Acórdão nº 1101/18.4GBLLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ SIMÃO
Data da Resolução09 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório Nos presentes autos a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo local Criminal de Loulé - Juiz 3) foi proferido despacho em 30-09-2020, a homologar a desistência da queixa, por crime de burla, de natureza semi-pública, e a declarar extinto o procedimento criminal, bem como a instância cível por inutilidade superveniente da lide, conforme despacho infra descrito em II.1

O Ministério Público recorreu deste despacho, em 12-10-2020, conforme conclusões infra transcritas, invocando a nulidade da decisão, prevista no artº 379º nº 1 al. c) do CPPenal, por virtude do tribunal não se ter pronunciado sobre promoção do Ministério Público formulada na acusação, no sentido do arguido ser condenado a pagar ao Estado a quantia de € 119,31, nos termos do artº 110º nº 1 al. b) do C. Penal

Em 2-12-2020 foi proferido o despacho de sustentação, infra descrito, em II.2)

O Ministério Público manteve o interesse na instância recursiva

O Ministério Público apresentou as seguintes conclusões no recurso do despacho de 30-09-2020: «1. O presente recurso é interposto quanto ao teor da douta sentença do tribunal a quo somente na parte em que não se pronunciou quanto à promoção feita pelo Ministério Público no que tange à condenação do arguido a pagar ao Estado a quantia de €119,31 a título de perda de vantagens, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 110º nº 1 al. b) do Código Penal, não obstante o arguido não poder ser punido pela prática do crime, por extinção do procedimento criminal, consequente da desistência de queixa

  1. Da leitura conjugada do nº 3 da al. c) do artigo 374º do CPP, com o disposto no artigo 110º nº 1 al. b), 5 e 6 do Código Penal, resulta que a douta sentença, para além de homologar a desistência de queixa e declarar extinto o procedimento criminal e declarar extinta a instância cível, por pagamento integral da quantia peticionada pelo ofendido no PIC, uma vez que o direito de ressarcimento deste é independente da perda de vantagem, o Tribunal a quo, deveria ter-se pronunciado sobre a promovida condenação do arguido, “nos termos do artigo 110º nº 1 al. b) do Código Penal a pagar ao Estado a quantia de €119,31 (cento e dezanove euros e trinta e um cêntimos), sem prejuízo do direito de indemnização do ofendido.” 3. Não o tendo feito, deverá a douta sentença recorrida ser declarada nula, nos termos do disposto no artigo 379º nº 1 al. c) do CPP; por violação do disposto no artigo 110º nº 1 al. b), 5 e 6 do Cód. Penal e 374º nº 3 al. c) do CPP

  2. De acordo com a douta lição do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.11.2017, Proc. 326/16.1JACBR.C1, Relator: ORLANDO GONÇALVES, disponível in www.dgsi.pt, o regime jurídico geral plasmado no artigo 110º do Código Penal, regulador da perda de vantagens, é sempre aplicável mesmo que o arguido seja inimputável (ou seja actuou sem culpa), nos casos em que não possa ser criminalmente responsabilizado

  3. Por identidade de razão, se aqueles que agem sem culpa, mais aqueles que foram declarados contumazes ou cuja responsabilidade foi declarada extinta por morte (sendo neste último caso, responsabilizados civilmente os respectivos herdeiros), podem ser condenados, nos termos do disposto no artigo 110º nº 1 al. b), 5 e 6 do CP, a pagar ao Estado por perda de vantagens, também o arguido que não possa ser criminalmente responsabilizado por desistência de queixa por parte do ofendido, ainda que este haja sido integralmente ressarcido, pode ser condenado por perda de vantagens

  4. E isto porque os interesses “egoístas” de reparação do prejuízo patrimonial que o ofendido haja sofrido e peticionado, em competente acção cível enxertada no processo penal (Pedido de Indemnização Cível) é independente do interesse da comunidade em prevenir o crime ou como acertadamente se diz no douto acórdão supra citado: “A perda de vantagens tem em vista, primordialmente, uma perigosidade em abstrato, um propósito de prevenção da criminalidade em geral.” 7. Nesta conformidade, o espirito do legislador ao consagrar a norma do nº 5 do artigo 110º do CP, usando a palavra “incluindo”, atenta a intenção de prevenir a perigosidade abstracta da prática de crimes, onde o arguido aufira vantagens ilícitas, para além da morte do agente e da declaração de contumácia, e uma vez que a declaração de perda de vantagens não prejudica os direitos do ofendido, não está a excluir outras formas de o arguido não poder ser punido, como é o caso da desistência de queixa, no âmbito de um crime de natureza semi-pública, por o ofendido se declarar integralmente ressarcido

  5. Assim, deverá a douta sentença, condenar, nos termos do disposto no artigo 110º nº 1 al. b) do CP, a pagar ao Estado a quantia de €119,31 (cento e dezanove euros e trinta e um cêntimos), conforme promovido pelo Ministério Público aquando da prolação da douta acusação contra o arguido, com o que se fará a costumada justiça

Termos em que, o Ministério Público pugna pela procedência do presente recurso e, em consequência, devendo: – Seja revogada a douta sentença recorrida, na parte em que omitiu a pronúncia sobre a promovida perda de vantagens e substituir por outra, que condene, nos termos do disposto no artigo 110º nº 1 al. b) do CP, a pagar ao Estado a quantia de €119,31 (cento e dezanove euros e trinta e um cêntimos), conforme promovido pelo Ministério Público aquando da prolação da douta acusação contra o arguido, com o que se fará a costumada justiça»

Após a interposição do recurso o Mmo Juiz, proferiu o despacho com o teor infra transcrito em II-2), nos termos do artº 414º nº 4 do C.P.Penal

O Ministério Público manteve o interesse na instância recursiva

Nesta Relação, a Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do recurso ser julgado procedente

Procedeu-se ao exame preliminar

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir

II- Fundamentação II.1) O teor do despacho recorrido, de 30-09-2020, é o seguinte: Uma vez que na presente data, o ofendido transmitiu ao Tribunal o facto de estar integralmente ressarcido do montante escolhido nestes autos, formulando ainda o propósito de desistir da queixa...

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