Acórdão nº 24/18.1T8ODM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelFLORBELA MOREIRA LANÇA
Data da Resolução14 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I.

Relatório Euro Insurances Limited intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação de B… no pagamento da quantia de € 11.311,90, acrescida dos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, ter celebrado com Aviludo – Industria e Comércio de Produtos Alimentares S.A., tomadora do Seguro, um contrato de seguro do ramo automóvel através do qual esta transmitiu para si a responsabilidade civil decorrente dos danos provocados pela circulação do veículo automóvel, com a matrícula …. No âmbito da vigência desse contrato, o OS, conduzido pelo R., foi interveniente num acidente de viação, o qual consistiu na invasão pelo OS da faixa de rodagem onde seguia o veículo de matrícula … evento que se deu por culpa exclusiva do R.

O R. conduzia a viatura OS com uma taxa de álcool no sangue de 1,65g/litro.

Do acidente resultaram várias lesões corporais na condutora do FP e danos patrimoniais no veículo conduzido por aquela, os quais foram suportados pela A. que liquidou à seguradora da condutora do FP a quantia de € 10.684,00, pelos danos sofridos no veículo, à sociedade Sete Cidades Cafetarias Unipessoal Lda., a quantia de € 202,50, respeitante a despesas de aluguer de veículo de substituição, e à ULS do Litoral Alentejano a quantia de € 425,40, correspondente ao custo suportado com os tratamentos médicos prestados à condutora do veículo FP.

Regular e pessoalmente citado, o R. contestou, negando ter conduzido o veículo automóvel segurado no dia em que terá ocorrido o acidente, concluindo pela absolvição do pedido contra si formulado.

Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e elencados os temas da prova.

Realizada a audiência final foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu o R. do pedido A A. não se conformando com a sentença prolatada dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “I.

Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância a fls._ dos autos de ação de processo ordinário que correram termos no Juízo de Competência Genérica de Odemira- Juiz 2, da Comarca de Beja, sob o número de processo 24/18.1T8ODM, que julgou a ação improcedente, absolvendo o ora Réu do pedido contra si formulado.

II.

Ora, mantendo a ora Recorrente a profunda convicção de que existem nos autos fundamentos de direito, que impunham, no caso concreto, decisão em sentido diverso, inclusive que impunha alteração da matéria de facto dada como não provada, procurará adiante a explicitar os motivos pelos quais interpõe o presente recurso.

III.

Nos termos do artigo 27.º, nº 1 al. c), do Decreto-Lei 291/2007, para que a seguradora tenha direito de regresso contra o condutor exige-se: a culpa do mesmo na ocorrência do acidente, por qualquer violação das regras estradais e, cumulativamente, que conduza com taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida.

IV.

Assim, de acordo com a referida disposição legal, que revogou o artigo 19.º al. c) do Decreto-Lei n.º 522/85, e que constitui a base legal do direito de regresso, não é exigível que se prove a atuação do condutor sob a influência do álcool, bastando que se apure uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida.

V.

Da leitura atenta da nova redação constante do artigo 27.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 291/2007, resultam claramente duas conclusões: iii. Pretendeu o legislador afastar a necessidade da referida “prova diabólica”, resultante da expressão “agido sob a influência do álcool” (sublinhado nosso); iv. Obrigou, no entanto, à produção de prova sobre dois aspetos essenciais: a efetiva presença de álcool no sangue, e a culpa pela produção do acidente.

VI.

Revertendo ao caso dos autos e atenta a factualidade provada, “No caso vertente, resulta assente que o condutor do veículo OS, responsável pelo acidente (embate) dos autos (ao desrespeitar o dever de se assegurar de que podia retomar a via em segurança) conduzia aquele veículo com uma TAS 1,65 g/l, superior à legalmente admitida (cfr. artigo 81.º, n.º 2 do Código da Estrada).”.

VII.

Pelo que, contrariamente ao ditado pelo douto Tribunal Recorrido, temos por reunidos os pressupostos legais para o direito de regresso da seguradora.

VIII.

Da interpretação da norma constante do artigo 27.º n.º a alínea c) do Decreto-Lei n.º 291/2007, fica excluída a exigência do ónus da prova do nexo de causalidade entre o álcool e a causa do acidente, procedendo o direito de regresso, quando verificados dois pressupostos: o condutor ter dado causa ao acidente, e a presença de uma TAS superior ao legalmente permitido, conforme o disposto no artigo 81º do C.E.

IX.

Andou, assim, mal o douto Tribunal a quo ao fazer depender da ora Recorrente prova não necessária, bastando, ao invés, para decidir-lhe favoravelmente, concluir que o ora Recorrido deu causa ao acidente e que acusou uma TAS de 1,65 g/l.

X.

Veja-se o que nos ensina o Acórdão do STJ de 08.10.2009 (in WWW.dgsi.pt): «agora as coisas são claras – o condutor dá causa ao acidente (qualquer que seja a causa) e se conduzia com uma taxa de alcoolémia superior à permitida por lei, a seguradora tem direito de regresso contra ela».

XI.

Segundo o mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (disponível em www.dgsi.pt – Proc. 525/04.9TBSTR.S1) “(…) a alínea c) do art. 19º do Dec.Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente. Por sua vez o art.19º, do Dec.lei nº 522/85, de 31 de Dezembro dizia [...] que satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso (c) contra o condutor, se este... tiver agido sob a influência do álcool (…).

O que o novo diploma diz [...] é que (art. 27º) – satisfeita a indemnização, a empresa de seguros tem apenas direito de regresso (c) contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida (....)“ (negrito e sublinhado nossos).

XII.

Assim, o legislador entendeu que, uma vez feita a prova de que o acidente foi causado pelo condutor que conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à permitida – como o foi - isso bastaria para concluir que o comportamento do condutor se deveu à influência do álcool.

XIII.

Ou seja, presumiu o legislador que a prova de que o acidente se deveu ao condutor alcoolizado era suficiente para considerar que o acidente e os subsequentes danos se deveram a influência do álcool.

XIV.

Deste modo, não obstante, se tenha criado uma presunção legal de culpa, relacionada à efetiva presença de álcool no sangue do condutor envolvido num acidente, trata-se verdadeiramente de uma presunção ilidível, mediante prova em contrário.

XV.

Ou seja, caso o condutor faça prova de que não teve qualquer culpa na produção do acidente, não obstante a taxa de alcoolemia que acusava, não terá a seguradora qualquer direito de regresso contra este condutor.

XVI.

O que, porém, não sucedeu nos presentes autos, tendo o douto Tribunal recorrido inferido no sentido da culpa do ora Recorrido pela produção do acidente.

XVII.

Ora, no caso em apreço nos presentes autos, não obstante estar assente a taxa de alcoolemia que o ora Recorrido acusou aquando do acidente (TAS 0,71 g/l), o Réu não provou que nenhuma culpa sobre si impende, pela produção do acidente em apreço nos autos, de modo a ilidir a presunção de culpa, determinada pela presença da referida taxa de alcoolemia.

XVIII.

Pelo contrário, com tal exigência, fica agora claro que o direito de regresso da seguradora pressupõe um nexo de causalidade entre o comportamento do condutor e o dano relativamente ao qual se estabelece o direito de regresso, impondo-se à seguradora o ónus de prova que o acidente ocorreu por culpa do condutor que conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e que os danos decorreram desse acidente, ficando dispensada de provar que o acidente ocorreu em consequência da condução sob o efeito do álcool.

XIX.

Deste modo, e sem pretensões de exaustividade, refere-se apenas a título exemplificativo, por parecer deveras elucidativo do que agora se expôs, o seguinte excerto do douto Acórdão da Relação do Porto de 14/09/2009: “A questão de ser ou não necessária a prova do nexo de causalidade entre a verificação do acidente e a condução sob a influência de álcool no sangue, nunca foi de entendimento pacífico na nossa Jurisprudência, pelo que houve a necessidade e urgência em vir clarificar e interpretar a norma constante do art. 19°, ai. c) do Decreto-Lei n°522/85, de 31 de Dezembro (…). Assim, face à redacção da al. c) do n°1 do art. 27° do actual Decreto-Lei n°291/2007, de 21 de Agosto, que revogou o aludido D.L. n°522/85, para que a seguradora tenha direito de regresso apenas se exige que o condutor tenha dado causa ao acidente e que conduza com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente permitida.

Ora, perante tal norma, que se reputa interpretativa da correspondente norma da al. c) do art. 19° do D.L. n°522/85, tem-se por insustentável a doutrina do citado Acórdão Uniformizador n°6/2002 (…) onde se considerou que o direito de regresso previsto na mesma disposição "pressupõe a demonstração, pela seguradora, do nexo de causalidade entre a condução sob a influência de uma taxa ilegal de alcoolemia e o evento danoso".

XX.

Assim, a douta sentença recorrida não aplica corretamente a referida legislação, uma vez que o Réu, ora Recorrente, conduzia com uma TAS de 1,65 g/l e foi o único responsável pela produção do acidente em apreço nos presentes autos.

XXI.

Em face do que deverá a Sentença proferida ser revogada e substituída por outra que condene o ora Recorrido nos termos...

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