Acórdão nº 3/16.3AELSB-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução23 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No âmbito dos autos de inquérito com o n.º 3/16.3AELSB, que correram termos no DIAP de Évora, da Procuradoria da República da comarca de Évora, em que se investigava a prática pelos arguidos LCAS e GRL, U, L, do crime aduaneiro de contrabando, previsto no artigo 92.º, § 1.º, al. a) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) – ou no tipo qualificado, previsto no artigo 97.º, al. b) do mesmo regime jurídico, foi por despacho da entidade competente determinado o arquivamento do processo, nos termos do artigo 277.º, § 2.º do Código de Processo Penal (CPP) «por não terem sido recolhidos indícios da prática do crime noticiado ou de qualquer outro»

Na mesma ocasião determinou-se a devolução à entidade administrativa competente de dois processos contraordenacionais cuja apensação havia sido anteriormente determinada, em razão do disposto no artigo 38.º do Regime Geral das Contraordenações (RGC) – nos quais estavam apreendidos alguns veículos (6 num processo e 5 noutro)

E uma vez que no processo de inquérito haviam também sido apreendidos alguns veículos, o Ministério Público (MP), considerando haver indícios da prática de ilícitos contraordenacionais pelos referidos arguidos, previstos nos artigos 108.º e 109.º do RGIT, determinou a extração de certidão do inquérito e sua remessa à entidade administrativa competente «a fim de ser ponderada a instauração de procedimentos contraordenacionais, pela eventual prática das contraordenações de descaminho e introdução irregular no consumo». Reagindo a essa ordem de remessa dos veículos apreendidos (a acompanharem a certidão do inquérito) para a autoridade administrativa, sem que esta tivesse contra ele qualquer processo instaurado, o arguido LCAS manifestou, em requerimento que dirigiu ao Juiz de Instrução Criminal (JI), o seu entendimento de que: aquela ordem era arbitrária; e também violadora do seu direito de propriedade sobre tais veículos. Requerendo fosse declarada a nulidade de tal decisão, por violação das regras de competência em razão da matéria, prevista no artigo 119.º, § 1.º, al. e) CPP; e ordenada a restituição de tais bens ao requerente, por dos mesmos ser proprietário. No exercício do contraditório o Ministério Público manifestou o entendimento que a competência para apreciar a alegada nulidade não era do JI, mas do próprio MP

Sobre o requerimento do arguido o Mm.o Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Évora veio a proferir o seguinte Despacho: «Considerando o pedido formulado de declaração de nulidade (parcial) do despacho proferido pelo Ministério Público a fls. 1509-1521 verso, nos termos dos artigos 268.º e 269.º ambos do Cód. Processo Penal, e em conjugação com o art.º 17.º do mesmo diploma, não está em causa a reserva de jurisdição atribuída ao juiz de instrução na fase de inquérito, da qual é titular o Ministério Público, e em consequência julgo este tribunal materialmente incompetente para apreciar a nulidade invocada pelo arguido

Notifique e devolva os autos ao DIAP.» Inconformado com o assim decidido traz o arguido LCAS o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões (transcrição integral): «A) O presente recurso tem por objecto o despacho judicial do Tribunal a quo de fls …, ref.ª 30153850, datado de 09.12.2020, que se julgou materialmente incompetente para apreciar a nulidade prevista no art.º 119 aln. e) do CPP invocada pelo Arguido, com fundamento em que, nos termos dos artigos 268º e 289º ambos do CPP e em conjugação com o art.º 17º do mesmo diploma, não está em causa a reserva de jurisdição atribuída ao Juiz de Instrução na fase de inquérito; B) No caso em apreço, a nulidade invocada pelo ora Recorrente, sindicam os despachos denominados "Desincorporação dos processos de contraordenação … e …" de fls ... (pag. 25 do despacho de arquivamento) e "Extracção de certidão" de fls ... (pag. 26 do despacho de arquivamento), proferidos no âmbito do despacho de arquivamento, nos quais o MP determinou a manutenção/transmissão/transferência da apreensão dos veículos apreendidos nos presentes autos para à ordem dos processos contraordenacionais …/… e …/… e dos demais veículos e documentos para à ordem dos processos contraordenacionais que vierem a ser instaurados. C) Entende o Recorrente que os referidos despachos extravasam o processo de inquérito e consequentemente, os poderes/competências do Ministério Público, por determinar o destino dos bens apreendidos, propriedade do Arguido, após o arquivamento e encerramento do processo¬-crime. D) É entendimento unânime da doutrina e jurisprudência que, durante o processo de inquérito, incumbe ao Juiz de Instrução Criminal conhecer das invalidades jurídicas dos actos praticados pelo Ministério Público, nomeadamente as que violam os direitos fundamentais dos cidadãos, nos termos conjugados dos artigos 202° da CRP e artigo 17° do CPP. E) A decisão do Ministério Público que determinou, após o encerramento/arquivamento do processo-¬crime, a manutenção da apreensão dos veículos/motociclos à ordem dos processos de contraordenação e os demais veículos/motociclos e documentos à ordem dos processos que vierem a ser instaurados pela Alfândega Marítima de Lisboa, configura uma violação grosseira e arbitrária do direito à propriedade privada do Recorrente, constitucionalmente protegido como direito, liberdade e garantia, previsto no art.º 62° da CRP. F) Assim, estando em causa a violação de um Direito, Liberdade e Garantia, (direito de propriedade privada previsto no art.º 62 da CRP) por parte do Ministério Público, impunha-se a intervenção do Juiz de Instrução Criminal para conhecer da nulidade invocada pelo Arguido, independentemente da fase processual em causa. G) A decisão do MP sobre o destino dos bens apreendidos após o arquivamento do inquérito, a ser admissível, seria da exclusiva competência do JIC, o que decorre da conjugação do disposto na aln. e) do n.º 1 do art.º 268 e do n.º 7 do art.º 178, ambos do CPP, onde é regulado que é da exclusiva competência do JIC declarar a perda a favor do Estado de bens apreendidos (quando aplicável) após o arquivamento do inquérito e determinar qualquer alteração/modificação relativamente ao destino dos bens apreendidos. H) Por conseguinte, impõe-se concluir que estando em causa um ato de privação arbitrária da propriedade de bens (veículos, motociclos e documentação do Arguido), após o arquivamento do inquérito, a competência para decidir sobre o destino dos bens que não seja a sua restituição ao legítimo titular, pertence exclusivamente ao JIC, razão pela qual o próprio que tem competência para declarar a nulidade desse acto processual. I) Pelo que, decidiu mal o Tribunal a quo ao considerar-se materialmente incompetente para apreciar a nulidade invocada pelo Arguido, ora Recorrente, violou o disposto na al, e) do nº 1 do art° 268º e nº 7 do art° 178°, ambos do CPP, devendo, pois, concluir-se pela sua competência para conhecer da referida nulidade suscitada. J) Nos presentes autos considerando que o JIC não declarou a perda dos bens apreendidos a favor do Estado (por inexistir qualquer fundamento) e não determinou qualquer alteração/modificação relativamente ao destino dos bens apreendidos, ao Ministério Público impunha-se determinar a restituição dos bens apreendidos ao Arguido, após o arquivamento do inquérito, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 186 do CPP. K) Assim e por aplicação do disposto nos termos do art.º 178 n.º 7 e art.º 268 n.º 1 aln. e) ambos do CPP, é mister concluir que após o arquivamento do inquérito, a competência para determinar o destino dos bens apreendidos que não seja a restituição ao legítimo titular, pertence exclusivamente ao Juiz de Instrução Criminal, L) Pelo que, ao ter determinado a manutenção/transmissão/transferência da apreensão dos referidos bens para processos distintos e até para eventuais futuros...

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