Acórdão nº 10080/15.9T8STB-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelANA MARGARIDA CARVALHO PINHEIRO LEITE
Data da Resolução28 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1.

Relatório Por apenso à ação executiva para pagamento de quantia certa movida por Banco …, SA contra P…, no âmbito da qual foi penhorado o salário auferido pelo executado e veio posteriormente a ser demandada, ao abrigo do disposto no artigo 777.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a respetiva entidade patronal, K…, Unipessoal, Lda.

, tendo sido penhorado o saldo de depósito bancário da titularidade da mesma, deduziu esta executada os presentes embargos, nos quais cumula a oposição à execução e a oposição à penhora, pedindo: a) se julgue improcedente a execução, por inexistência de título executivo; b) se ordene o levantamento da penhora do saldo bancário; c) subsidiariamente, se determine a redução da penhora ao valor dos concretos montantes a descontar no salário do primitivo executado.

Recebida a oposição à execução e à penhora, a embargada contestou, pugnando pela respetiva improcedência.

Foi realizada tentativa de conciliação, após o que se comunicou que o estado do processo permite conhecer do mérito da causa, tendo sido concedido contraditório às partes para se pronunciarem, querendo, quanto à realização ou dispensa da audiência prévia, bem como para fazerem uso por escrito da faculdade prevista no artigo 591.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.

Por decisão de 25-03-2020, proferiu-se despacho saneador, discriminou-se os factos considerados provados e conheceu-se do mérito da causa, tendo a oposição à execução sido julgada improcedente e a oposição à penhora parcialmente procedente, decidindo-se o seguinte: Por tudo o que vem de ser exposto: - julgo os presentes embargos improcedentes; - julgo parcialmente procedente o incidente de oposição à penhora e, consequentemente, determino o levantamento da penhora na medida em que o valor do saldo bancário exceda o montante necessário para pagamento do valor correspondente ao total dos descontos que deviam ter sido efetuados ao longo dos vários meses, das custas e dos encargos do processo.

Custas dos embargos pela executada.

Custas do incidente de oposição à penhora pela oponente e pela exequente na proporção dos respetivos decaimentos.

Notifique.

Inconformada, a embargante interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e formulando as seguintes conclusões: «1.

Vem o presente recurso interposto da douta decisão que julgou improcedentes os embargos da ora Recorrente que, na qualidade de Entidade Empregadora do Primitivo Executado, não procedeu aos descontos à ordem dos presentes autos por tal pressupor a inobservância dos limites de impenhorabilidade, atendendo a que sobre aquele impendiam uma penhora da Autoridade Tributária e Aduaneira e, ainda o desconto referente à Prestação de Alimentos.

  1. A Prestação de Alimentos foi determinada pelo Juízo de Família e Menores do Tribunal da Comarca de Setúbal, à ordem do Processo n.º 19/09.6TMSTB e notificada à aqui Recorrente para proceder ao respetivo desconto no salário do Primitivo Executado.

  2. Após esclarecimento prestado pelo Juízo de Família e Menores do Tribunal da Comarca de Setúbal, constante de despacho a 11 de fevereiro de 2019, a Executada foi notificada do seguinte “(…) o crédito por pensão de alimentos, quer relativamente às prestações vencidas, quer às vincendas, goza de prioridade e preferência no pagamento dos créditos. (…)” 4.

    Atendendo ao conteúdo da notificação daquele Tribunal, a aqui Recorrente, procedeu em conformidade e comunicou tal entendimento ao Agente de Execução dos presentes autos (i.e. que, atendendo à prioridade dos descontos relativos às penhoras de Pensões de Alimentos e da penhora da Autoridade Tributária, não conseguiria assegurar-se a transferência de um valor equivalente ao salário mínimo nacional para o Executado, pelo que o desconto à ordem dos presentes autos não poderia ser efetuado).

  3. Contudo, foi instaurada execução contra a aqui Recorrente que se opôs mediante embargos e oposição à penhora, tendo aqueles sido julgados improcedentes.

  4. A efetivação da prestação de alimentos encontra-se regulada no artigo 48.º do RGPTC. Tal preceito, que corresponde ao anterior artigo 189.º da Organização Tutelar de Menores (OTM), tem como objetivo o cumprimento coercivo da obrigação de alimentos (assim como a ação executiva especial por alimentos, presente nos artigos 933.º e seguintes do Código de Processo Civil).

  5. A maioria da doutrina e jurisprudência defende que o mecanismo previste o RGPTC, sendo uma forma coerciva de obtenção da prestação de alimentos pelos menores, tem uma natureza executiva, equiparável à ação executiva especial por alimentos prevista no artigo 993.º do Código de Processo Civil.

  6. Assim, caso o obrigado à prestação de alimentos for empregado ou assalariado, como no caso do Primitivo Executado, a respetiva entidade patronal é notificada para que deduza as quantias em falta no ordenado, ficando na situação de fiel depositária.

  7. A dedução de rendimentos abrange o montante dos atrasos e as prestações de alimentos a vencer no futuro, sendo reduzida ao rendimento do devedor uma prestação mensal mais um montante determinado correspondente a uma parte das quantias em atraso, deixando esta última dedução de se fazer quando os atrasos estiverem completamente pagos.

  8. Neste sentido, sendo um mecanismo com carácter coercivo, não procede o entendimento do tribunal a quo, no sentido de considerar a prestação de alimentos um mero “encargo” do executado – o que, salvo o devido respeito, fere desde logo com o princípio do superior interesse do menor, fundamental no nosso sistema jurídico.

  9. O Tribunal a quo parece considerar, ignorando a orientação jurisprudencial maioritária sobre esta matéria, que a prestação de alimentos a que o Primitivo Executado se encontra adstrito trata-se, na verdade, de uma pensão de alimentos.

  10. Posto isto, face à natureza do procedimento previsto no Artigo 48.º do RGPTC e à orientação jurisprudencial maioritária, carece de sentido o entendimento do Tribunal a quo ao considerar que a prestação de alimentos se trata de um mero “encargo” do Primitivo Executado ou de uma “despesa pessoal” e não um desconto legalmente obrigatório de natureza coerciva equiparado a um processo executivo (que pretende acautelar o interesse do menor em causa).

  11. Aqui chegados, fica evidentemente prejudicada a não aplicação do limite de impenhorabilidade previsto no artigo 738.º do Código de Processo Civil, propugnada pelo Tribunal a quo.

  12. Considerando que a prestação de alimentos é equiparável a uma penhora do vencimento e atendendo à prioridade da mesma face à dos autos, assim como da existência de uma penhora, também anterior, efetuada no âmbito de uma execução fiscal, que incidia sobre 1/6 daquele vencimento, o desconto no vencimento à ordem dos presentes autos fica prejudicado, atendendo ao limite correspondente ao salário mínimo nacional.

  13. Atendendo à penhora anterior que impende sobre a retribuição do Primitivo Executado, bem como a prestação de alimentos, dever-se-á garantir o salário mínimo nacional, pelo que deverá a decisão recorrida ser revogada e ser substituída por outra que proceda à redução do crédito penhorado nos autos.

  14. Acresce que, na decisão ora posta em causa, o Tribunal a quo refere, e bem, que a aqui Recorrente “(…) não podia deixar de proceder em conformidade com a notificação que lhe foi dirigida pelo Juízo de Família e Menores de Setúbal, uma vez que as decisões dos Tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades (art. 205º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).” 17.

    Ora, face a esta argumentação, a decisão de improcedência dos embargos apresentados não deixa de merecer alguma incredulidade por parte da aqui Recorrente. Pois, ao considerar que a prestação de alimentos determinada ao abrigo do artigo...

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