Acórdão nº 860/20.9GBABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução26 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos presentes autos de processo abreviado que correm termos no Juízo Local criminal de Albufeira - Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, com o n.º 860/20.9GBABF, foi deduzida acusação contra o arguido (...), pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de ofensa qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) ex vi 132.º, n.º 2, do Código Penal e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, alínea a) e 101.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea c), do Código Penal.

Realizado o julgamento, veio a ser proferida sentença que condenou o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, nº1 e 69º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros) e na sanção acessória proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 3 (três) meses e que o absolveu da prática do crime de ofensa qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) ex vi do artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal.

*Inconformado com tal decisão, na parte em que absolveu o arguido da prática de um dos crimes pelos quais vinha acusado, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “1) O Ministério Público não se conformando com a douta sentença na parte em que absolveu o arguido (...) da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) ex vi 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, vem dela interpor recurso por discordar dos factos dados como não provados e que, consequentemente, conduziram à absolvição do arguido; 2) Na douta sentença foram dados como não provados os factos n.º 10 e 11 da acusação deduzida, os quais se reportam ao preenchimento do elemento subjetivo do crime de ofensa à integridade física qualificada; 3) Resulta do depoimento da testemunha (...), prestado no dia 28 de Janeiro de 2021, entre as 11:46:15 e as 12:00:06, a instâncias compreendidas entre o minuto 04:18 e 07:24, que o arguido apesar de ter sido informado pelos militares, que se encontravam-se devidamente uniformizados e no exercício de funções, dos motivos pelos quais iria ser algemado, ainda assim não se inibiu de atingir o corpo do militar (...), provocando, com a sua conduta um hematoma no bícep e escoriações no cotovelo; 4) Não podemos deixar de frisar que é evidente e notório, porque qualquer homem médio assim o entende, que quando uma pessoa agarra o braço de outra pretende magoar, ofender, no seu corpo, sendo que tal conduta é proibida e punida por lei penal; 5) Qualquer homem médio sabe que não pode agarrar no braço de um militar, devidamente uniformizado, no exercício das suas funções, apenas por estar desagradado com a sua presença em determinado local, e com a intenção de evitar que aquele cumpra as funções que a lei lhe exige; 6) Ademais, qualquer homem médio sabe que não pode causar com as suas condutas hematomas ou escoriações no corpo de militares; 7) O arguido com a sua conduta traduzida em “esbracejar” e agarrar o braço do militar, que se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, demonstrou, com a mesma, uma atitude de desprezo e indiferença pelos valores da autoridade e da ordem, valores esses norteadores da vida em sociedade; 8) Pelo que, em nosso entender, encontram-se preenchidos os elementos objetivos que integram o crime de ofensa à integridade física qualificada, sendo a conduta do arguido um acto de violência gratuito revelando-se, deste modo, a especial censurabilidade da conduta manifestada pelo desprezo e indiferença aos valores da vida em sociedade; 9) No que concerne à verificação do elemento subjetivo do crime de ofensa à integridade física qualificada, não podemos olvidar que o arguido atuou com dolo, ainda que com dolo eventual porquanto sabia que ao levar a cabo a referida conduta, a mesma seria adequada a provocar lesões no corpo do militar tendo o arguido se conformado com essa realização; 10) Deste modo, entendemos que o elemento subjetivo do crime de ofensa à integridade física qualificada encontra-se preenchido;” Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que alterando a matéria de facto dada como não provada para provada, tal como constava da acusação, condene o arguido também pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) ex vi 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal.”*O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o arguido pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1. Por sentença foi o arguido absolvido da prática de um crime de ofensa a integridade física qualificada, do artº 143º, nº 1, 145º, nº 1 alínea a) ex vi 132º nº 2 alínea l) do Código de Penal.

  1. Compulsados os autos, constata-se que o Mmo. Juiz atendeu à globalidade dos depoimentos das testemunhas (...), aproveitando o mesmo para dar como não provados os elementos objectivos e subjetivos do tipo de crime imputado ao arguido, não ignorando o seu teor no que respeita à descrição dos factos.

  2. As declarações do arguido foram prestadas de forma sincera, coerente, sem nunca tentar iludir ou mostrar intenção de ter sequer praticado uma ofensa, pelo que não existiu dolo.”*O Exmº. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da procedência do recurso.

    *Procedeu-se a exame preliminar.

    Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

    Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

    ***II – Fundamentação.

    II.

    I Delimitação do objeto do recurso.

    Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95 de 19.10.95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

    Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

    No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, é apenas uma a questão a apreciar e a decidir, a saber: - Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova produzida em audiência, em violação dos princípios da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do CPP.

    II.

    II - A decisão recorrida.

    Realizada a audiência final, foi proferida sentença que deu como provados os seguintes factos: “1.No dia 07 de Junho de 2020, pelas 02h11m, na (…), o arguido (...) conduzia o veículo automóvel Seat Ibiza, com a matrícula (…).

  3. Foi submetido a uma ação de fiscalização desempenhada pelos militares da G.N.R.

    (...) por suspeita de perseguição ao veículo com a matrícula (…).

  4. Tendo o arguido indicado aos militares que havia ingerido bebidas alcoólicas em momento prévio ao exercício da condução foi o mesmo informado da necessidade de se deslocar ao posto da G.N.R.

    a fim de realizar teste de pesquisa de álcool no ar expirado de modo a apurar o seu grau de alcoolemia.

  5. E informado de que previamente iria ser submetido a revista para fins de segurança, o arguido passou a apresentar um comportamento agressivo pelo que os militares tentaram algemá-lo.

  6. Contudo, o arguido esbracejou para que os militares não conseguissem colocar as algemas, tendo sido imobilizado no solo para o efeito.

    Nesse procedimento o arguido agarrou um braço do militar (...) fazendo com que este último se desequilibrasse e caísse.

  7. Em consequência, o militar (...) sofreu um hematoma no bícep e escoriação no cotovelo direito sem que tenha tido necessidade de receber tratamento médico.

  8. O arguido encontrava-se ciente de que se estava perante militares da G.N.R. no exercício de funções, os quais se encontravam uniformizados.

  9. O arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,297 g/l.

  10. Ao atuar do modo descrito teve o arguido o propósito conseguido de conduzir o veículo automóvel ciente de que estava influenciado pelo álcool apresentando uma TAS superior a 1,2 g/l e que não podia exercer a condução de veículo automóvel com tal taxa de alcoolemia, atuando quanto a tais factos de forma livre, deliberada e consciente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  11. O arguido trabalha habitualmente como empregado de mesa; em março de 2021 auferiu a importância de € 665,00; partilhava casa com a mãe, falecida em 08.04.2020; é solteiro e não tem filhos.

  12. O arguido não regista antecedentes criminais”.

    *Como não provados, elencou a sentença recorrida a seguinte factualidade: “- Ao atuar do modo descrito nos factos provados, o arguido agiu com o propósito de atingir o militar (...) na sua integridade física, ofendendo-o no seu corpo e saúde.

    - O arguido agiu de forma deliberada e consciente sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, no que concerne à produção de lesões físicas no referido militar (...).” II.

    III - Apreciação do mérito do recurso.

    Sabendo-se que...

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