Acórdão nº 12/19.0GAADV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ SIMÃO
Data da Resolução12 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum singular, com o nº acima mencionado do Tribunal Judicial da Comarca de Beja (Juízo de Competência Genérica de Almodôvar) o Ministério Público requereu o julgamento do arguido, ao abrigo do disposto no artº 16º nº 3, imputando-lhe a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do D. L. nº 15/93, de 22/01

Realizada a audiência, o tribunal decidiu condenar o arguido J… pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-A, na pena de 4 (quatro) anos de prisão

Inconformado, o arguido recorreu tendo concluído a motivação com as seguintes conclusões: «I-. O Arguido J… vinha acusado da prática, como autor, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-A, anexa àquele diploma legal, conjugados com os art.s 75.º e 76.º do Código Penal

  1. Por sentença, decidiu o douto tribunal a quo condenar o arguido J…, como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-A, anexa àquele diploma legal, conjugados com os art.s 75.º e 76.º do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão

  2. Em primeiro lugar, sempre se dirá que ocorreu violação do princípio non bis in idem ou ne bis in idem significa que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime

  3. Trata-se de um princípio de Direito Constitucional Penal que configura um direito subjetivo fundamental, enunciado no n.º 5 do art.º 29.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)

  4. Daqui resulta que um cidadão vê garantido o seu direito a não ser julgado mais de uma vez pela prática do mesmo facto punível, defendendo-se contenciosamente contra atos públicos violadores desse direito. Resulta, igualmente, que o legislador deve impedir a possibilidade de as mesmas pessoas serem submetidas a mais do que um julgamento pelo mesmo facto

  5. Uma vez que, no Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 2 decorreu o processo n.º 30/18.6PJSNT, em que o aqui arguido e Recorrente era também arguido naquele processo

  6. Nesse processo, o arguido J…, estava acusado como autor, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, e foi condenado pelo mesmo, ainda que tal sentença não tenha transitado em julgado

  7. Nesse processo que decorreu termos em Sintra (ainda não transitado em julgado, repete-se, por do mesmo se ter recorrido), conforme certidão do mesmo junta a estes autos, consta do elenco de factos provados que: “1.No dia 04/07/2018, pelas 20 horas e 45 minutos, na zona da …, o arguido J…adquiriu, pelo valor de € 500, a indivíduos não concretamente identificados, 30,275 gramas de heroína, com um grau de pureza de 20,6%”

    Quanto a este processo, cuja sentença proferida agora se coloca em crise, estava em causa a seguinte factualidade “ 2. Com o intuito de adquirir produto estupefaciente para consumir e revender, o arguido, no dia 17 de julho de 2019, deslocou-se ao ….!” IX. E repare-se que a julgamento do processo que decorreu em Sintra (ainda não transitado em julgado), só decorreu após a prática destes últimos factos de 17 de julho de 2019

  8. Ora, assim sendo, estamos perante um crime exaurido! XI. O crime exaurido é uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de corresponderem a uma execução completa do facto, e em que a imputação dos actos múltiplos e sequentes é imputada a uma realização única – v. neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.7.2006, do relator Armindo Monteiro, disponível em www.dgsi.pt

  9. O crime de tráfico de estupefacientes, concebido como crime de trato sucessivo, de execução permanente, comummente denominado de crime exaurido, fica perfeito com a comissão de um só acto, preenchendo-se com esse acto gerador o resultado típico. O conjunto das múltiplas acções unifica-se e é tratado como tal pela lei e jurisprudência

  10. Pelo que, desde já, o arguido também não se pode conformar com a pena aplicada porquanto entende existir violação do princípio Non Bis In Idem, com a sua consequente absolvição

    Sem prescindir nem conceder, XIV. Por não se concordar também com a decisão relativamente à pena em que foi condenado o arguido, por manifestamente desproporcional, também por tal motivo se interpõe recurso

  11. Condenar o arguido numa pena de 4 anos de prisão efetiva será inegavelmente afastar mais do que aproxima a inclusão deste indivíduo na sociedade e ainda aumentar, quiçá, a sua dependência de drogas, tal como sucedeu na primeira reclusão

  12. Assim, o Arguido deverá ser condenado numa pena nunca superior a 3 anos, e, em qualquer caso, deverá ser sempre suspensa na sua execução, ainda que sujeito a regime de prova

  13. O tribunal a quo não ponderou com a objetividade devida a prova produzida em julgamento, para efeitos de determinação da pena, nomeadamente, no facto do arguido ser toxicodependente, ter colaborado com o tribunal e ter real vontade de ultrapassar o seu vício através da desintoxicação, recuperando totalmente a sua vida familiar e social

  14. É inegável que a vontade do Arguido em superar o seu vício, desintoxicando-se, frequentando o CAT assiduamente, permite estabelecer a formulação de um juízo de prognose favorável, ou mera expetativa razoável, relativamente ao comportamento futuro do arguido e ao grau mínimo de tutela do ordenamento jurídico, pelo que deverá haver lugar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada na decisão recorrida

  15. Em conclusão, o Recorrente discorda da douta sentença quanto à medida concreta da pena, pois é toxicodependente há muitos anos, esforçando-se o Arguido por sanar o seu vício

  16. Está ainda provado que o arguido confirmou a posse de estupefacientes, o que significa, juntamente com o actual tratamento um arrependimento não meramente de palavras, mas de actos concretos

  17. O arguido está familiar e profissionalmente inserido

  18. Face ao exposto, a pena que foi aplicada ao arguido peca por excesso. Desde logo, deverá a pena de prisão ser reduzida e suspensa na sua execução atento o arrependimento do Arguido, e a sua vontade em libertar-se da toxicodependência, libertação essa que está a decorrer e que permite a recuperação positiva do arguido para a sociedade

  19. Não tendo assim decidido, o Tribunal "a quo" violou o art. 71° do CP

  20. Repare-se ainda que houve omissão do exame (perícia médico- legal) a que se reporta o artigo 52 do Decreto Lei 15/93, que apesar de requerida pelo arguido não foi realizada, o que constitui uma nulidade, que desde já ser argui, com as devidas consequências legais, pois seria fundamental para a determinação da medida da pena e serviria para se aferir sobre as capacidades cognitivas e cognoscitivas do arguido»

    O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo: «1.Os crimes de tráfico de estupefacientes consubstanciam e integram o conceito de crime exaurido, no entanto, a repetição dos actos de execução apenas integram a realização única de um crime quanto aos factos ocorridos dentro do período de tempo a que a condenação se refere

    1. Desta forma, e não obstante o arguido ter sido condenado nos presentes autos e no proc. n.º 30/18.6PJSNT, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade e como reincidente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, respectivamente, não podem os factos em análise nos presentes autos considerar-se englobados na factualidade dada como provada no âmbito do 30/18.6PJSNT, na medida em que ocorreram em momentos totalmente díspares, sem qualquer interligação entre si, executados em locais completamente distintos, sendo que, na ponderação efectuada naqueles autos, em momento algum foi considerada a factualidade ora em análise

    2. Os factos pelos quais o arguido foi julgado nos presentes autos, encontra-se bem delimitada no tempo e circunscreve-se à circunstância de, no dia 17 de Julho de 2019, aquele ter-se deslocado ao …., local onde adquiriu 19,446 gramas de heroína para consumir e revender, sendo que, ao invés, no âmbito do processo 30/18.6PJSNT o arguido foi condenado por se ter deslocado, no dia 04 de Julho de 2018, ou seja, cerca de um ano antes, à zona da …, local onde comprou, pelo valor de € 500,00 (quinhentos euros), 30,275 gramas de heroína, com um grau de pureza de 20,6%, de heroína para consumir e revender

    3. Pelo exposto, conclui-se, objectivamente, não existir qualquer coincidência ou sobreposição temporal entre a factualidade dada como provada nos presentes autos e no proc. 30/18.6PJSNT, até porque ocorreram com um intervalo de diferença superior a um ano

    4. Desta forma, ao invés do alegado pelo recorrente, inexiste identidade dos factos em análise nos presentes autos com aqueles que foram analisados no proc. 30/18.6PJSNT, na medida em que, não obstante o agente e o bem jurídico atingidos serem idênticos, a factualidade ora em análise, foi executada volvido mais de um ano da prática daqueles factos, razão pela qual, não foi, obviamente, considerada ou sequer ponderada em qualquer condenação anterior

    5. Após a análise de toda a prova efectuada em sede de audiência e julgamento, o tribunal a quo condenou o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 e art.º 25.º al. a) ambos do D.L. 15/93 de 22.01 com referência à Tabela I-A, na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva

    6. O Tribunal a quo efectuou uma correcta análise de toda a prova realizada em sede de audiência...

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