Acórdão nº 89/98.0TBELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução26 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Singular n.º 89/98.0TBELV, do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Local Criminal de Elvas, foi submetido a julgamento o arguido (...). Constando do dispositivo da sentença, o seguinte: 1.1. Quanto à ação penal: “Foi julgada totalmente improcedente a acusação do Ministério Público e, decidido absolver o arguido da prática de dois crimes de dano qualificado, previsto e punível pelos artigos 212.º e 213.º n.º 1 alínea c) do Código Penal, pelos quais veio acusado;” 1.2. Quanto à ação cível enxertada: “Foi julgado totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público em representação do Estado Português e, em consequência, dele absolver o arguido/demandado do peticionado.”.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões do Ministério Público Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “Em conclusão: 1– Na douta sentença recorrida foram violadas normas substantivas e processuais, nomeadamente, os arts. 212º e 213º nº. 1, alínea c), ambos do CPenal e os arts. 119º; 120º; 311º nº. 3 e 283º nº. 3, alíneas a) a g), todos do CProcPenal.

    2– Ficaram provados os elementos objetivos do tipo de crime de dano qualificado, pelos quais o arguido vinha acusado.

    3– Mais ficou provado, no que respeita ao elemento subjetivo que o arguido praticou todas as condutas voluntária e conscientemente (…) com a intenção de destruir bens que sabia serem do Estado, e estarem destinados ao uso e utilidade públicos, sabendo que dessa forma causava prejuízos patrimoniais (cfr. 2.1.9 do elenco dos factos provados na douta sentença recorrida).

    4– Da acusação não constava a expressão corrente na prática judiciária de que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por Lei Penal.

    5– Por esse facto, e estribando-se no douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº. 1/2015 de 27 de janeiro, a Mma. Juiz a quo absolveu o arguido da prática dos crimes de que vinha acusado.

    6– Entendemos que a expressão referida em 4 não é obrigatória, podendo ser substituída por outra que lhe seja equivalente.

    7– Consideramos que a expressão transcrita na Conclusão 3 supra tem conteúdo equivalente ou, pelo menos, suficiente para que possa dar-se por provada a consciência da ilicitude.

    8– Aliás, a falta dessa expressão numa acusação, não integra nenhuma das nulidades previstas nos arts. 119º e 120º do CProcPenal, nem é indicada como causa de rejeição da acusação por manifestamente infundada no artº. 311º nº. 3 do CProcPenal, nem tampouco consta dos requisitos da acusação a que se alude no artº. 283º nº. 3, alíneas a) a g) do CProcPenal.

    9– Consideramos igualmente que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência acima referido não se debruça exatamente sobre a questão da consciência da ilicitude.

    10– Aliás, tal entendimento foi também sufragado no douto Acórdão da Relação do Porto, de 26.04.2017, proferido no processo nº. 8473/16.3T9PRT.P1, no qual se sumariou que a Jurisprudência fixada constante do AFJ nº 1/2015, não abrange a consciência da ilicitude, como causa excluidora da culpa.

    11– Acresce que, não é concebível que, face à relevância axiológica dos atos do arguido, cuja consciência está enraizada na vida em sociedade, o mesmo não soubesse que tais atos eram proibidos e punidos por Lei, quando agiu conscientemente e bem sabendo que com a sua conduta destruía bens alheios e causava prejuízos patrimoniais ao Estado, conforme ficou provado.

    12– Pelo exposto, deverão V. Exas., Venerandos Desembargadores, revogar a douta sentença recorrida, proferindo Acórdão no qual se condene o arguido pelos crimes de que veio acusado. (…)”.

    2.2. Das contra-alegações do arguido O arguido defendeu o acerto da decisão recorrida quanto às questões suscitadas pelo MP.

    2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância Na Relação a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer com o seguinte teor (transcrição) “Subscrevemos o recurso e as alegações do Ministério Público em primeira instância com o seguinte aditamento.

    A doutrina hoje dominante conceitualiza o dolo, como conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito. Conceitualização do dolo do tipo como conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do facto. Sendo o elemento volitivo, ligado ao elemento intelectual que serve para indicar uma posição ou atitude do agente contrária ou indiferente à norma de comportamento, numa palavra, uma culpa dolosa e a consequente possibilidade de o agente ser punido a título de dolo. Assim, no momento intelectual do dolo afirma-se a necessidade de que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência (consciência psicológica, ou consciência intencional) das circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objectivo, visando que o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito. O elemento volitivo supõe uma decisão de vontade do agente para a realização de um ilícito-típico, por via de uma acção ou omissão, sendo que é, especialmente, através do grau de intensidade desta relação de vontade que se diferenciam as várias formas de dolo. Consciência e vontade não podem ser vistos isoladamente, pois, só se pode querer aquilo que se conhece. É certo, não consta dos autos a expressão normalmente usada “sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei” (consciência da ilicitude), A decisão sob escrutínio apela ao Acórdão Uniformizador de jurisprudência n.º1/2015.

    Sem deixar de ponderar o mencionado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, atendendo à doutrina citada e tendo em conta, relativamente ao referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, que o seu objecto consistiu na uniformização da jurisprudência a propósito da falta de alegação dos factos integradores do dolo e que da sua fundamentação decorre que esses factos são distintos dos relativos ao conhecimento da ilicitude [com efeito, no 6º parágrafo do ponto 10.2.3.1 da respectiva fundamentação, diz-se que a consciência da ilicitude se coloca no plano dogmático a um nível diferente da avaliação do dolo na realização do facto típico, porque tem a ver com a questão da relevância do erro sobre a ilicitude ou sobre a proibição. Diz-se ainda que se não se tratar de um caso em que se possa afastar a censurabilidade do acto, o facto praticado sem consciência da ilicitude é equiparável ao praticado com essa consciência. Alias, ali se escreve que a essa pressuposta exigência responde o acórdão do STJ de 07/10/92, (também referido na fundamentação em 9.2.1.) relativamente à questão colocada de inexistir qualquer referência, na matéria de facto, ao conhecimento que o arguido, autor de um crime de homicídio, teria ou não teria da proibição legal, considerou que, «tendo [o arguido] agido livre e conscientemente com o intuito de tirar a vida ao filho, não podia deixar de conhecer o desvalor da sua conduta”. E mais adiante, nos parágrafos 1º e 2º do ponto 10.2.4, faz-se de novo uma distinção entre as questões da tipicidade e do conhecimento da proibição], entendemos que a jurisprudência fixada naquele acórdão não se aplica à omissão na acusação dos factos integradores do conhecimento da ilicitude, quando o relevo axiológico do crime em causa decorre da própria natureza do facto típico e, no caso, das circunstâncias da prática dos factos.

    Assim, afigura-se-nos que a acusação contém todos os elementos objectivos e subjectivos para se considerar que os factos alegados constituem crime, o crime de dano agravado de coisa alheia propriedade do Estado ao serviço público como consta da acusação.

    Embora em nosso entender, atentas as circunstâncias do crime e modo como foi sucessivamente praticado considerados que (…) existe apenas um crime de dano continuado e não a prática de dois ilícitos penais distintos.

    Pelo exposto, a rejeição da acusação em relação ao crime em causa não pode prevalecer, e a sentença recorrida substituída por outra que condene o arguido, procedendo o recurso.”.

    2.4. Da tramitação subsequente Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.

    Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 1. Objeto do recurso De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

  2. Questão a examinar Analisadas as conclusões de recurso a questão a conhecer consiste em saber se a não inserção na acusação da expressão “o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal” implica a omissão do elemento emocional do dolo com a consequente absolvição do arguido em julgamento.

  3. Apreciação 3.1. Da decisão recorrida Definida a questão a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

    3.1.1.

    Factos provados na 1.ª Instância O Tribunal a quo considerou...

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