Acórdão nº 59/19.7GCABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Março de 2021
Magistrado Responsável | JOÃO AMARO |
Data da Resolução | 23 de Março de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO
Nos autos de Processo Sumário nº 59/19.7GCABT, do Juízo Local Criminal de Abrantes, em que é arguido JCOM, foi decidido, através de despacho judicial, proceder à notificação ao arguido da decisão que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, por via postal (para a morada constante do TIR)
Inconformado com essa decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões (em transcrição): “I – Vem o presente recurso interposto da decisão, proferida a 10.07.2020, que determinou a notificação postal, para a morada constante do TIR, da conversão da pena de multa em que foi condenado o arguido JCOM em 133 dias de prisão subsidiária, por se entender, em consonância com os art. 49.º, n.º 1 e 3, 113.º, n.º 10, ambos do C.P. e art. 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, que a notificação de tal decisão deve ser efetuada por contacto pessoal
II – Começaremos por notar que não se aplica às decisões de conversão de pena de multa em prisão subsidiária a jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2010, sentido de ser efetuada, por via postal, a notificação da decisão de revogação da suspensa da execução da pena de prisão ao arguido. Primeiramente porque desde a sentença o arguido conhece a possibilidade de cumprir a pena de prisão e, até à decisão de revogação, há uma fase de instrução, contraditória, da mesma uma vez que o Tribunal deve apreciar dos pressupostos dos arts. 55.º e 56.º do C.P., ouvir o arguido nos casos de incumprimento nos termos do art. 495.º, n.º 2 do C.P.P. e, após, ponderar e decidir sobre a reação adequada, nomeadamente a solene advertência, imposição de novos deveres, prorrogação do período de suspensão, revogação da suspensão ou extinção da pena. É, pois, um procedimento similar àquele que conduz à prolação de sentença
III – Já o regime legal que leva à conversão da pena de multa em prisão subsidiária é de verificação formal, uma vez que, nos termos do art. 49.º, n.º 1, do C.P., a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária tem lugar sempre que o juiz verifique que a multa não foi tempestivamente paga (ainda que em prestações), voluntaria ou coercivamente, e não foi substituída por trabalho a favor da comunidade. Não é proferida uma decisão em que se proceda à avaliação da natureza de tal incumprimento, se este é culposo ou não imputável ao arguido são juízos que não são exigidos nesse momento processual
IV – É precisamente porque tais fundamentos não são atendíveis neste momento que o arguido não é previamente ouvido; após a conversão cabe ao arguido o impulso processual para que venha requerer a suspensão da sua execução, fazendo prova que a falta de pagamento não lhe é imputável. Ou seja, contrariamente ao que acontece com a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido participa num ato decisório, é ouvido e pode produzir prova quanto ao seu incumprimento (ou à razão porque uma eventual condenação posterior não inviabiliza o juízo de prognose favorável subjacente à decisão de suspensão da execução da pena de prisão), o arguido não se pronuncia em momento prévio à decisão que determina a sua privação de liberdade e o Tribunal não aprecia a culpa no incumprimento que a determina
V – Assim, no caso da conversão da pena de multa em prisão subsidiária (e contrariamente àqueles casos apreciados no referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência), “(…) a notificação não visa assegurar apenas o direito ao recurso, mas também, pela primeira vez, o contraditório sobre as razões do não pagamento da multa. Daí que se possa aceitar que neste caso a lei é mais exigente na forma de notificar o arguido, para garantir que a decisão chega efetivamente ao seu conhecimento, o que só é assegurado com a notificação pessoal” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no proc. n.º 1239/06.0PTPRT-A.P1, datado de 28.09.2016
VI – Notemos que o art. 113.º do C.P.P. tem como regra para a notificação do arguido na pessoa do seu Defensor, excetuando os casos previsto no seu n.º 10, como as medidas de coação, garantia patrimonial e a dedução do pedido de indemnização civil (que não contende com a liberdade do arguido), atos que devem ser notificados na pessoa arguido pelo que é devido um acréscimo a tal, exigindo-se não apenas a notificação na pessoa, mas também por contacto pessoal com o arguido no caso de uma decisão na qual não lhe foi dado contraditório, que limita a sua liberdade e lhe permite exercer o seu direito constitucional à defesa e, consequente, à tutela jurisdicional efetiva – cfr. art. 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos
VII – A decisão em causa é uma extensão da sentença, que altera a pena que foi aplicada sem que tal resultasse já da mesma à data em que foi notificada pessoalmente ao arguido. Assim, e porque se trata de ato decisório similar a uma sentença, deve ser notificada pessoalmente ao arguido nos termos do referido art. 333.º, n.º 5, do C.P.P. precisamente porque o mesmo não esteve presente no ato decisório que levou àquele despacho
VIII – A pedra de toque prende-se com o facto de a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária operar uma autêntica alteração da natureza da pena e não consistir apenas num meio “musculado” de cumprimento da pena de multa. Com efeito, acompanhamos o Acórdão Relação de Guimarães, proferido no proc. n.º 1163/17.1T9VCT.G1, datado de 14.10.2019, “sendo a conversão da multa não paga em prisão subsidiária uma verdadeira modificação do conteúdo decisório da sentença e, como tal, uma extensão desta, com efeito direto no bem essencial que é a liberdade das pessoas, é a própria concretização do conceito de processo equitativo, constitucionalmente assegurado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, que exige a garantia de que a possibilidade de pronúncia prévia sobre esse assunto chegou realmente ao conhecimento do notificando, o que só fica satisfeito com a notificação pessoal do condenado, a par com a notificação do seu defensor”
IX – E, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. n.º 124/14.7PTOERA.L1-5, datado de 19.02.2019, onde se lê que “relativamente a essa decisão proferida ao abrigo do art.º 49.º, n.º 1, do Código Penal, a orientação, maioritariamente...
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