que comanda toda a formulação das garantias inscritas no artigo 32º da Constituição.

    xiii. Encontrando-se fixado o objecto do processo, uma nova abordagem jurídica de uma questão, não passível legitimamente de ser perspectivada pelo arguido e que, ademais, consubstancia uma agravação da sua posição processual, é criador de incerteza e desrespeita a segurança jurídica.

    Ademais, xiv. A introdução da matéria referente aos antecedentes criminais e à alegada reincidência nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 75º C.P., consubstancia uma alteração substancial, nos termos do disposto no artigo 359º do C.P.P.. O que resulta, até, evidente da mera leitura daquele despacho do douto tribunal “a quo”, quando na sua parte final, refere que: “…se comunica a possibilidade de vir a ser considerada essa circunstância modificativa agravante...” xv. A aludida matéria integra-se necessariamente no disposto no artigo 359º C.P.P., por referencia ao disposto na alínea f) do artigo 1º daquele diploma legal, pois que, conforme resulta do disposto no artigo 75º C.P., redundam alterados os limites da moldura penal dentro dos quais o tribunal terá de encontrar a concreta pena a aplicar ao arguido.

    xvi. Destarte, s.d.r., padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP a decisão recorrida, ao apresentar tal factualidade como alteração não substancial e ao comunica-la ao Recorrente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358º do CPP.

    xvii. E padece de nulidade a decisão recorrida ao condenar o arguido como reincidente nos termos do artigo 75º do C.P., por violação dos princípios da identidade do objecto da acusação - fixado por via da pronúncia -, da vinculação temática e do contraditório e do disposto nos artigos 1º alínea f), 358º e 359º todos do C.P.P..

    SEM CONCEDER xviii. A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.

    xix. Perante tal insuficiência factual da acusação/pronúncia, no que aos pressupostos formais e materiais da reincidência respeita, o tribunal “a quo”, ao alargar a investigação para além dos limites de facto traçados por aquela, viola, além da garantia constitucional consagrada no art. 32.º, n.º 5, da CRP e o art. 339.º, n.º 4, do CPP.

    xx. No aditamento factual a que o douto tribunal “a quo” procede omite factualidade referente à forma de execução, aos fins e motivos que presidiram à prática do crime nos autos de processo n.º 1021/07.8GDLLE, e a factos cuja avaliação e ponderação abalizasse o juízo decisivo de que o recorrente, ao praticar actos de tráfico no âmbito dos presentes...

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