Acórdão nº 2871/19.8T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelTOMÉ RAMIÃO
Data da Resolução25 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório.

  1. M… e L… intentaram a presente ação declarativa comum contra “I…, S.A.”, todos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação desta, nos seguintes pedidos: A) Reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio descrito sob o n.º …, da Conservatória de Registo Predial de Loulé, sua natureza e composição, designadamente que, à data da declaração de utilidade pública (28 de janeiro de 2004), nele estava edificada a moradia que constitui a sua casa de morada de família; B) Em consequência, que a ré proceda, imediatamente, à colocação de barreiras acústicas e visuais, nomeadamente, na confrontação entre o viaduto e sua casa de morada de família, em condições e extensão a determinar através de perícia; C) Que a ré seja condenada a pagar indemnização por danos patrimoniais decorrentes da depreciação ou desvalorização do valor de mercado do seu prédio pela construção do viaduto, em montante a determinar através de perícia a realizar; D) Reconhecimento que o direito à saúde, ao repouso, tranquilidade, melhoria da qualidade de vida, direito a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado, foi gravemente afetado pela devassa, pelo tráfego e ruído, vibrações e trepidações decorrentes da construção do viaduto e, em consequência, que a ré seja condenada a pagar-lhes, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 20 000,00 (vinte mil euros) para cada um.

    Para o efeito alegou, em síntese, correram termos no Juízo Local de Loulé-Juiz 1, sob o proc. n.º 741/05.6TBLLE, um processo de expropriação em que foram expropriados de uma parcela de terreno para construção da “Ligação do Nó de Loulé 1 da VIS às Quatro Estradas – 1.º Troço”, em que foi expropriante a ora Ré, sendo que no prédio onde se incluía a parcela de terreno a desanexar estava implantada a sua casa de habitação, composta de R/C e 1.º andar, com o valor patrimonial de € 37.394,88, inscrita na respetiva matriz sob o art.º 8976. No âmbito desse processo peticionaram uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais provocados pela construção desse viaduto, mas o tribunal não atendeu a esses danos por não se reconduzirem a prejuízos causados pelo ato de expropriação, mas a prejuízos resultantes do facto de terem uma via de circulação junto da sua habitação, não ignorando que esse empreendimento, a poucos metros da sua habitação, provoca notórios danos na sua qualidade de vida, mas que tem de ser peticionados a nível de responsabilidade extracontratual.

    A casa de habitação dos Autores fica a cerca de 7/8 metros onde a Ré mandou construir um viaduto, com a extensão de 200 metros de comprimento, com uma plataforma destinada à circulação rodoviária com cerca de 15 metros de largura, com 4 faixas de rodagem, duas em cada sentido de trânsito.

    Sofreram prejuízos durante a sua construção, que identificaram, nomeadamente viram perturbado o seu sossego e convívio social devido aos ruídos e privação do logradouro da casa, o que se agravou com a circulação rodoviária, e que a sua habitação sofreu uma desvalorização com essa construção.

    Na sua contestação, a ré suscitou, além de outras, a exceção de incompetência material deste tribunal para conhecer da presente ação, o que fez com fundamento no facto dos autores fundarem o seu direito de indemnização em responsabilidade civil extracontratual e da ré ser uma pessoa coletiva pública que vem praticando atos de gestão pública, pelo que nos termos al. g), do n.º 2, do artigo 4.º, do E.T.A.F. e n.º 2, do artigo 2.º, do C.P.T.A., compete aos tribunais administrativos julgar a presente ação.

    Os autores pronunciaram-se sobre a aludida exceção, pugnando pela sua improcedência.

    Foi proferido despacho saneador que julgou procedente a exceção nos seguintes termos: “Face ao exposto, julgo procedente a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria para apreciar o pedido deduzido contra a ré – cfr. artigos 96.º, 97.º, 99.º, n.º 1, 577.º, al. a) e 578.º, todos do Código de Processo Civil – e, por conseguinte, decido absolve-la da presente instância”.

    Inconformados com o sentenciado, vieram os Autores interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: I - Constitui jurisprudência pacífica que: "a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a ação é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respetivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados" (vide Ac. do STJ, de 14.05.2009).

    II - Com o devido respeito, compulsado o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, citado na sentença recorrida, é, para nós, inequívoco que a relação material aí controvertida, é distinta da que constitui a causa de pedir dos presentes autos, sendo, portanto, desajustada a sua invocação.

    III - Entende-se ao invés, para além da jurisprudência já citada, (cfr. Resposta à exceção de incompetência de fls. ), adequado e correto o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal dos Conflitos - Conflito n.º 26/16: São da competência material da ordem dos tribunais judiciais as ações que têm como objeto o arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário pela oneração do seu direito, determinante da desvalorização do bem pela constituição lícita de uma servidão administrativa por ato de entidade concessionária de serviço público, decorrente de um precedente processo expropriativo.

    IV - A A. configurou o seu pedido principal e essencial, como uma ação de reivindicação (cfr. art. 19º da PI) afirmando o seu domínio sobre um imóvel e articulando factos que permitiam induzir essa titularidade, peticionando o reconhecimento do seu direito, o que corresponde a uma ação real, assente e tendo por objeto uma situação jurídica de direito privado, especialmente recortada no art.º 1 311.º do Código Civil, conforme já referido.

    V - Acresce ainda que, no tocante aos pedidos deduzidos sob os Pontos B) e D), os Recorrentes alicerçaram as suas pretensões, fundamentalmente, na violação dos seus direitos ao repouso, ao descanso e ao bem estar, garantidos pelos artigos 25.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 70.º, n.º 1, do CC, sublinhando-se que a ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física ou moral de qualquer pessoa é juridicamente suscetível de ser prevenida ou reprimida por medidas jurisdicionais adequadas a evitar a consumação da ameaça, ou a atenuar ou fazer cessar os seus efeitos, e, para o exercício da ação daquele meio de tutela cível, existe a forma de processo especial prevista e regulada nos artigos 878.º a 880.º do CPC, sendo materialmente competentes os Tribunais Judiciais.

    VI - In casu, estamos perante uma cumulação real de pedidos, pois, como se diz no Acórdão do STJ, de 13.3.2008, processo n.º 08A391, na ação de reivindicação o pedido de indemnização tem natureza autónoma, sublinhando-se que à luz da configuração dada ao litígio pelos AA., o pleito assenta numa pretensão de natureza real, o reconhecimento da titularidade do direito de propriedade sobre um imóvel e a condenação da Ré a tomar as providências adequadas à reintegração desse direito, assinalando-se que o pedido indemnizatório, se bem que radique, também, em responsabilidade extracontratual, constitui consequência do reconhecimento do direito de propriedade dos Recorrentes e da violação dos seus direitos de personalidade, sendo dele meramente dependente ou consequente.

    VII – Por último, resulta dos autos que, o Tribunal a quo, julgando-se materialmente competente para o efeito, decidiu (Decisão transitada em julgado) o Incidente de Intervenção Principal Provocada da Sociedade “Rotas do Algarve Litoral, SA, daí que se entenda que a sentença ora recorrida, ao julgar-se materialmente incompetente, ofende o principio da unidade do sistema jurídico, consagrado no artigo 9º do Código Civil e o dever de gestão processual prescrito no art.º 6.º do CPC.

    Terminam pedindo a revogação da sentença e sua substituição por outra que declare o tribunal...

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