Acórdão nº 1337/19.0T8STB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelTOMÉ RAMIÃO
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora I. Relatório.

A…, residente na Praça …, Setúbal, intentou a presente ação especial para atribuição da casa de morada de família contra F…, residente na Rua …, Setúbal, pedindo:

  1. Seja reconhecida a união de facto entre a requerente e o requerido desde meados do ano de 1998 até finais do mês de outubro do ano de 1998 até finais do mês de outubro do ano transato; b) Se declare dissolvida a união de facto, com efeitos retroativos a outubro de 2018; c) Seja transferido o direito ao arrendamento do imóvel, ou seja, a casa de morada de família, à requerente, condenando o requerido a sair daquela casa entregando-a à requerente para que esta a possa habitar com os filhos de ambos, deixando na casa todos os utensílios domésticos e móveis e em bom estado; d) Se tais utensílios e móveis não se encontrarem em condições de uso ou o requerido deles se tenha desfeito, condenar o mesmo a indemnizar a requerente na quantia de € 3000.00 (três mil euros); Para o efeito alegou, em síntese, que viveu em união de facto com o requerido durante cerca de 20 anos, até outubro de 2018, altura em que o requerido a expulsou de casa, na sequência de mais um episódio de violência, tendo dessa união nascido dois filhos, necessitando que lhe seja atribuída a casa de morada de família, pois teve que arrendar outra casa para viver com os dois filhos, da qual paga uma renda de € 240,00, acrescida das despesas da água, luz, gás, telecomunicações e alimentação, o que perfaz o valor total do seu vencimento, que é insuficiente para fazer face a todas as suas obrigações, vivendo com a ajuda de familiares e amigos, sendo que o requerido não contribui para o sustento dos filhos, que estão a cargo da requerente, encontrando-se pendente processo de violência doméstica contra o requerido.

    Realizada a tentativa de conciliação prevista no art.º 990º nº 2 do Código de Processo Civil, não foi possível estabelecer o acordo.

    Notificado o requerido para contestar, não apresentou contestação.

    Procedeu-se à inquirição da testemunha arrolada pela requerente, após o que foi proferida a competente sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente e provada a presente ação, declarando a dissolução da união de facto entre a requerente e o requerido e, em consequência, atribuo à requerente o direito de utilização da casa de morada de família, sita na Rua …, Setúbal, transferindo o direito ao arrendamento do referido imóvel para a requerente, condenando o requerido a sair daquela casa, entregando-a à requerente para que esta a possa habitar com os filhos de ambos, deixando na casa os utensílios domésticos e os móveis em bom estado, absolvendo-o do demais pedido.

    Custas pelo requerido (artº 527º nºs 1 e 2 do C.P.C.)”.

    ***Inconformado veio a requerido interpor o presente recurso, concluindo, após alegações, nos seguintes termos: 1. O Recorrente não se conformando com à atribuição da casa de morada de família à Requerente/Recorrida para nela viver com os filhos de ambos, veio interpor recurso da decisão, considerando que o Tribunal a quo ao não o ter notificado atempadamente para a diligência de dia 04-02-2020 e não estando este representado por advogado, o que teve como consequência a sua ausência, entende que os atos praticados são nulos.

    1. A falta de notificação tinha acontecido em duas vezes anteriores, mas as diligencias foram remarcadas, o que não acontece nesta última.

    2. Andou mal o Tribunal a quo ao ter notificado o Recorrente já depois do inicio da diligência e a sua ausência não ter de imediato desencadeado mecanismos de pesquisa de objetos no site dos CTT para saber se a carta andava em circulação ou se tinha sido entregue ou se ainda estava dentro do prazo para ser reclamada.

    3. Não foi o que aconteceu e o Recorrente só teve conhecimento da sua falta e da decisão final ao ser notificado da sentença enviada em 11-05- 2020.

    4. Pelo que requer a nulidade dos atos praticados nos termos do art.º 195.º/1 do CPC e a repetição das diligências.

      6 - A Meritíssima Juíza a quo considerou ter sido feito prova suficiente para tomar a decisão de entregar da casa de morada de família à Recorrida, não ouvindo os principais interessados, os filhos de ambos, um já maior de idade e a filha ainda menor à data.

    5. Fundamentou a sua decisão na P.I. apresentada e não contestada, recibos de vencimento da Recorrida e informações da SS sobre os rendimentos do Recorrente, certidão da acusação do processo crime n.º90/19.2PBSTB, documentos constantes no processo de Regulação das Responsabilidades parentais e declarações de uma testemunha apresentada pela Requerente aqui Recorrida.

    6. Considerou a prova mais fácil de obter omitindo a audição dos filhos, os maiores interessados, e importantíssima segundo os fatos articulados na P.I, já que o Recorrente não praticou quaisquer atos pelos quais se encontrava indiciado em crime os quais contribuíram desfavoravelmente para a decisão, acabando esta por lhe ser desfavorável.

    7. O Tribunal a quo criou a convicção e tomou a decisão com a qual o Recorrente não concorda nem aceita, dado não ter diligenciado pelo apuramento da certeza se o Recorrente tinha ou não sido notificado à semelhança das diligências anteriores em que não tinha estado presente por falta de notificação e ter aceite que este estava ausente por sua vontade.

    8. O Tribunal a quo também julgou incorretamente a matéria de fato que teve por base os documentos juntos aos autos, toda a matéria vertida na petição, assim como depoimento da testemunha que nada esclareceu quanto a aspetos fundamentais como seria o caso se a Recorrida/Requerente estava a conseguir andar com a sua vida para a frente ao viver na casa que arrendou ou se sabia se estava muito limitada financeiramente e de qual os dois estava ou passava a viver no limiar da pobreza ao ser atribuída a casa à Recorrida/Requerente ou ao Recorrente.

      11 - Aplicando mal os critérios de equidade, razoabilidade e justeza jurídica que se socorreu.

      12 - Por tudo o que supra se mencionou deverá ser anulada a douta sentença, por violação dos:

  2. Art.188.º, n.º 1 do C. P. Civil.

  3. Art.º 990.º do CPC.

  4. Art.º 987.º do CPC.

    Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, anulada a douta sentença que atribuiu a casa de morada de família à Recorrida.

    *** A requerente contra-alegou, pugnando pela rejeição do conhecimento do recurso quanto à impugnação da matéria de facto por incumprimento do ónus de especificação previsto no art.º 640.º, n.º 1, als. a) e c) do CPC, e concluiu pela improcedência do recurso e manutenção da sentença.

    A Senhora Juíza conheceu da invocada nulidade processual, indeferindo-a, e admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    ***II. Âmbito do Recurso.

    Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor-, constata-se que as questões essenciais a decidir são as seguintes:

  5. Nulidade processual.

  6. Alteração da matéria de facto; c) Manutenção, ou não, da decisão de atribuição da casa de morada de família.

    *** III. Fundamentação fáctico-jurídica.

    1. Factos Provados.

    Na decisão recorrida foi considerada a seguinte factualidade, que se mantém.

    1. A Requerente viveu em união de facto com o Requerido durante aproximadamente 20 anos.

    2. Desta união nasceram dois filhos: A…, nascida a 13/12/2001 e L…, nascido a 30/08/2000.

    3. A requerente e o requerido encontram-se separados desde outubro de 2018.

    4. Altura em que a requerida se sentiu obrigada a sair de casa, na sequência de episódio de violência por parte do requerido.

    5. Mantendo-se o requerido a residir na casa de morada de família.

    6. A requerente atualmente vive com os dois filhos, em casa arrendada, com uma renda de €240,00 mensais.

    7. A Requerente trabalha como auxiliar na Associação Cristã da Mocidade (ACM), auferindo uma retribuição líquida de aproximadamente € 580,00 por mês.

    8. Tem como principais despesas, além da renda da casa, a alimentação e os consumos domésticos de água, eletricidade e gás e telecomunicações, de valor não apurado em concreto.

    9. Socorrendo-se da ajuda de familiares e amigos para suportar algumas das suas despesas.

    10. A filha A… ainda se encontra a estudar e o L… está desempregado, sem rendimentos.

    11. O requerido não tem contribuído para o sustento dos filhos.

    12. O Requerido em fevereiro de 2019 auferia um salário de € 680,50 por mês.

    13. Tendo depois ficado desempregado, beneficiando de subsídio de desemprego de cerca de €470 mensais.

    14. Desconhecendo-se se atualmente tem trabalho certo e o valor da respetiva retribuição.

    15. O imóvel que constitui a casa de morada de família é da propriedade da Câmara Municipal de Setúbal, tendo sido atribuída ao requerido, ainda antes de este viver com a requerente, pagando o mesmo uma renda de cerca de €73,00 por mês.

    16. Mas a Câmara Municipal de Setúbal foi informada, após o início da união de facto, de que a ora requerente fazia parte do agregado familiar do requerido, como sua companheira.

    17. No decurso do tempo em que a requerente viveu na casa de morada de...

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